domingo, 23 de novembro de 2008

O fast food e a mundialização do gosto - parte 6



Considerações Finais

As formas de produzir bens e serviços sofreram profundas alterações no tempo e no espaço. O sistema de franquias é uma dessas formas que nos faz reavaliar a dinâmica econômica e sua materialização no espaço. O espaço foi abordado nessa pesquisa, como condição, meio e produto da referida forma comercial. Ao discutir os desafios e as perspectivas que o processo de globalização nos apresenta, entendemos que não podemos discutir nenhum fato urbano sem considerar a generalização e a desterritorialização dos produtos, da mídia, dos meios de comunicações, das idéias, dos costumes, dos símbolos e signos. As alterações nas relações de produção não se dão bruscamente, elas são reproduzidas através de inovações graduais e de maneira sutil. Somente quando atingem um grau de amadurecimento é que essas mesmas relações permitem as mudanças: foi assim que ocorreu o desenvolvimento do sistema de franquias no Brasil. Em todo o desenrolar do tema, percebemos a importância do “lugar” para o desenvolvimento desse sistema, os pontos comerciais para a instalação das lojas franqueadas têm merecido por parte das empresas numerosos esforços. Muitas pesquisas são realizadas e de forma bastante rigorosa. O domínio sobre dados que demonstrem os perfis municipais das cidades brasileiras é de fundamental importância para a seleção de novos pontos de venda. Como os órgãos públicos atualmente não estão dando conta de atualizar esses dados, há empresas privadas que fazem esse papel, isto é, estão “vendendo” informações a respeito das cidades brasileiras. O contato com esse dados propicia um maior domínio territorial às empresas, pois demonstram as cidades “potenciais”, ou seja, aquelas que têm condições de receber lojas integradas ao sistema de franquia. Nesse sentido é que o espaço se apresenta como condição e como meio para se chegar mais rapidamente a expansão e conseqüentemente ao lucro. A franquia pode também ser vista, enquanto produto do estágio capitalista atual, produto esse, que controla as informações e a mídia, constituindo-se em uma poderosa estratégia de dominação. Seu ritmo frenético de renovação de idéias faz crescer a espetacularização da vida urbana. E o fast food, é a nosso ver, o responsável pelas maiores alterações nos valores e comportamentos da sociedade brasileira de consumo atual. Este segmento é o mais globalizante. Tal afirmativa tem coerência, a partir do momento em que constatamos que esse segmento foi capaz de introduzir hábitos em sintonia com o tempo produtivista exigido pelo nível de reprodução do capitalismo mundial. Há algumas décadas atrás, fazer as refeições fora de casa, comer em pé rapidamente, abandonar o “arroz e feijão”, adotar o hamburguer no cardápio diário, eram hábitos inconcebíveis para o brasileiro. Hoje, a partir desse sistema, uma nova realidade se instala no Brasil. Como já dissemos anteriormente, nas grandes cidades, o fast food faz parte do cotidiano, é uma necessidade criada pelo tempo produtivista (um novo tempo no urbano). Nas pequenas e médias cidades o fast food não é necessidade, é lazer, é festa; afinal, nesses lugares o ritmo ainda é outro. O fast food é um sistema de massa, que atinge um mercado maior, passa por cima de costumes e tradições; seu objetivo principal é atender à nova necessidade do mundo atual, “a velocidade” e, para isso, acaba impondo um modo de vida normatizado, ganhando espaço. Esse tipo de comércio permitiu a passagem da cozinha tradicional, com preparação de pratos típicos ou pelo menos mais próximos da cultura local, para uma cozinha industrial, diversificando, num primeiro momento, os produtos nacionais para finalmente padronizá-los e homogeneizá-los em nível mundial, guardando pequenas diferenças. O americanismo é característica original do fast food e foi bastante discutida durante essa pesquisa, quando destacamos que essa forma de alimentação traz consigo, em todo lugar em que se instala, a ideologia, os costumes e o modo de vida dos EUA. Esse país sempre foi responsável por vários costumes que se difundiram pelo mundo, alterando comportamentos. Sendo assim, freqüentar um fast food é como estar num lugar que representa o centro do mundo. O McDonald’s (empresa por nós entrevistada), foi a pioneira na proliferação do fast food no mundo, confirma, através de sua trajetória empresarial, essa centralidade, e mantém como o centro desse sistema os EUA. Com toda a dinâmica produtivista, instaura-se nas cidades brasileiras uma nova ordem espacial, que é meio e resultado da globalização econômica. E é pelo “lugar”, que o “mundial” é empiricamente percebido. Nessa dinâmica, a homogeneização e a diferenciação formam uma unidade dialética. Entender a produção do espaço urbano brasileiro, perante tantos antagonismos, gerando multiplicidades de formas, é o grande desafio para os geógrafos e cientistas sociais da atualidade. Mesmo porque a globalização é um processo em construção e, a cada momento, provoca novas transformações no espaço urbano. Tudo isso nos leva a reafirmar que o espaço construído das cidades brasileiras é produto imediato de uma combinação e convivência de objetos sociais, com origem em diferentes momentos históricos. O fast food, pode ser considerado, um tema atual e novo dentro das pesquisas acadêmicas, investigá-lo através de um novo referencial teórico pareceu-nos um caminho adequado para compreender a sociedade atual e seu espaço. Deixamos claro, entretanto, que tão importante quanto estabelecer as relações entre produção-comércio-espaço urbano, é perceber que essas relações não têm um sentido de determinação claro e muito menos permanente. Não existem modelos perfeitos nem verdades eternas; o fast food, que é hoje uma forma coerente com a reprodução do processo de produção, e que por isso significa uma alternativa viável como estratégia do comércio varejista, poderá não ter a mesma importância no futuro. O setor comercial é um setor dinâmico, que apresenta um alto índice de transformações e de maneira muito rápida, significando que os estudos de atualização, nessa área de pesquisa, devem ser sistemáticos, mesmo porque, do seu desenvolvimento está dependendo, em parte, o entendimento da cidade. Bibliografia AUGÉ, M. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994. BAUDRILLARD, J. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. Trad. S. Bastos. São Paulo: Brasiliense, 1985. ______________. América. Trad. A. Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. ______________. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Perspectiva, 1989.
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Artigo publicado no Vol. V / 1997 da Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, páginas 21-45

Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza
enviado por alvarenganj@yahoo.com.br

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