segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A psicologia social da Tropa de Elite


30/ 10/ 2007 - violência

A psicologia social da Tropa de Elite

Ronaldo Pilati
Doutor em psicologia. Professor de psicologia social do Departamento de Psicologia Social e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília. Pesquisador do Laboratório de Psicologia Social da UnB. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social (GEPS).

Atualmente, o filme Tropa de Elite agita o mercado cinematográfico brasileiro e fomenta acaloradas discussões sobre a atuação policial e a violência. Este momento também é especial, porque nos permite despertar a atenção do grande público sobre o papel que as dinâmicas de grupo têm sobre o comportamento humano, fenômeno historicamente associado à psicologia social. Cabe ressaltar que a psicologia social em nosso país, infelizmente restrita ao meio acadêmico, é bastante desconhecida do público.

A ligação do filme com pressupostos da Psicologia Social fica evidente no início da película, quando é apresentada uma idéia que sintetiza um dos princípios estudados na área: o comportamento humano depende menos do caráter dos indivíduos e mais das circunstâncias sociais imediatas. A idéia geral é que boa parte do comportamento das pessoas está diretamente ligado à dinâmica de grupo. Um grupo com um número não muito grande de integrantes, mas que se concretiza como o seio das principais interações sociais de uma pessoa. No caso do filme, o grupo é o Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Uma idéia trabalhada no filme é que este batalhão “dá certo”, pois não possui policiais corruptos e nem está dentro do “sistema” de corrupção da chamada polícia comum. Então, por que será que isto acontece? É pelo fato de todos os seus integrantes serem incorruptíveis? Em psicologia social, as explicações não se resumem às características dos indivíduos, mas sim à interação entre este indivíduo e seu meio social. Uma explicação está na compreensão da dinâmica de grupo. Este é um fenômeno poderoso e que pode levar a comportamentos duradouros e extremados.

Por exemplo, todo o processo de seleção e treinamento dos integrantes do Bope está alicerçado na idéia de criação de uma forte identidade dos indivíduos com o grupo, por meio de normas sociais rígidas e explícitas. O processo de subserviência em que os recrutas são submetidos e o rigoroso processo de treinamento que levam à fadiga física e mental aumentam o apego e o sentimento de pertença, por meio da criação de convicções e atitudes positivas naqueles que chegam ao final. Os símbolos criados para identificar os membros do grupo e diferenciá-los do restante da corporação, como a caveira e o uniforme negro, reforçam o processo de auto-categorização de quem faz parte, enaltecendo os aspectos positivos do Bope e reforçando os elementos negativos dos demais grupos.

Apesar de o batalhão ser parte da corporação maior, a Polícia Militar é apresentada como um “sistema” hierárquico que apóia a corrupção, enquanto, no Bope, a regra explícita é o hermetismo à corrupção e o alto grau de enaltecimento da coesão entre seus integrantes. É claro que este tipo de organização grupal tem seu lado negro, como a exaltação à violência, muitas vezes traduzida como tortura de suspeitos e cúmplices.

A psicologia social é entendida como uma área que produz teoria para compreendermos como o comportamento humano é influenciado pela presença real ou imaginada por outras pessoas. Muitas vezes a “psicologia popular” busca traduzir e explicar o comportamento como fruto de características que elas carregam consigo. O que a teoria em psicologia social mostra é que isto nem sempre é suficiente para explicar a conduta humana. Este tipo de compreensão nos permite entender que a forma como as instituições organizam seus ambientes sociais é fundamental para que tais instituições consigam alcançar seus objetivos. Isto é verdadeiro para a polícia, assim como para outras organizações sociais.

É fundamental que os psicólogos sociais brasileiros produzam e divulguem conhecimento teórico relevante e embasado empiricamente ao nosso contexto sociocultural. Este tipo de conhecimento pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de gestão e na elaboração de políticas públicas em diversas instâncias. Neste contexto, é interessante recordar de uma frase célebre do psicólogo social Kurt Lewin: “nada mais prático do que uma boa teoria”. Efetivamente, compreensão teórica com base na realidade social e cultural local é algo escasso, mas de grande valor. Assim lhes convido a conhecer, pensar, discutir e debater a psicologia social do brasileiro.

http://www.secom.unb.br/artigos/at1007-07.htm

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