segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Brasil busca sua cara



Marlucio Luna

As discussões acerca de identidade no Brasil são relativamente recentes. Este é um país jovem, com pouco mais de cinco séculos de história. A mistura de raças e culturas torna ainda mais complexa a tarefa de buscar definições sobre o que vem a ser identidade nacional. Vale lembrar que os três elementos envolvidos na formação do povo brasileiro – o branco, o negro e o índio – não se caracterizavam pela homogeneidade. Entre os europeus, havia portugueses, franceses e holandeses, povos muito distintos entre si. Já os africanos, de acordo com a região da qual eram trazidos, se diferenciavam pela língua e religião, por exemplo. Por último, cada nação indígena apresentava características específicas.

Os movimentos insurgentes contra o domínio português trazem, além do desejo de autonomia política e econômica, os primeiros sinais de identidade nacional. A independência, proclamada há menos de 200 anos, marca o início de um processo de mudança. O Brasil passa a ter a necessidade de se afirmar enquanto nação livre. Surgem os primeiros símbolos, como a família real, nobreza, bandeiras e hinos.

A proclamação da República redireciona o processo de construção da identidade do país. Afinal, sai de cena um dos maiores símbolos do Brasil: a família real. Inicia-se a (re)elaboração de mitos, símbolos e heróis. Exemplo disso ocorre com a figura de Dom Pedro I, que perde importância na nova história da independência. Em seu lugar, surge Tiradentes – alçado à condição de mártir e retratado nas pinturas da época com traços que lembram Cristo.

Até então, a identidade nacional trazia inúmeros elementos europeus. A elite brasileira via no Velho Mundo o modelo de sociedade. Roupas, construções, cultura, tudo tinha a marca da Europa – uma espécie de chancela que atestava qualidade e importância. O genuinamente nacional era menosprezado ou, pelo menos, colocado em segundo plano. Somente em 1922, exatos cem anos após a independência, com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, surgem sinais vigorosos de rompimento com a lógica vigente.

Um grupo de jovens artistas se reúne e denuncia a subserviência a padrões culturais distantes da realidade brasileira. Oswald e Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, entre outros, defendem a valorização de elementos característicos do país na literatura, nas artes plásticas, na arquitetura e em todos os campos da vida nacional.

A partir daí, alternando tendências progressistas e conservadoras, há um processo de valorização dos elementos de expressão de brasilidade. Com intensidade variável, a afirmação da identidade nacional se deu através dos mais diversos aspectos da sociedade, seja nas artes (literatura, cinema, música, teatro, artes plásticas), na economia (campanhas como “O petróleo é nosso”), no esporte (futebol) ou na política (movimentos nacionalistas).

A presença da juventude na formação da identidade nacional se dá em diversos momentos históricos. Contraditoriamente, a imagem do jovem se liga às transformações sociais, mas também à inexperiência, à imaturidade ou à instabilidade. Seu papel de agente de transmutação é colocado em segundo plano pelo “mundo adulto”. Há ainda a generalização equivocada de se falar em “juventude brasileira”, como se esta categoria fosse algo monolítico, fechado, sem variações.

Outro erro bastante comum reside no fato de se criticar o jovem por romper regras e conceitos pré-estabelecidos. No campo cultural percebe-se como a juventude transita com desenvoltura por diversas áreas, (re)processando informações e (re)criando. Um exemplo é o Mangue Beat, movimento musical que saiu do Recife e conquistou o país nos anos 90. Ele incorpora arranjos com guitarra ao som do maracatu, uma expressão tradicional do folclore nordestino. Logo que surgiu, o hibridismo do Mangue Beat recebeu ataques dos puristas de plantão. Com o tempo, passou a ser considerado como movimento renovador da música brasileira.

Em tempos de globalização, as trocas culturais se dão em velocidade acelerada. O jovem aproveita tal rapidez como poucos. Ao mesmo tempo em que sofre a influência da cultura americana, processa elementos de origem africana ou indígena. Coloca tudo em um grande caldeirão e usa o tempero brasileiro. O resultado se vê nas ruas. A roupa mescla estilos dos que podem ser dos Estados Unidos, da Europa ou da grife das costureiras da Rocinha, as estampas são tribais (africanas ou da Polinésia) e os adereços compõem um mosaico que vai do brinco de penas usado pelos índios ao relógio importado. No caso da música, as manifestações rítmicas são ainda mais ricas. O velho e o novo, o moderno e o arcaico, o local e o global, tudo é reprocessado. Para o jovem deste início de século, múltiplos elementos ajudam a formar identidades múltiplas.

Marlucio Luna é editor do Século XXI.

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