segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Um percurso na história através da água*



Elmo Rodrigues
Inicialmente, destacaremos a importância do simbolismo e das representações míticas que influenciaram as ações humanas sobre o mundo natural. Em seguida, evidenciaremos a mudança do pensamento, como o ocorrido na Grécia Antiga, com o surgimento da filosofia e das novas concepções sobre os fenômenos naturais baseadas em explicações racionais. O apelo ao aperfeiçoamento da razão propiciará o avanço da criatividade, da engenhosidade presente na tecnologia hidráulica, vendo no artifício a extensão do humano para o enfrentamento das adversidades do mundo natural, através de um processo de construção e desconstrução de valores e crenças constituintes das sociedades históricas.

Percebe-se que outros períodos importantes, como o do Renascimento europeu e o do surgimento do método científico, provocaram revoluções nos rumos da história e, conseqüentemente, dos paradigmas vigentes, através de novas descobertas em diversos campos do conhecimento, dentre eles o da medicina. Com a posterior industrialização, fortes impactos sobre o meio ambiente trariam problemas jamais experimentados pelas sociedades ocidentais. A necessidade de se ter maior controle sobre as doenças provocadas, não só por efeito do meio, mas também como resultantes da industrialização, na Inglaterra, que tornavam os setores de trabalho insalubres, levaram ao surgimento do que viria a constituir a Saúde Pública e o controle sanitário.


I.1 A Simbologia da Água

A simbologia é conceituada por Chevalier & Gheerbrant (1996) como uma "ciência" que trata das relações e interpretações referentes a um símbolo. Em seu sentido etimológico, o termo símbolo conduz também ao termo diábolos; o primeiro termo significa um ato de lançar e unificar, enquanto o segundo age em sentido contrário, separando. Se admitirmos que a experiência humana é construída no movimento permanente entre simbólico e, em seu complemento, o diabólico, pode-se dizer que o homem se produz e reproduz através da negação e da afirmação, e as diferentes culturas foram fundadas a partir da negação da natureza por meio do sistema simbólico - a linguagem. Desde suas origens, as culturas elaboraram a diversidade e ameaças presentes no mundo através dos símbolos e construíram seus mitos.

Os mitos, por sua vez, podem ser considerados como uma das diferentes formas de organização do imaginário social, pois os homens, utilizando-se de explicações sagradas e míticas para os fenômenos naturais, os quais temiam por fugirem de seu controle racional, organizaram suas instituições, construíram seus impérios e concretizaram suas ações. Nas palavras de Vieira e Weber (1997):

"Através [de] padrões historicamente transmitidos de significações compartilhadas e corporificadas em símbolos e instituições (crenças e mitos, valores, normas, formas mais elaboradas de conhecimento...), os seres humanos elaboram e consolidam sua base de conhecimentos, suas atitudes e estratégias de comportamento, sempre às voltas com as coações estruturais impostas pelo meio ambiente natural" (p. 26).

Cassirer (1973) considera que um sistema social se organiza como um 'campo de forças' em torno de alguns significantes-chaves contidos no mito, ou nos mitos fundadores da cultura, sendo a experiência primária do individuo penetrada, por todos os lados, pelas figuras do mito, estando como que saturada por sua atmosfera. O mito é conceituado por Ferreira (1975) como a "narrativa de significação simbólica, geralmente ligada à cosmogonia, e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e/ou de aspectos de condição humana, ou ainda ritmo como forma de pensamento oposta à do pensamento lógico e científico" (p. 931).

A visão mitopoiética, quer dizer, anterior à visão filosófica e racionalizante, serviu como modelo explicativo durante a maior parte da história humana, e jamais foi totalmente abolida. Na Antigüidade, a água, por exemplo, por ser um dos elementos vitais para todas as sociedades, era revestida por um vasto conteúdo simbólico, demonstrando a sua importância na organização das primeiras civilizações situadas nas bacias de grandes rios e nas costas mediterrâneas. O elemento aqua sempre foi inspirador de indagações e motivo de veneração em diferentes culturas antigas.

Ferenczi (1990) especula que a origem desta estreita vinculação do homem com a água, e da forte presença de suas imagens simbólicas no inconsciente, estaria relacionada tanto à memória intra-uterina como à nossa origem oceânica, podendo ser constatada através dos vários mitos e rituais presentes em diversas religiões. Para Ferenczi parece existir um forte desejo humano de regressão ao líquido amniótico, mas apesar de suas dificuldades em conceituar tal hipótese, ele não abandona o pressuposto de que:

"as formações psíquicas mais diversas (sonho, neurose, mito, folclore etc.) representam, por um mesmo símbolo, o coito e o nascimento: ser salvo de um perigo, sobretudo da água (líquido amniótico): do mesmo modo, [...] elas exprimem as sensações experimentadas [...] na existência intra-uterina através das sensações de nadar, flutuar, voar. Um verdadeiro símbolo teria valor de monumento histórico, seria um precursor [...] dos modos de agir pertencentes a uma época superada, portanto restos mnmônicos aos quais somos propensos a retornar, tanto no plano psíquico quanto no físico" (p. 54).

Assim, Ferenczi intui que fragmentos inteiros de história perdida, ou inacessível por outros meios, estariam conservados como 'hieróglifos' nas formas de expressão simbólicas ou indiretas do psiquismo e do corpo. A partir desta idéia, entrar na água seria como repetir o símbolo mais arcaico, ou seja, o do retorno ao útero materno, e ser salvo ou resgatado das águas representaria o episódio do nascimento, da saída da água para a terra. Fazendo uma analogia com a origem humana remota, este autor (1990) especula sobre a existência de um desejo humano de retornar ao oceano abandonado dos tempos primitivos, ao que denomina 'regressão talássica'.

Na visão mitológica, a água, da qual o oceano é sem dúvida o maior símbolo, traz consigo as sementes da vida, os segredos e os fermentos de suas múltiplas formas, além dos medos que às vezes são evocados pelas figuras míticas dela oriundas quando em estado de decomposição (a lama e os pântanos). Schama (1996), acrescenta que:

"ver um rio equivale a mergulhar numa grande corrente de mitos e lembranças, forte o bastante para nos levar ao primeiro elemento aquático de nossa existência intra-uterina. E, com essa torrente, nasceram algumas de nossas paixões sociais e animais mais intensas: as misteriosas transmutações do sangue e da água; a vitalidade e a mortalidade de heróis, impérios, nações e deuses [...] Desde a Antigüidade, se comparava o [...] fluxo [dos rios] à circulação do sangue pelo corpo" (p. 253).

Apesar dos apelos mágico-religiosos, o homem se viu diante de situações e desafios concretos que necessitava enfrentar. Desde a gênese da história das civilizações, o domínio da água era perseguido, sendo limitado ao desenvolvimento de técnicas, como, por exemplo, de irrigação, de canalizações exteriores ou subterrâneas, de construção de diques, dentre tantas outras. Decrosse (1990) considera tais técnicas como fundadoras das civilizações hidráulicas na Antigüidade.

Em face do seu papel fundamental na economia de sobrevivência, as sociedades antigas asseguraram a 'coerência civilizadora' através da organização religiosa e administrativa que, vinculadas à função agrária e alimentar, determinaram as ações sobre a água, integrando-as de maneira complexa a outras técnicas, através de um conjunto de ritos e mitos, como, por exemplo, os da criação e da fecundidade. Os deuses podiam simbolizar tanto a admiração quanto o pavor provocados pelos grandes fenômenos naturais. Dito de outra forma, a diversidade e as ameaças do mundo eram elaboradas por meio de meios simbólicos, expressos em seus rituais, que puderam ser interpretados através do legado dessas culturas, presente nas ruínas das construções e na linguagem escrita.

Muitos desses mitos podem, ainda hoje, ser observados em rituais de devoção e oferendas aos deuses aquáticos. Crespo (1997a), ao descrever as tradições religiosas afro-brasileiras, explica que Iemanjá, por exemplo, é a divindade reinante sobre as águas do mar e que habitava na capital religiosa dos Iorubás - Ifé. Ao fugir dessa região, foi perseguida e capturada pelo rei e seu exército. Para escapar, ela utilizou-se de um presente de seu pai, Olorum, uma garrafa que deveria ser quebrada caso se encontrasse em apuros. Ela quebrou a garrafa e um rio foi criado, levando-a para o oceano, morada de seu pai. Tornou-se, assim, a senhora das águas salgadas. Casou-se com Oxalá - deus do ar e do céu -, que recebera a missão de criar o mundo. A partir desse encontro, surgiu a maior parte dos Orixás, dentre eles, Oxum, senhora dos rios, cachoeiras e fontes, e Nanamburucu, a divindade das lamas e mangues, sereia velha das águas mansas, que varre a sujeira do mundo com uma vassoura de palha, renovando a terra ao limpar a água.

Na Mitologia egípcia, por exemplo, Osíris era a personificação da fecundidade, a fonte total e criadora das águas. O Nilo era a efusão de Osíris e Set/Tifão a sua antítese, a personificação da aridez e da fome, representando tudo o que era seco e causticante. O Nilo era originado da união entre Osíris aquático e Ísis terrena, da qual nasceu o menino-deus Hórus que, ao eliminar Tifão, obrigou o oceano destruidor a recuar, deixando nas margens do rio Nilo o lodo aluvial que adubava as plantações.

Na origem da criação grega, Graves (1967) descreve um dos mitos em que, no princípio de tudo, o ar uniu-se ao dia, permitindo o nascimento da Mãe Terra, do Céu e do Mar. Da união do Ar com a Mãe Terra apareceu o Oceano, Métis e outros Titãs. O Mar, por sua vez, unia-se aos Rios originando as Nereidas. O Céu e a Terra (Gaia) eram os símbolos masculino e feminino que, através da fertilização das águas, produziam a vida, a qual passava a ser regida por Eros. Os rios e as fontes, ao serem considerados filhos de Oceanos pelos gregos, eram divinizados e a eles dedicavam oferendas.

Na concepção de Fontana (1994), os rios, fontes de vida e vias de comunicação de todas as antigas civilizações, possuíam importância simbólica significativa e a água representava o nascimento e a morte, a origem e o fim da vida. A vazão do rio a jusante era vista como uma progressão à indiferenciação (o oceano), e, a montante, o retorno ao princípio (a fonte), e a sua travessia tinha o significado de passagem de um estado do ser para outro (a margem oposta). Desta forma, os cursos d'água estavam impregnados de simbolismo - ao se aproximar de suas fontes, encontrar-se-ia a corrente da vida, da morte e a 'corrente da consciência', pelas quais seríamos levados desde o nascimento.

Nos comentários de Rudhardt (1990), as águas nesta configuração mítica, desencadeadas pelas tempestades e cataratas, manifestavam as forças temíveis que os deuses administravam e usavam de acordo com o humor, ou segundo seus desígnios. Apropriada para lavar, a água era ainda considerada agente de purificação e, de maneira mais fundamental, ela possibilitava a dessedentação e o crescimento da vegetação sobre a terra irrigada. Schama (1996) supõe que o rio Jordão, representando a pureza no deserto, originou os rituais rudimentares de purificação e redenção que evoluíram até o batismo cristão.

Nesta época, os mitos e rituais eram assimilados por diversas culturas próximas. O rio Meandro, por exemplo, era uma dádiva sagrada para os gregos e, por este motivo, todos os meandros eram considerados símbolos da benevolência fluvial, movimentando-se de um lado para outro, cortando vales e dando a conformação da bacia hidrográfica, sendo igualmente venerados pelos frígios da Ásia Menor. Os sacerdotes egípcios representavam esta conformação hidrográfica nos rituais de libação. Para garantir a existência e continuidade da vida, a mesa de pedra talhada ou a mesa de libação era posicionada nas margens dos rios e sobre ela derramava-se vinho como oferenda a Osíris, Hapi ou Serápis. Assim, ao escorrer pelos sulcos sinuosos da pedra, o vinho representava os meandros desses rios. Tal manifestação mítica relacionando sacrifício, propiciação e abundância fluvial, parece ter sido compartilhada por várias culturas da Antigüidade que se desenvolveram nas bacias de grandes rios. Assim, escreve Schama (1996):

"o curso arterial e autocontrolado do rio sagrado semelhante à corrente sangüínea dos homens constituiria uma imagem permanente do fluxo da vida, a linha das águas, do começo ao fim, do nascimento à morte, da fonte à foz [...] Ademais, dominou a linguagem dos rios na Europa e no Ocidente, fornecendo imagens sobre a vida e a morte de nações e impérios e para a fatal alternância entre comércio e calamidade" (p. 266).

Devido às correlações entre o culto e a forma como se administravam os recursos hídricos, Liebmann (1979) diz ser possível compreender a importância desempenhada pela água na mitologia. Os sacerdotes do antigo reino dos faraós louvavam a importância da água, pois, para eles, as coisas presentes no mundo só podiam existir graças à ação da umidade - as águas provenientes dos templos eram dádivas dos deuses e consideradas sagradas pelos súditos. Cabe ressaltar que os sistemas teocráticos vigentes nos reinos egípcios podem também ser vistos como a forma encontrada pelos soberanos para a manutenção do poder, através da evocação dos mitos e subjugação do povo, ou seja, colocando-os sob o desígnio dos céus e dos deuses.

Apesar de todo o poder mítico, percebe-se gradativamente o seu arrefecimento ou substituição como modelo explicativo e aglutinador social. Cardona (1995) ressalta que as condições históricas gerais são determinantes para a substituição da visão de mundo, ou paradigma, e as mudanças de concepções ocorrem não somente como resultantes da incompetência de um sistema explicativo e de sua capacidade de resolução para problemas concretos, como, por exemplo, a versão religiosa dada pelos povos antigos sobre a origem e a circulação da água na Terra. Segundo este autor, as concepções míticas perduraram por tanto tempo graças à identificação dos indivíduos com sua comunidade, através de uma complexa trama simbólica que os mitos representavam. Essa função social homogeneizadora do mito, em parte, explica sua sobrevivência até que seja suprimida por uma nova possibilidade de amálgama social.

Pode-se constatar tal processo de transformação do imaginário a partir do século VII a.C., na Ásia Menor. No século posterior, a expansão das técnicas ao se desvincularem dos relatos míticos propiciou o surgimento de outras imagens explicativas com bases racionais, introduzindo uma nova e radical forma de pensamento apreendida na experiência cotidiana. Tal acontecimento abalou profundamente as concepções vigentes até então, provocando o que Rosset (1989) denominou "ruína da representação animista" (p. 126).

As primeiras concepções científicas e filosóficas da cultura ocidental apareceram na Jônia, elaboradas pela Escola de Mileto. Destacamos, em particular, Tales de Mileto (?625/4-558 a.C.), ao afirmar que a água era a origem de todas as coisas - a água era o princípio da natureza úmida e continente de todas as coisas, por isso ela era o princípio de tudo, e a terra se encontrava sobre ela. A água seria a physis que, na época, abrangia tanto a acepção de 'fonte originária' como a de 'processo' de surgimento e de desenvolvimento, correspondendo à 'gênese'.

Para explicar a origem dos rios, acreditava-se que eles fossem alimentados pela água do mar, a qual ascendia através da destilação provocada pelo fogo interior das rochas, que a teria livrado do sal, ou, ainda, por meio do refluxo capilar da água em movimento ascendente diante do peso exercido pelas montanhas. O surgimento da água adquiria, então, um novo significado, o de processo geológico sem conotações metafísicas, em que tudo estaria originariamente encoberto pela água e sua evaporação permitiria que as coisas aparecessem. Contudo, não era possível aos antigos filósofos explicar, cientificamente, o funcionamento do ciclo hidrológico e responder corretamente às suas interrogações, como, por exemplo, quanto ao fato de o nível do mar ser constante apesar do aporte contínuo dos rios. Para uma explicação mais completa do ciclo hidrológico faltavam-lhes os suportes experimental e quantitativo, os quais apareceram somente ao final do século XVII, na Europa.

Hubert (1990) remarca que, apesar disto, a idéia da conservação da água, de seu escoamento e de sua eterna renovação estava presente no pensamento filosófico, em particular na dialética de Heráclito de Éfeso (?540-470 a.C.). Quanto aos aspectos qualitativos da água, Platão (427-347 a.C.) já considerava a necessidade de disciplinar o seu uso e prescrevia alguma forma de penalidade para aqueles que a ela causassem algum dano, pois, para ele, a água era o elemento mais necessário à manutenção das plantações. Porém, a terra, o sol e os ventos, concorrentes da água na alimentação das plantas, não estavam sujeitos ao envenenamento, desvio ou roubo, danos que poderiam, eventualmente, acontecer à água, necessitando que a lei viesse em seu socorro.

Através de tais argumentos, Platão (apud Nicolazo, 1989) propunha:

"Qualquer um que tenha 'corrompido' a água de outrem, seja água de fonte, água de chuva estocada, jogando certas drogas [...] o proprietário deverá se queixar [...] e fará ele próprio a estimativa do prejuízo: e aquele que será convencido de ter corrompido a água, além de reparar o prejuízo, será obrigado a limpar a fonte ou o reservatório, conforme as regras prescritas pelos intérpretes, seguindo a exigência dos casos e das pessoas" (p. 13).

Nicolazo (1989) remarca ainda que Aristóteles (384-322 a.C.), refletindo sobre o surgimento da água, especulava acerca das correlações entre a água proveniente da chuva e dos lençóis subterrâneos, postulando que os rios se originaram, em parte, da água da chuva, bem como da umidade do ar no interior das cavernas nas montanhas, que, ao se condensar no solo, dava origem aos mananciais.

Na Grécia, com o surgimento de uma 'nova' visão de mundo, os fundamentos teóricos seriam passíveis de progredir, de serem repensados e/ou substituídos, constituindo-se num 'primeiro abalo' na ordem estática e sagrada do mundo. Neste sentido, no processo evolutivo da cultura ocidental, as mudanças ocorreram, em parte, porque os freios homeostáticos foram sendo rompidos em conseqüência, principalmente, de quatro processos gradativos que culminaram na dessacralização da natureza, como descritos por Layrargues (1996):

"a primeira etapa consistiu na passagem do animismo pagão para o monoteísmo, a segunda no desenvolvimento do pensamento aristotélico na filosofia grega possibilitando a entrada em cena da terceira etapa, com a Revolução Científica e o pensamento cartesiano, [que por sua vez, proporcionou o advento] da quarta, com a Revolução Industrial" (pp. 73-74).

Em cada um desses longos períodos, observa-se o desenvolvimento de 'técnicas apropriadas' para enfrentar os desafios impostos pelos fenômenos naturais, percebidos e tratados, diferenciadamente, em conformidade com as diferentes culturas e tradições, buscando conquistar o espaço e seus recursos, os quais eram geridos de acordo com as possibilidades e avanços do conhecimento de cada época, como trataremos a seguir.


I.2 A Tecnologia Hidráulica e a Gestão Hídrica

I.2.1 Na Antigüidade: A Água 'Sacralizada'

A aglomeração de milhares de pessoas levou o homem, desde a Antigüidade, a se ver confrontado com problemas de sobrevivência, ou seja, relacionado a problemas ecológicos, e a água é um bom exemplo disso. Para fazer frente a tais dificuldades, era preciso desenvolver a criatividade e a engenhosidade, como pode ser observado nas obras de irrigação e captação para abastecimento de água potável, entre outras, construídas pelos povos antigos.

Os primeiros documentos escritos da humanidade, obra dos sumérios de aproximadamente 4000 a.C., continham instruções sobre a irrigação de lavouras dispostas em terraços. Na civilização egípcia, o fluxo do Nilo era controlado por meio de um dispositivo administrativo, gerindo as relações entre as partes a montante e a jusante do rio e projetando os níveis d'água durante os períodos anuais.

Em outros antigos registros, como observa Azevedo Netto (1959), verificam-se, além do desenvolvimento da irrigação na Mesopotâmia, diversas obras relacionadas ao saneamento, tais como as galerias de esgotos construídas em Nippur, na Índia, por volta de 3750 a.C.; o abastecimento de água e a drenagem encontrados no vale do Indo em 3200 a.C., onde muitas ruas e passagens possuíam canais de esgotos, cobertos por tijolos com aberturas para inspeção, e as casas eram dotadas de banheiras e privadas, lançando o efluente diretamente nesses canais; o uso de tubos de cobre como os do palácio do faraó Cheóps; a clarificação da água de abastecimento pelos egípcios em 2000 a.C., utilizando o sulfato de alumínio.

Nessa época, já existiam preocupações quanto ao uso da água e à transmissão de doenças a ela vinculadas. Conforme Azevedo Netto (1984), documentos em sânscrito datados de 2000 a.C. aconselhavam o acondicionamento da água em vasos de cobre, a sua exposição ao sol e filtragem através do carvão, ou, ainda, pela imersão de barra de ferro aquecida, bem como o uso de areia e cascalho para filtração da água. Por volta de 1500 a.C., os egípcios utilizavam a decantação. Bem mais tarde, a partir de 450 a.C., poços artesianos eram escavados na busca por suprimento de água em regiões áridas.

Muitas construções importantes foram realizadas no Egito, destacando-se as barragens escalonadas no rio Nilo e os tanques de nivelamento. Liebmann (1979) especula que o lago Méris, no oásis de Faium, próximo ao Cairo, era provavelmente uma represa para regularizar as águas vazantes do rio Nilo, através de um canal de desvio das águas. Havia uma forte preocupação com as cheias dos rios, as quais eram medidas pelo nilômetro, espécie de fluviômetro que possibilitava aos lavradores calcular os níveis da água no curso inferior do rio. Inicialmente, destacaremos a importância do simbolismo e das representações míticas que influenciaram as ações humanas sobre o mundo natural. Em seguida, evidenciaremos a mudança do pensamento, como o ocorrido na Grécia Antiga, com o surgimento da filosofia e das novas concepções sobre os fenômenos naturais baseadas em explicações racionais. O apelo ao aperfeiçoamento da razão propiciará o avanço da criatividade, da engenhosidade presente na tecnologia hidráulica, vendo no artifício a extensão do humano para o enfrentamento das adversidades do mundo natural, através de um processo de construção e desconstrução de valores e crenças constituintes das sociedades históricas.

Percebe-se que outros períodos importantes, como o do Renascimento europeu e o do surgimento do método científico, provocaram revoluções nos rumos da história e, conseqüentemente, dos paradigmas vigentes, através de novas descobertas em diversos campos do conhecimento, dentre eles o da medicina. Com a posterior industrialização, fortes impactos sobre o meio ambiente trariam problemas jamais experimentados pelas sociedades ocidentais. A necessidade de se ter maior controle sobre as doenças provocadas, não só por efeito do meio, mas também como resultantes da industrialização, na Inglaterra, que tornavam os setores de trabalho insalubres, levaram ao surgimento do que viria a constituir a Saúde Pública e o controle sanitário.Inicialmente, destacaremos a importância do simbolismo e das representações míticas que influenciaram as ações humanas sobre o mundo natural. Em seguida, evidenciaremos a mudança do pensamento, como o ocorrido na Grécia Antiga, com o surgimento da filosofia e das novas concepções sobre os fenômenos naturais baseadas em explicações racionais. O apelo ao aperfeiçoamento da razão propiciará o avanço da criatividade, da engenhosidade presente na tecnologia hidráulica, vendo no artifício a extensão do humano para o enfrentamento das adversidades do mundo natural, através de um processo de construção e desconstrução de valores e crenças constituintes das sociedades históricas.

Percebe-se que outros períodos importantes, como o do Renascimento europeu e o do surgimento do método científico, provocaram revoluções nos rumos da história e, conseqüentemente, dos paradigmas vigentes, através de novas descobertas em diversos campos do conhecimento, dentre eles o da medicina. Com a posterior industrialização, fortes impactos sobre o meio ambiente trariam problemas jamais experimentados pelas sociedades ocidentais. A necessidade de se ter maior controle sobre as doenças provocadas, não só por efeito do meio, mas também como resultantes da industrialização, na Inglaterra, que tornavam os setores de trabalho insalubres, levaram ao surgimento do que viria a constituir a Saúde Pública e o controle sanitário.Inicialmente, destacaremos a importância do simbolismo e das representações míticas que influenciaram as ações humanas sobre o mundo natural. Em seguida, evidenciaremos a mudança do pensamento, como o ocorrido na Grécia Antiga, com o surgimento da filosofia e das novas concepções sobre os fenômenos naturais baseadas em explicações racionais. O apelo ao aperfeiçoamento da razão propiciará o avanço da criatividade, da engenhosidade presente na tecnologia hidráulica, vendo no artifício a extensão do humano para o enfrentamento das adversidades do mundo natural, através de um processo de construção e desconstrução de valores e crenças constituintes das sociedades históricas.

Percebe-se que outros períodos importantes, como o do Renascimento europeu e o do surgimento do método científico, provocaram revoluções nos rumos da história e, conseqüentemente, dos paradigmas vigentes, através de novas descobertas em diversos campos do conhecimento, dentre eles o da medicina. Com a posterior industrialização, fortes impactos sobre o meio ambiente trariam problemas jamais experimentados pelas sociedades ocidentais. A necessidade de se ter maior controle sobre as doenças provocadas, não só por efeito do meio, mas também como resultantes da industrialização, na Inglaterra, que tornavam os setores de trabalho insalubres, levaram ao surgimento do que viria a constituir a Saúde Pública e o controle sanitário.



Elmo Rodrigues é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

* Tese apresentada para a titulação de doutorado junto à Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, Pós-graduação em Saúde Pública, em setembro de 1998.

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