domingo, 23 de novembro de 2008

O fast food e a mundialização do gosto - parte 5


O Espaço Urbano como Produto e Condição do Fast Food

O mundo atual tem como característica marcante “a vida urbana” e, com isso, a atividade comercial tem merecido papel de destaque, pois novas formas comerciais foram sendo criadas, para atingir um número crescente de população presente nas cidades. A indústria, no decorrer de seu desenvolvimento, foi produzindo uma gama tão grande de objetos diferenciados, que se tornou necessária uma nova articulação do espaço, para que a produção, distribuição e consumo se realizassem. A sintonia e a interdependência entre essas fases do processo produtivo são expressivas, há uma aproximação entre produção e consumo. O sistema de franquia introduziu uma nova forma de produzir, ou seja, a empresa detentora da marca domina todas as fases do processo de produção, possui o know how total do produto, desde sua fabricação, distribuição e comercialização. Isso propicia a essas empresas alto nível de controle, e por isso vem gerando novas formas de dependência e novos relacionamentos entre os setores da economia. Algumas empresas franqueadoras repassam a fase de industrialização dos produtos a terceiros, o que, no entanto, só se dá a partir de rigorosas exigências e freqüentes testes de qualidade, afinal é a “marca”que está em jogo. As etapas seguintes são controladas a partir da própria formatação do “pacote” de franquias, e a empresa, desse modo, exerce um poder massificador. A partir da nova racionalidade globalizante criada dentro do capitalismo, a franquia é um dos produtos. A fim de atender a esse dinamismo e a essa mudança de ritmo no urbano, as redes de franquias fazem uso de várias estratégias, tudo com o objetivo de acelerar sua expansão. A master franquia e a franquia empresarial são exemplos das estratégias de expansão territorial, as quais propiciam maior velocidade na conquista do espaço e do tempo, isto é, num menor tempo ganham mais espaço. As telecomunicações são de fundamental importância nesse processo, pois articulam as redes de franquias, diminuindo as distâncias e promovendo uma nova regionalização do espaço, conforme o interesse empresarial. “O espaço geográfico do consumo nos países do Sul não é homogêneo, ele concentra riqueza e pobreza em determinadas áreas. Aos executivos globais interessam as core area, nas quais se encontram uma população com um potencial de consumo próximo ao dos níveis internacionais. São nesses espaços, em determinados segmentos, que os objetos da modernidade-mundo -

automóveis, telefones, geladeiras, eletrodomésticos - se concentram” (ORTIZ, 1994, pp.177,178). Pudemos compreender, através de entrevistas com empresas de fast food, que as estratégias de expansão territorial são utilizadas sistematicamente pelas redes de franquias, em nível mundial. No caso das empresas estrangeiras, para cada país existe uma master franquia, que fica responsável pelo desenvolvimento da marca naquele território. acelerando o processo de expansão. Notadamente, cada rede de franquia tem planos de desenvolvimento territorial diferenciados. O tipo de gerenciamento territorial utilizado pelo Mc Donald’s merece uma reflexão mais profunda, pois é ainda mais rigoroso, quando comparado com outras empresas de fast food. Podemos dizer que há uma espécie de monopólio administrativo, pois eleva a renda fundiária através da posse dos seus pontos de venda, o que propicia um lucro acima dos padrões normais. O ponto comercial, nesse caso, não se restringe à atividade comercial pois passa a ser também um empreendimento imobiliário. É aí que a localização ganha ainda mais importância, pois é uma estratégia que propicia valor, gerando o lucro. A McDonald’s domina o ponto, as normas de funcionamento, a produção e a “marca”, ficando a autonomia do franqueado praticamente nula. Com tal controle de padronização comercial, essa empresa alcança o verdadeiro processo de racionalização produtiva do espaço. No momento, convém considerar o nível de amadurecimento comercial dessa empresa, levando-se em conta sobretudo sua história, - desde a implantação até sua mundialização. Para os interessados em conhecer a trajetória da empresa Mc Donald’s, há o livro de JOHN F. LOVE, que traz o relato completo de todo o processo de desenvolvimento dessa empresa, com o seguinte título: “A verdadeira história do sucesso: McDonald’s”. Os pontos de venda sofrem uma seleção rigorosa pois são estratégicos no que tange à quantidade de público consumidor. Em todos os importantes entroncamentos das principais avenidas, em todos os centros: administrativos, de serviços e de comércio, em quase todos os shopping centers, de São Paulo, há um Mc Donald’s.
Para se beneficiar do elevado fluxo de pedestres, essa empresa tem uma estratégia especial, ou seja, tem pontos de venda espalhados por quase toda a linha do metrô da cidade de São Paulo. Ao se localizar nas proximidades das estações de metrô, consegue conciliar o ritmo veloz das pessoas ao seu ritmo. Tal empresa sempre teve como característica marcante de seus serviços: a velocidade. Em freqüentes pesquisas participativas e observações sistemáticas, nesses pontos de vendas (perto das estações de metrô), percebemos que há realmente uma sintonia, uma combinação “perfeita”, entre os fast foods e as pessoas que se utilizam desse tipo de transporte diariamente. Naquele movimento incessante de pessoas, nota-se a escassez do tempo, as pessoas não têm um instante para pensar, para descansar, para se alimentar, e num fast food elas realmente não pensam, não descansam, elas apenas “comem e bebem” algo que lhes conceda a oportunidade de continuar no mesmo ritmo. É por isso talvez, que quando perguntamos a essas pessoas, se elas se sentem bem nesses ambientes, a resposta é afirmativa: criou-se a necessidade. A necessidade e o desejo, formam aí, mais um par dialético. Nas entradas e saídas das estações de metrô, na metrópole paulista, passa-nos a impressão de que, os interesses do fast food (vender rápido) e o do consumidor (comer rápido), nesses locais, estão em constante sintonia. Notadamente, o processo de escolha do ponto comercial é um fator de muita importância para as redes de franquias. Observamos isso durante a fase das entrevistas. Os estudos são feitos de forma bem detalhada e, embora o franqueado participe desse processo, é a empresa franqueadora quem dá a decisão final. Em algumas empresas a seleção do ponto comercial é mais rigorosa, desenvolvida através de pesquisas de campo, com o auxilio de um check list, onde vão sendo pesados as vantagens e desvantagens locacionais de cada ponto sugerido; são montadas estruturas específicas, contratados funcionários especializados no assunto, “os olheiros” (como são chamados), que são os caçadores de pontos ideais. Essas empresas utilizam-se ainda do SIG (Sistema de Informações Geográficas) e outros programas, que auxiliam os levantamentos sócio-econômicos e fornecem mapas com as condições gerais do meio ambiente natural e construído. Há casos de empresas que terceirizam esses serviços de seleção dos pontos comerciais para empresas especializadas. São empresas que geralmente seguem critérios, como análise de fluxo de pedestres e veículos, hábitos de compra e poder aquisitivo dos consumidores. Através desses estudos, muitas lojas de fast food que possuem uma “marca” conceituada desafiam e tornam-se pioneiras em alguns locais; não seguem a orientação qualificada e acabam gerando ao seu redor uma concentração comercial, provocando a valorização dos imóveis. As lojas franqueadas, principalmente as dos setores de fast food e confecções, têm forte tendência de se localizarem em shopping centers, pelo seu poder de concentração e seletividade da clientela. Essa preferência ficou constatada durante as entrevistas que realizamos. Afinal, como já nos esclareceu PINTAUDI (1992), o ambiente artificial criado nestes locais leva o consumidor a pensar que os problemas sociais são externos. Ali, o luxo e o aconchego prevalecem e isso propicia bem estar, gerando prazer ao público que freqüenta esses locais. Outra opção que tem muita aceitabilidade entre as redes de fast food são as unidades móveis, cuja principal vantagem “é a possibilidade de ir ao encontro dos consumidores”. Os locais apontados como preferência para as unidades móveis são: “Estádios de Futebol, todo o Litoral Brasileiro e lugares turísticos em geral, Congressos, Feiras, Festas Regionais (uvas, flores, etc.), a cidade de Aparecida do Norte”. À medida que o fast food foi ganhando mercado, tornando-se hábito entre os brasileiros residentes nas grandes cidades e uma necessidade ao tempo produtivista provocado pela aceleração no ritmo das atividades produtivas, foi necessário que novos espaços se anexassem ao referido processo de desenvolvimento dessa forma comercial. E é por isso que os planos de expansão dentro das redes de fast food não param, o Brasil representa um grande mercado potencial para esse tipo de investimento, e a Região Sudeste é a mais procurada pelas empresas. Dentro dessa região o Estado de São Paulo é o que mais desperta interesse nas empresas. Entretanto, não é qualquer cidade, dessas Regiões e desse Estado, que tem condições de receber as lojas de fast food. As empresas têm várias exigências em relação às cidades espaços-potenciais, tais como: número de habitantes, poder aquisitivo da população residente, nível de emprego, poder de atração regional do município, entre outras. Essas exigências variam em qualidade e quantidade entre as redes de franquias.
Ao observarmos as relações das lojas em funcionamento fornecidas pelas empresas entrevistadas, notamos que as cidades que compõem a Grande São Paulo possuem grande número de lojas. As demais cidades, que já as receberam, são geralmente as capitais de Estados, cidades turísticas, capitais regionais, pólos industriais e agrários, e agora, mais recentemente, cidades médias do interior do estado de São Paulo. As cidades turísticas atraem o fast food pela população “flutuante” presente nesses lugares, em determinadas épocas do ano, pois a partir dessas cidades, podem disseminar e proliferar o “gosto global”, para o restante do país. Detectamos, a partir dos dados coletados em pesquisa direta, que há necessidade de uma certa continuidade espacial, na implantação de fast foods, melhor dizendo, mesmo que a cidade tenha um nível hierárquico inferior as outras, a localização na passagem é fundamental para que não haja grandes rupturas espaciais, o que por sua vez, altera os padrões de consumo. Todas essas considerações nos levaram a entender que o espaço produzido por esse sistema é condição para que ele continue se desenvolvendo, ou seja, é a partir da multiplicação desses espaços no território “nacional” que ele introduz o “mundial” - característica, como já dissemos, de grande importância para o sucesso dessa forma comercial -. O sistema de franquia, por estar sistematicamente presente em todas as fases do processo de produção, tem um “poder” maior de determinação de seus objetivos, na transformação do lugar. Afinal, seu know how é produtivo, administrativo e comercial, altamente padronizado e homogeneizante. Com toda a padronização e normatização presentes nesse sistema, o espaço torna-se também produto. O conjunto dos processos analisados nessa pesquisa sugere a presença de elementos, que fazem com que o estudo do sistema de franquia colabore para o entendimento do urbano. Esses elementos (planejamento, padronização, normatização, homogeneização, velocidade, e outros) criam “espaços-símbolos”, que são imagens operando no sentido de reproduzir o lugar, segundo a ideologia global desse sistema. A partir do momento que ele provoca rápidos processos de adesão social a novos costumes, idéias, mitos e desejos, provoca também a cristalização de novas formas urbanas e vice-versa, ou seja, essas novas formas no urbano também são criadoras de novos processos sociais.

Artigo publicado no Vol. V / 1997 da Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, páginas 21-45.
Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza

enviado por alvarenganj@yahoo.com.br

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