terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Integração na África: intenções e dificuldades em pauta



Wilson Tadashi Muraki Junior & Victor de Oliveira Leite

01 Dec 2008
Meridiano 47


A busca por integração entre os países africanos não é um movimento recente. Na verdade, desde a onda de novas independências no continente nas décadas de 60 e 70 têm surgido dezenas de iniciativas de regionalização, muitas vezes sobrepondo-se umas às outras, criando dificuldades burocráticas para países que pertencem a mais de um organismo e inviabilizando avanços. Aparentemente, buscou-se dar ênfase à quantidade de empreendimentos, mas não houve preocupação no sentido de aprofundá-los, criar real cooperação entre os Estados-membros e harmonizar políticas. Nesse sentido, a própria União Africana, sucessora reformulada da antiga Organização da Unidade Africana, tem como um de seus fundamentos trazer coerência a esse emaranhado de iniciativas, harmonizando-as de modo a alcançar um único organismo continental de real coordenação para daqui a algumas décadas.
Nesse sentido, reunidos em Kampala (Uganda), em 22 de outubro desse ano, representantes de três organizações africanas com o objetivo de fundi-las em uma só, construindo-se uma única área de livre comércio.
Uma dessas organizações é a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, na sigla em inglês), que engloba 15 países do sul da África, dentre os quais a África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue, e que surgiu como um meio de países recém-independentes de buscarem soluções conjuntas para o colonialismo e o domínio dos brancos na região. A organização funciona hoje como complemento da União Africana para o diálogo intergovernamental. Outra é a COMESA (Mercado Comum da África Oriental e Austral, em inglês), que abarca 19 países (dentre os quais estão Zimbábue, Zâmbia, Uganda, Sudão, Líbia) e surgida em 1994, substituindo uma antiga área de comércio preferencial em funcionamento desde 1981. Por fim, a EAC (Comunidade do Leste da África) é uma organização menor em termos de países (são apenas cinco : Burundi, Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda) ; porém, possui uma ampla agenda de cooperação e integração entre os países, incluindo a aceitação de um passaporte comum, construção de uma moeda única, parlamento e presidente próprios.
O importante a se ressaltar, no entanto, é caracterização que se pode fazer de tais organizações, assim como da grande maioria das similares do continente. Em geral, são organizações com baixos recursos financeiros e, portanto, baixa capacidade de empreender projetos e influenciar processos de integração e cooperação entre os membros, apesar de que, no plano do discurso, em grande medida se defenda sua eficácia e, desse modo, a necessidade de investimentos. Pecam, além disso, por não conseguirem envolver de maneira efetiva a sociedade civil e iniciativas privadas em projetos de cooperação. Assim, tais organizações nascem com a necessidade de combate às carências sociais compartilhadas entre países, reconhecida pelos dirigentes nacionais, mas, diante de imobilismo, falta de engajamento e dificuldades de ordem social e econômica, assim como fragilidade institucional em alguns países, sua real efetividade tende a ser baixa.
Dessa maneira, iniciativas de integração desse tipo têm-se espalhado pelo continente e a União Africana tem planos com vistas à harmonização e construção de mecanismos comuns de integração, criando-se, assim, os pilares para a construção de uma união econômica continental a longo prazo. Atua, nesse sentido, a Comunidade Econômica Africana, que engloba a quase totalidade dos países do continente e que tem o status de organização da União Africana. Seus principais objetivos são a criação de iniciativas de integração nas regiões onde ainda não existem, sua harmonização com aquelas já consolidadas, a criação de uniões aduaneiras, mercado único, moeda e banco central. A longo prazo, dessa forma, busca-se alcançar total união econômica e monetária.
Tais passos têm um cronograma a ser seguido e, o atual momento é, de fato, o de fortalecimento das organizações já existentes internamente e a sua harmonização com outras iniciativas. A partir disso, se passaria ao estabelecimento de áreas de livre comércio e de uniões aduaneiras em cada bloco regional e, posteriormente, à construção de uma única para todo o continente. Tem-se a meta de 2023 para a construção de um ‘Mercado Comum Africano’, antecessor de uma união econômica, monetária e política já no ano de 2028. Nessa etapa, haveria, na África, algo institucionalmente semelhante à atual União Européia.
Obviamente tal proposta é bastante ambiciosa, mas sua efetividade poderia acabar produzindo bons frutos para o povo africano. No entanto, a variável da instabilidade política de alguns países que estão envolvidos em guerras civis, ou que o governo não seja percebido como entidade dotada de legitimidade pode barrar o processo integracionista.
Um exemplo que desafia essas iniciativas regionais é o caso da República Democrática do Congo (RDC). Desde agosto passado recomeçaram as hostilidades no leste do país. A contabilidade do número de pessoas que ficaram deslocadas de suas casas indica cerca de 250 mil refugiados. Os conflitos com os rebeldes intensificaram-se nessas últimas semanas, em combates que dificultam a ação humanitária, e os resultados desses conflitos agravam a situação interna. A atual situação impede que as missões humanitárias circulem com segurança pelo território. Os confrontos praticamente paralisaram a entrega de alimentos, remédios e outros elementos de ajuda essenciais para a sobrevivência das povoações locais.
Líderes africanos reunidos em Nairóbi, capital do Quênia, em novembro do corrente ano, pediram um cessar-fogo imediato nos conflitos, e solicitaram mais poderes às tropas de paz da ONU para que pudessem controlar a crise no país. A ONU, no entanto, sofre acusações por parte do governo congolês e de organizações humanitárias no sentido de que estaria falhando na tentativa de evitar o assassinato de civis no leste do país.
A ineficiência das ações do governo congolês, a não-abertura de um canal para se negociar a paz com as autoridades rebeldes e a incapacidade da ONU em prover uma solução para os conflitos fazem com que a RDC seja percebida como um desafio para a integração regional. Desde o mês de agosto, a SADC elevou-se à categoria de Área de Livre Comércio. A RDC, porém, juntamente com Angola e Malauí são os países, entre os membros que integram a organização regional, que por razões específicas não aderiram de imediato à Zona de Livre Comércio da SADC.
Pode-se defender que as recentes crises internacionais têm sido catalisadores de negociação entre os diferentes blocos e busca de acordo comum, já que as dificuldades que se colocam melhor seriam superadas por união e políticas orquestradas em negociações internacionais. Na África Austral colhem-se exemplos de conflitos internos, que, nesse contexto, impedem que o movimento de maior integração e cooperação entre os membros da SADC e entre essa organização e as outras duas já supracitadas aconteça com maior dinamismo e estabilidade.
Um possível transbordamento do conflito congolês para a região penaliza ainda mais as anseios de superação das dificuldades do continente. O Secretário-Geral das Nações Unidas declarou, recentemente, seu temor de que o conflito se internacionalize. O apoio do governo angolano com envio de tropas para combaterem-se os rebeldes tutsis no Congo pode fazer com que estes percebam a Angola como um inimigo. Um novo quadro de amigo-inimigo poder-se-ia firmar entre o governo angolano e as forças rebeldes na RDC. Além disso, enquanto os conflitos não caminham para uma solução, o país permanece como um enclave negativo que enfraquece a busca de uma integração regional efetiva. Assim, a possibilidade de transbordamento dos conflitos prejudica também mecanismos regionais de construção de governança.
Pela posição central e por ser um Estado-membro da SADC e da COMESA, a estabilidade da RDC deve ser vista como um elemento-chave a se conseguir para a materialização do processo de integração. Percebe-se, então, que os desafios a serem enfrentados para que a consolidação da pretensa área de livre comércio entre aquelas três organizações envolvem a variável de se manter maior estabilidade no continente. Desse modo, o caso em análise aponta, a partir de um exemplo particular, o caminho que deve ser trilhado para que em 2028 se possa comemorar o nascimento de uma nova África: a estabilização de conflitos e o fortalecimento das instituições político-democráticas em cada uma das unidades nacionais, sem os quais negociações entre governamentais ganham caráter de irrelevância e são desprovidas de efetividade real.

Wilson Tadashi Muraki Junior é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília - PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais - LARI (murakitadashikun@hotmail.com);

Victor de Oliveira Leite é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília - PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais - LARI.

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