sábado, 1 de novembro de 2008

Questão tibetana





Em março de 1959 um levante de tibetanos contrários ao domínio comunista chinês sobre a sua terra marca o início de um novo tempo para o Tibete: as constantes disputas com Beijing no que se refere a garantia de liberdades, tolerância com relação à cultura, à religião, à língua e à própria manutenção de um estilo de vida desse povo não são mais guiadas por um líder essencialmente tibetano. É exatamente após tal levante que o Dalai Lama e seus seguidores fogem para Dharamsala, Índia, onde instalam a sede do governo tibetano no exílio. Quarenta e nove anos depois, em março de 2008, conflitos violentos eclodem em Lhasa, capital da Região Autônoma do Tibete (sob jurisdição chinesa) poucos meses antes do início dos jogos olímpicos de Beijing, momento em que a atenção do mundo ficará fortemente direcionada para a China. Parece ser considerável a idéia de que esta é a oportunidade que as lideranças tibetanas esperavam para dar um último suspiro na luta em busca de autonomia para o Tibete; justamente antes do momento em que toda a região seja fatalmente engolida pela voracidade de uma potência em ascensão, uma cultura seja extinta e, suas memórias e tradições, eternamente esquecidas.
A Região Autônoma do Tibete dá à China uma posição geopolítica beneficiada sobre a Ásia central, uma vez que sem ele o país não faria fronteira com Butão, Nepal ou Índia. No platô tibetano nasce grande parte dos grandes rios que fertilizam as planícies chinesas. Além disso, há muitos recursos minerais e florestais disponíveis na região.



O atual domínio no Tibete tem início em 1950, quando tropas chinesas anexam o Tibete ao seu território. As conversações entre os líderes do povo e Beijing não produzem resultados e, em meio a muita insatisfação popular, os levantes de 1959 são levados a cabo, mas não obtêm sucesso. Assim, para que se mantivesse a integridade da representação tibetana, e, principalmente do líder espiritual - o Dalai Lama - a solução encontrada foi o refúgio em um país estrangeiro.
A década de 1960 vê muito da cultura tibetana sendo perdido em meio à Revolução Cultural que balança toda a China. Na prática, isso representou a destruição de muitos templos e símbolos religiosos - marcas da cultura tibetana - e a banalização de práticas espirituais. Já durante a década de 1970 milhares de chineses de etnia Han, que é o grupo étnico majoritário no país, começam a instalar-se na área, sob os auspícios de Beijing. A afluência desse novo contingente populacional tinha como objetivo “diluir” os aspectos culturais próprios da região por meio da miscigenação e, também, disseminar os valores, costumes e modo de vida do restante do país, buscando, assim, uma “homogeneização cultural”.
Por fim, a questão tibetana ganha repercussão internacional (especialmente no ocidente) após 1989, quando o Dalai Lama é gratificado com um prêmio Nobel por sua luta pacífica pela causa tibetana. A partir disso, o líder vem empreendendo viagens a vários países em busca de apoio, mas sempre enfrentando a diplomacia implacável da República Popular da China (RPC), que condena os países e, principalmente, os governos que se dispõem a recebê-lo.
Casos como a busca de autonomia do Tibete, os conflitos na província de Xinjiang e o movimento no sentido de independência em Taiwan são tidos como internos pela RPC. Assim, ingerências externas não são aceitas, e o país dispõe de meios para manter uma posição bastante categórica no cenário internacional: se o seu peso econômico, militar ou político não são suficientes para persuadir a ação de outros, um sistema de compensações e represálias é acionado, fazendo nações e instituições pensarem muito o seu modo de agir no tratamento de questões sensíveis aos interesses chineses.
No Tibete, assim como em outras províncias com grande número de minorias, é interessante para Beijing que a identificação com uma cultura própria, com tradições e língua que não o mandarim não seja tão forte. Esse menor apego tende a enfraquecer os movimentos que buscam uma autonomia de fato e reduzem a insatisfação geral na região. Assim, a China busca mostrar-se como uma grande potência em ascensão, que pode trazer reais ganhos para as minorias do país. Apesar de que menos de 10% da população no país não seja Han, há que se considerar que, num universo de 1,3 bilhão de pessoas, essa parcela representa um número que gira em torno de 130 milhões de habitantes.
Assim, tem-se buscado atenuar a cultura tibetana, disseminar o ateísmo e fazer que a religião perca força nos ditames da vida cotidiana (na verdade, o governo do país também tem tentado apropriar-se da liderança do budismo, controlando, por exemplo, a linha de sucessão dos Lamas). Além disso, o alto crescimento econômico impulsionado por investimentos governamentais na província seria um meio a mais para aumentar a aceitação de Beijing entre a população local.
Já os tibetanos e as lideranças que os representam denunciam não só desejo da RPC de destruir os caracteres regionais, o que seria um “genocídio cultural”, mas também os meios como isso vem ocorrendo. Desde a invasão e anexação de 1950, várias pessoas que têm sido contrárias ao regime político foram presas e muitas reclamam de maus tratos. Há denúncias, também, de desaparecimento de insurgentes e lideranças políticas, inclusive monges budistas, e de tortura, dentre outras violações de direitos humanos.
Apesar de a liberdade religiosa ter sido garantida a partir da década de 1980, o que se nota é um certo controle sobre os monges e sobre as liberdades individuais. Não se pode, por exemplo, cultuar imagens de Tenzin Gyatso, o atual Dalai Lama.
Politicamente, as reclamações dos tibetanos seguem no mesmo sentido: apesar de ser uma região autônoma, a representação política fica a cargo do Partido Comunista. Assim, os tibetanos não se sentem representados, e, de fato, dificilmente seus interesses são considerados antes da tomada de decisões políticas.
Além disso, ao fato de que a economia tem crescido a mais de 12% anualmente, as lideranças tibetanas respondem que os ganhos econômicos têm beneficiado somente os Han, que dominam os negócios e ocupam os melhores postos de trabalho.
Assim, o Tibete encontra-se num equilíbrio bastante instável: Beijing esforça-se para impor-se na região, ao mesmo tempo em que os nativos lutam por direitos e liberdades que garantam a própria existência do que hoje distingue os tibetanos dos outros povos da China....


Wilson Tadashi Muraki Junior, membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília - PET-REL e do Laboratório de Análise de Relações Internacionais - LARI (murakitadashikun@hotmail.com).

http://meridiano47.info/2008/03/31/a-aproximacao-das-olimpiadas-e-a-questao-tibetana-um-novo-folego-para-a-conquista-de-direitos-e-liberdades-no-teto-do-mundo-por-wilson-tadashi-muraki-junior/

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