segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Dia do índio: o que comemorar?


23/ 04/ 2007 - ANTROPOLOGIA

Dia do índio: o que comemorar?

Roque de Barros Laraia
antropólogo e professor emérito da UnB. É doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade de Sussex, na Inglaterra. Foi pesquisador associado do Laboratory of Social Relations, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Em abril de 1940, realizou-se na Posada de don Vasco de Quiroga, em Pátzcuaro, no México, o I Congresso Indigenista Interamericano, que contou com a participação de líderes indígenas e representantes oficiais da maioria dos países do continente. Neste primeiro encontro, foi aprovada a recomendação para que os governos dos países da América adotassem o dia 19 de abril, como “Dia Americano do Índio, dedicado a estudar em todas as escolas e universidades, com critério realista, o problema do índio atual”.

Desde então, a data é comemorada no Brasil, como o Dia do Índio, ocasião em que professoras brasileiras, com muita freqüência, fazem nos rostos das crianças com as pinturas faciais de índios norte-americanos. Nas comemorações oficiais, o “critério realista” recomendado em Pátzcuaro, que visava a proteção, o desenvolvimento e o bem-estar das nossas comunidades indígenas, é plenamente ignorado. Comemorações são importantes, mas devem ser acompanhadas de uma reflexão sobre a real situação dos índios brasileiros atualmente.

Desde 1910, quando foi criado o Serviço de Proteção aos Índios, transformado em 1967 na Fundação Nacional do Índio, muito foi feito, principalmente no que se refere à proteção das terras indígenas. O país regularizou a situação de 580 terras, totalizando cerca de 108.473.642 de hectares. Mas é um erro supor que a regularização dessa vasta extensão seria suficiente. Existe uma forte pressão por parte de madeireiros e grileiros, visando a redução das terras indígenas, que na Amazônia, e em outras regiões, constituem um forte obstáculo para o desmatamento.

Além disso, vemos hoje um quadro muito alarmante: a fome ronda as aldeias, como podemos verificar nos noticiários originados no Mato Grosso do Sul. E isto não acontece apenas nas situações de muitos índios com pouca terra, mas também entre os grupos que conseguiram preservar uma parte substancial de seu território. Estes convenceram-se, ou foram convencidos, que os seus sistemas tradicionais de alimentação não eram bons e os trocaram pelos nossos, perdendo assim a sua auto-suficiência. Precisam comprar alimentos e dependem de recursos financeiros escassos.

É verdade que a fome não está presente em todos os grupos, mas há ainda o seu contraponto que é a obesidade, a hipertensão, o diabetes e outras doenças cardíacas – graves conseqüências do abandono de seus hábitos alimentares tradicionais. Ainda há o surgimento de novos problemas sanitários que não estão sendo devidamente resolvidos.

A desorganização social decorrente do contato com a sociedade nacional teve o seu impacto nos índices de fertilidade e de saúde indígena. Crianças em fase de amamentação estão subnutridas porque suas mães dividem o leite escasso com outras crianças. Pesquisas indicam mulheres tupi-guarani com 12 filhos, fato impensável no passado, quando existiam rígidas regras de limitação da prole.

O aumento vertiginoso das taxas de fertilidade combinado com a redução das atividades agrícolas, com a redução das atividades de caça e de pesca tem contribuído para o aumento da dependência econômica. Surge então o paradoxo de grupos possuidores de razoável quantidade de terra dependentes de cestas básicas.

Situação mais crítica é a dos índios do Mato Grosso do Sul. As pequenas reservas demarcadas no início do século 20 tornaram-se insuficientes diante do grande aumento da população Caiwoá, por exemplo. Nesse grupo Guarani, a situação é desesperadora: uma alta taxa de suicídios de pessoas muito jovens é agravada por uma alta taxa de mortalidade infantil, decorrente de subnutrição e das enfermidades decorrentes. Em 2005, o coeficiente de mortalidade infantil entre os Caiwoá era superior ao índice de 40 por 1000!

O mais cômodo é acusar a Fundação Nacional do Índio por tudo o que está acontecendo, esquecendo que essa Instituição dispõe de orçamento e recursos humanos insuficientes para cuidar de centenas de milhares de índios espalhados por todo o imenso território nacional. Ela não faz parte das prioridades do governo, que não tem uma política indígena claramente definida, e é vitima de um descaso permanente por parte de nossos parlamentares. Basta dizer que o projeto do novo Estatuto das Sociedades Indígenas, que visa substituir o aprovado em 1973 está mofando no Congresso, desde o início da década de 1990. Com efeito, os índios brasileiros têm muito pouco a comemorar.

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