terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A segurança da Amazônia no século XXI


A segurança da Amazônia no século XXI
Escrito por Alberto Teixeira da Silva
01-Nov-2008
A Amazônia tem papel de destaque pela importância estratégica dos recursos naturais que abriga, conformando espaços de sociobiodiversidade e serviços climáticos absolutamente decisivos para a segurança transnacional e global. Conflitos ambientais transfronteiriços decorrentes do processo combinado de crise de escassez e crescente mercantilização da natureza estão hoje no centro das políticas de governança mundial, conformando incertezas no curso da nova geopolítica global tensa e turbulenta.



No contexto da sociedade pós-industrial, mudanças substantivas conformam novas percepções e paradigmas num mundo em franca ebulição de idéias, dilemas e projetos civilizatórios. Diante das complexas dimensões da globalização – econômica, política, social, tecnológica, cultural e ambiental - desafios inadiáveis e ameaças sistêmicas como a pobreza, desigualdade, estagnação econômica, corrupção, violência e catástrofes climáticas; cresce a importância de estudos e pesquisas sobre processos contemporâneos na formatação de padrões de estabilidade, desenvolvimento e paz, como condição do progresso e bem estar das sociedades humanas.


Com efeito, a agenda da segurança mundial com o término da guerra fria e derrocada do socialismo histórico tem se alargado de forma significativa para incorporar novos temas e distintas problemáticas. O fim da bipolaridade e as transformações no leste europeu resultaram numa ordem multipolar de interdependências globais e agendas multifacetadas que tencionam o conceito de segurança para além do enfoque tradicional de estudos estratégico-militares.


A noção de defesa nacional centrada na visão estadocêntrica no marco da soberania territorial mostra-se insuficiente para garantir situações de estabilidade e desenvolvimento. A globalização está erodindo a soberania dos Estados, expondo vulnerabilidades num contexto da nova arquitetura da (in)insegurança mundial. As formas clássicas de resolução dos conflitos pela via armamentista e intimidação bélica já não respondem aos desafios e impasses contemporâneos.


A segurança militar continua relevante e decisiva, mas não é a única a ser garantida. Emergem ameaças e desafios que afetam a segurança internacional, mostrando que novas configurações planetárias – interdependência econômica, velocidade tecnológica e informacional e desequilíbrios ecológicos, irão conduzir políticas de segurança para outras esferas não exclusivamente militares.


A segurança tornou-se uma questão multifacetada, apresentando-se na Amazônia como grande desafio, tornando-se fundamental estabelecer inter-relações entre as dimensões energéticas, alimentar, hídrica, climática e ambiental. Riscos e efeitos devastadores derivados do aquecimento global, perda de diversidade biológica, desertificação, violência, marginalidade, exclusão social, lixo urbano, degradação dos recursos hídricos, enfim, um conjunto de situações caóticas expõe uma crise mundial sistêmica e projeta desequilíbrios perturbadores que já ameaçam a paz no contexto das relações internacionais.


A Amazônia está no epicentro das grandes preocupações regionais, nacionais e transnacionais. Não por acaso, suscita questionamentos e disputas calorosas, reacendendo debates controversos sobre soberania, defesa, territórios, presença incontrolada de múltiplos atores e desafios crescentes de compatibilizar proteção dos recursos naturais, crescimento econômico, justiça social e gestão democrática, enfim, a quadradura do círculo do desenvolvimento sustentável.


A ampla variedade de temas suscitados pelo problema da segurança numa região de fronteira do capitalismo global, marcada por profundas assimetrias e conflitos, projeta análises e configurações significativas sobre o subcontinente amazônico no cenário das transformações e políticas de integração forjadas pelos blocos e arranjos de governanças na América do Sul.


Uma observação atenta da moldura das relações internacionais contemporâneas, não pode ignorar que o sistema internacional fundado a partir do Tratado de Westfalen (1648), que consagrou o papel fundamental dos Estados, está hoje abalado pelas mudanças rápidas decorrentes da emergência de fluxos de poder, finanças, acordos comerciais, tecnologias, migrações, agendas e novos atores, que influenciam e tencionam os parâmetros políticos clássicos. O sistema interestatal monopolizado pelas relações entre Estados Nacionais e as estratégias de poder pelo uso da força militar e preocupações geopolíticas centradas na segurança nacional já estão sendo corroídas pelo novo mapa de segurança e defesa moldada em políticas públicas e inserção efetiva dos movimentos sociais.



O cenário mundial configura a passagem do sistema internacional para um sistema global. A segurança contemporânea deixou de ser compreendida na ótica restrita do realismo radical, que preconiza o uso da força militar e poder entre os Estados para a resolução dos grandes conflitos contemporâneos. As prioridades de segurança humana e coletiva norteiam-se pelo conceito mais amplo de segurança multidimensional numa teia de ameaças conectadas: conflitos entre países, guerras civis, tráfico de drogas, atentados terroristas, pobreza, calamidades sociais e degradação ambiental.



No contexto dessa agenda multifacetada, a Amazônia tem papel de destaque pela importância estratégica dos recursos naturais que abriga, conformando espaços de sociobiodiversidade e serviços climáticos absolutamente decisivos para a segurança transnacional e global. Conflitos ambientais transfronteiriços decorrentes do processo combinado de crise de escassez e crescente mercantilização da natureza estão hoje no centro das políticas de governança mundial, conformando incertezas no curso da nova geopolítica global tensa e turbulenta. Em conseqüência da concentração da riqueza, aumento da miséria e degradação da natureza, abissais desigualdades se alargam em escala mundial.


Dentro do cenário mais abrangente de segurança global multidimensional, a Amazônia tem papel de destaque pela importância crucial dos recursos naturais que abriga, conformando territórios de sociobiodiversidade, serviços ambientais e climáticos absolutamente decisivos para a segurança transnacional. Uma contribuição estratégica do Brasil no contexto da segurança humana consiste no aproveitamento de suas vantagens comparativas (recursos hídricos, biodiversidade, multiculturalismo, energias renováveis, etc.), subordinando o crescimento da economia ao modelo de sociedade igualitária, onde sejam forjados novos padrões de sociabilidade humana pautada na democratização dos espaços públicos e satisfação das necessidades básicas da população.


O paradigma da política internacional fundado no domínio exclusivo dos Estados está sendo tencionado por novas configurações de políticas de governança baseadas numa multiplicidade de agendas e atores. No contexto da globalização multidimensional e emergência de arenas multifacetadas como meio ambiente, migrações, direitos humanos, criminalidade; potencializada pela velocidade das inovações tecnológicas, formação de redes (networks), surgem novos desafios cognitivos e busca de referenciais que reorientem perspectivas interpretativas na apreensão dos fenômenos contemporâneos.


O cenário atual das relações internacionais molda-se nos arranjos sistêmicos da política para além da clássica abordagem interestatal. Agora se inicia uma era pós-política internacional, na qual os atores estatais são obrigados a partilhar o cenário e o poder global com organizações internacionais, companhias transnacionais, além de movimentos políticos e sociais de escopo transnacional/global. Isso não quer dizer que o Estado deixou de ser o ator mais importante e influente, mas agora não são os únicos no palco das decisões mundiais.



A segurança ambiental adquire importância, pois implica na segurança vital da biosfera, na perspectiva de regulação sustentável dos recursos naturais, cooperação entre Estados e mobilização de populações em torno dos objetivos de proteção. Vai perdendo sentido a diferenciação entre high politics (agenda estratégico-militar) e low politics (agenda econômica, social e ecológica), considerando que a interdependência crescente no contexto da sociedade global vai minando as fronteiras nas agendas de governo, fazendo com que os objetivos de uma ampla segurança humana se entrelacem.



Uma política de segurança eficaz para a Amazônia seria através uma posição corajosa e determinada do governo brasileiro no sentido de planejar um padrão de ocupação seguindo as orientações do zoneamento ecológico-econômico, de tal modo que a região fosse tratada como prioridade na efetivação de políticas sustentáveis, no aproveitamento racional de seus recursos naturais, respeitando o saber local e as identidades culturais das populações que nela habitam e forjado um novo modelo de desenvolvimento, baseado na conservação da floresta e nos serviços ambientais provenientes da sociobiodiversidade existente.

A segurança e soberania da Amazônia envolve uma gama de variáveis e percepções da realidade. Somente uma cultura de defesa e segurança regional fundada sob o primado do conhecimento tradicional, ciência, tecnologia, inovação e educação, pode promover um desenvolvinento sustentável endógeno e valoração de riquezas para as populações amazônidas atuais e futuras.



Alberto Teixeira da Silva: Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professor de Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará ( alberts@superig.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email )
A segurança da Amazônia no século XXI
01-Nov-2008 © 2008 - Revista Autor


Powered by QuoteThis © 2008

Fonte:
http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=309&Itemid=50

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos