segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Balbina, a hidrelétrica do caos



Domingo, 25 de novembro de 2007
PRESIDENTE FIGUEIREDO (AM) - Dificilmente haverá no planeta um monumento à estupidez como a Usina Hidrelétrica de Balbina. Idealizada na ditadura militar e inaugurada em 1989, ela custou, na época, US$ 1 bilhão. Inundou 2,6 mil quilômetros quadrados de riquíssimas florestas nativas, criando um dos maiores lagos artificiais do mundo. Os milhões de árvores que tiveram suas raízes submersas não foram retirados e transformados em madeira produtiva – estão lá apodrecendo. As águas do lago imenso produzem hoje apenas de 120 MW a 130 MW de energia; é a unidade de geração mais ineficiente entre as 113 hidrelétricas do País. E, para culminar a série de desastres, a vegetação inundada se tornou uma fonte gigantesca de emissão de gases de efeito estufa: emite 3,3 milhões de toneladas de carbono equivalente por ano, metade do que jogam na atmosfera os carros que circulam em São Paulo.


Os erros começaram pela escolha do local – uma área extremamente plana, 180 quilômetros ao norte de Manaus. Na planície, as águas se espalharam, rasas, por uma área imensa; há grandes trechos que podem ser percorridos com água na cintura, às vezes com a profundidade suficiente apenas para molhar os pés. A disparidade entre a área inundada e a capacidade de produção de energia é imensa. Para ficar na própria região amazônica, a usina de Tucuruí, no Pará, também alagou uma grande área; lá, o lago ocupa 2,4 mil km², mas a água represada do Rio Tocantins tem força para tocar uma usina de 4.245 MW, 17 vezes superior a Balbina.


A comparação com Itaipu torna Balbina ainda mais absurda. Itaipu tem um lago de 1,3 mil km², metade do da usina do Amazonas, e sua potência instalada é de 14 mil MW. A potência instalada de Balbina, já na época da inauguração, era de ridículos 250 MW. Mas a situação ali piora a cada ano: 18 anos depois, a capacidade instalada já não atinge nem esse limite baixo. Os equipamentos obsoletos, a baixa pressão da água e o acúmulo de sedimentos produzidos pelo apodrecimento das árvores largadas na área inundada continuam comprometendo o potencial de geração, e a capacidade instalada baixou para 235 MW.


No final dos anos 80, a formação do lago, com as águas mansas do Rio Uatumã, reduziu drasticamente o fluxo rio abaixo. Quando se alcançou a cota para funcionamento das turbinas, a Eletronorte liberou a água já saturada de material orgânico apodrecido. O caldo que desceu foi venenoso. “Meu amigo, foi tanto peixe morto! A Manaus Energia recolhia rede e mais rede de peixe boiando. Fizeram um buraco enorme para enterrar tudo. Daí, o peixe sumiu”, lembra o pescador Marcos Claudio da Silva (leia sobre a mortandade de peixes na página seguinte).


Hoje, quase 20 anos depois do fechamento da barragem, a contribuição de gases de efeito estufa em Balbina é dez vezes superior à emissão de uma termelétrica movida a carvão de potência igual à da hidrelétrica. “Para cada megawatt/hora (MW/h) gerado nessa hidrelétrica são liberadas 3,3 toneladas de carbono na atmosfera”, explica Alexandre Kemenes, pesquisador bolsista de um programa chamado Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), uma iniciativa internacional liderada pelo Brasil e abrigada no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Numa térmica a carvão, a relação entre emissões de gases e a geração de 1 MW/h é de 0,33 tonelada.”


Além de medir as emissões, o trabalho de Kemenes, que durou cinco anos, indicou a principal fonte de gases de efeito estufa: o reservatório. Apenas 8% da área do lago, segundo cálculos feitos no estudo, foi desflorestada. É do lago que saem 84% dos gases. As emissões da usina são tão elevadas que superam todo o crédito de carbono obtido pela estatal Eletrobrás, que controla Balbina por intermédio da Eletronorte.


Até hoje, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) gerou créditos de 2,7 milhões de toneladas de carbono, volume que irá a leilão na BM&F. Os técnicos dizem que seria possível captar os gases (metano e gás carbônico) para produzir energia, como ocorre em aterros sanitários. “É viável, mas exige investimento”, diz Kemenes. “O problema é que não há investimento em Balbina.”


No grande salão da usina, onde ficam as cinco turbinas, uma frase em letras graúdas diz: “Balbina, respeito à natureza.”
O Estado de São Paulo
http://www.estadao.com.br/amazonia/destruicao_balbina_a_hidreletrica_do_caos.htm

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