segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Globalizando a escassez

Globalizando a escassez
Marlucio Luna

Em 2050, a falta de água afetará até 75% da população mundial - algo como sete bilhões de pessoas. A produção de alimentos não acompanhará o crescimento demográ- fico mundial. A disputa pelo controle dos mananciais estimulará ações terroristas. As previsões podem ser classificadas como "pessimistas" ou "catastróficas", porém servem como alerta para a magnitude do problema de escassez de recursos hídricos neste século. Mesmo os pesquisadores mais otimistas reconhecem que a exploração excessiva das reservas de água doce terá conseqüências graves nos próximos anos, provocando até mesmo tensões entre países.

Durante o 1º Fórum Alternativo Mundial da Água de Florença, realizado em março de 2003, um dos pontos discutidos abordava a relação entre controle dos recursos hídricos e soberania nacional. Economista e professor da Universidade Católica de Lovanio (Bélgica), Riccardo Petrella destacou a insistência das grandes potências econômicas em inserir cláusulas sobre o uso de recursos hídricos em tratados comerciais internacionais. Isso quando, em pleno século 21, 1,2 bilhão de pessoas em todo o planeta não têm acesso à água potável. Segundo Petrella, há questões que ainda levantam dúvidas:

- Há aqüíferos que ocupam áreas em mais de um país. Se um deles assina acordos, como se define sua cota de água a ser retirada? Além disso, a classificação de água como bem público universal vem sendo substituída pela noção de bem econômico. Isso nos coloca diante de uma situação complexa. Como os países pobres, mas com grandes reservas de água doce, vão resistir às pressões econômicas das superpotências? E como fica quem não pode pagar? Os governos precisam estar atentos ao fato de que controlar o acesso aos mananciais é uma questão de soberania nacional.

No Fórum Mundial da Água, em Kioto, a presidente da Unidade de Pesquisa Nacional de Água do Egito, Mona El Kody, alertou para o risco de crescimento do terrorismo por causa da escassez de água. Sua advertência é reforçada pela escassez de recursos hídricos em uma área já tão conturbada como o Oriente Médio. A região dispõe de apenas 1% da água doce do planeta, mas concentra 5% da população mundial.

- A falta de água cria um ambiente desumano. No Oriente Médio, o acesso à água é limitado a grandes parcelas da população por questões políticas, religiosas ou meramente econômicas. Imaginem as tensões geradas pela falta de água em uma área repleta de conflitos. É óbvio que isso estimula a ação de grupos terroristas - disse Mona.

Tanto no encontro de Kioto como no de Florença houve debates sobre a crescente pressão dos organismos internacionais em favor da privatização dos serviços de abastecimento de água. Em paralelo, surgiram vozes denunciando a exploração excessiva dos depósitos superficiais de água doce e dos aqüíferos - águas subterrâneas. As atenções se voltaram para o Aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce subterrânea do mundo. Ele ocupa uma área que abrange Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A grande dúvida é: como se dará a exploração dessa gigantesca reserva? Os Estados Unidos, por exemplo, insistem em que o Acordo de Livre Comércio da Alca inclua o uso dos recursos do Aqüífero Guarani.

O Fundo para o Meio Ambiente Global, gerido pelo Banco Mundial (Bird), avalia desde 2000 a potencialidade do Aqüífero Guarani. As informações levantadas são repassadas às grandes multinacionais. De acordo com o Bird, foi o próprio governo brasileiro, através da Organização dos Estados Americanos (OEA), que solicitou o estudo. ONGs de todo o mundo criticam a pesquisa, alegando que apenas as corporações internacionais utilizam os dados levantados.

O Pantanal também atrai as atenções das grandes potências. A Organização das Nações Unidas reconhece a região como a maior fonte superficial de água doce do planeta. A utilização racional do potencial hídrico enfrenta resistências de grandes grupos econômicos, principalmente aqueles ligados à agricultura intensiva. Cabe lembrar que na Região Centro-Oeste concentram-se grandes plantações de soja - mecanizadas e dependentes de gigantescos volumes de água.

Os conflitos em torno do controle dos mananciais de água doce assumem proporções diferenciadas. Atualmente, o mais comum é a disputa entre empresas ou setores produtivos por determinada fonte de recursos hídricos. Mas analistas internacionais avisam: dentro de poucos anos as guerras pela água poderão ser comuns. A diferença entre os níveis de consumo entre as nações explica o potencial explosivo da questão. Em primeiro lugar no ranking mundial de consumo (e de desperdício) estão os Estados Unidos. Cada americano gasta anualmente 2.230 metros cúbicos de água. Já na África, a média é de 145 metros cúbicos.


Marlucio Luna é editor do projeto Século XX1.

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