terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Expectativas, incerteza e política econômica


Expectativas, incerteza e política econômica
Escrito por Corival Alves do Carmo
01-Dez-2008
O objetivo deste artigo é mostrar como as expectativas e a incerteza afetam a política econômica e são afetadas por ela. Partindo do tratamento dado por John Maynard Keynes, Milton Friedman e os Novos Clássicos à questão das expectativas, procura-se mostrar como no atual contexto de grande fluxo de informação e volatilidade nos mercados financeiros a política econômica mostra-se ineficaz na reversão de expectativas o que faz com que aparentemente os programas de ajuda aos bancos e ao sistema financeiro sejam sempre insuficientes e a crise continue.
Quando Keynes analisa o cenário econômico após 1929, ele identifica que a crise decorre a insuficiência de demanda efetiva. E a demanda efetiva se contrai em função da queda no nível dos investimentos. O nível dos investimentos declina porque a expectativa sobre a taxa de lucro, sobre o retorno dos investimentos declinam. O empresário olha para as bolsas as ações estão se desvalorizando, verifica os estoques e os estoques estão se acumulando, os preços estão em declínio, as dívidas mantém o seu valor de face e, portanto num cenário de deflação estão tendo um crescimento real além dos juros que terão que ser pagos. O comportamento racional do empresário é retrair os investimentos. A questão é que a retração dos investimentos, que é o comportamento “correto” e racional do ponto de vista do empresário individual, do ponto de vista agregado produz uma nova retração na demanda agregada, gera desemprego, aumenta os estoques acumulados, reforça a tendência deflacionista, ou seja, realimenta a crise.

Por isso, como saída para a crise, Keynes recomendou que o Estado utilizasse a política monetária e fiscal para elevar a demanda efetiva. O crescimento da demanda efetiva a despeito do desânimo generalizado geraria uma reversão de expectativas. O empresário, que havia desistido de investir ao ver os estoques se acumulando e os preços em queda, veria a demanda se elevando e os estoques sendo desencalhados, veria até mesmo os preços se estabilizando, e com isso as suas expectativas seriam revertidas. Conseqüentemente, o empresário retomaria seus investimentos, o que junto com a continuidade da política econômica governamental resultaria numa recuperação geral da economia.

Em tese foi isso que aconteceu tanto nos EUA quanto na Europa na década de 1930, a política econômica veio em socorro do mercado e permitiu a saída da grande depressão. Diante da crise de 2008 nos EUA, foi retomado o debate sobre a eficácia e a importância do New Deal na recuperação econômica dos EUA. Vivemos numa época pródiga em revisionismos históricos, então não poderia ser diferente. Mas se entre a teoria e a eficácia prática sempre há que se fazer as mediações necessárias, as relações entre as variáveis nem sempre são diretas como aparecem no modelo, é inegável que a importância da leitura keynesiana da crise e das propostas de política econômica para a história econômica subseqüente. Keynes introduz a crise no interior da teoria econômica ortodoxa. Nesta inovação teórica keynesiana, as expectativas desempenham um papel central. As decisões são tomadas em função das expectativas, porque a economia é o reino da incerteza.

Para Keynes, a descentralização existente no mercado não permite que o indivíduo, o empresário, o consumir, a firma, ou mesmo o governo, seja capaz de ter conhecer ex-ante o resultado das suas ações. As decisões são tomadas de forma independente no mercado, e a interação no mercado das diferentes decisões individuais geram resultados inesperados e mesmo indesejados. E não há como esperar para acumular informações suficientes para se tomar decisões numa economia de mercado, porque nunca haverá garantias que o investimento terá o retorno esperado. Portanto, os agentes econômicos decidem em função das expectativas. A política econômica expansionista no momento da recessão visa exatamente modificar as expectativas que estão desestimulando os investimentos. Em princípio a política econômica sempre seria eficaz na reversão de expectativas.

Milton Friedman realizou um dos principais ataques à teoria keynesiana. O autor desejava demonstrar que no longo prazo a política monetária expansionista proposta por Keynes seria ineficaz, não haveria um trade-off entre inflação e desemprego, ou seja, ao contrário do que postulado pela teoria econômica keynesiana não haveria escolha entre inflação e desemprego. Os aumentos de inflação para reduzir o desemprego no curto prazo significariam no longo prazo tanto uma alta inflação quanto a elevação do desemprego. A explicação de Friedman está baseada no comportamento das expectativas. As agentes econômicos teriam expectativas adaptativas. Então no curto prazo, os agentes seriam enganados pela política monetária, ou seja, ao aumentar a oferta de moeda, os valores nominais de preços e salários serão modificados gerando uma ilusão de aumento na renda. Mas no longo prazo seriam capazes de identificar que a política monetária modificou apenas a renda nominal e não a renda real. O resultado é que o nível de emprego cairia, enquanto a inflação perduraria. Ou seja, como os agentes econômicos se comportam baseado em informações passadas, a política econômica consegue temporariamente afetar as suas expectativas. Na medida em que tem novas informações as suas expetativas vão sendo redefinidas a partir delas e com isso a política monetária se torna ineficaz.

Os novos clássicos, comandados por Robert Lucas, introduziram na seqüência, o conceito de expectativas racionais. Os agentes econômicos possuem expectativas racionais e tomam decisões baseados no conjunto de informações disponíveis no presente. Supondo que a informação esteja distribuída de forma homogênea entre todos os agentes econômicas isso garantia não apenas a ineficácia da política econômica como também o equilíbrio do mercado. Ou seja, de posse das informações os agentes econômicos não tomariam decisões erradas nem seriam enganados pelo governo através da política monetária. Aumentando a oferta de moeda o governo não produziria crescimento econômico ou redução do desemprego, mas apenas uma elevação da inflação.

Para cada corrente econômica que surge na economia aparece “outra igual e oposta”. Para o caso dos novos clássicos surgem os novos keynesianos que também adotam o conceito de expectativas racionais, mas que enfatizam a existência de custos ou distorções no mercado que impedem que apesar dos agentes terem expectativas racionais, o resultado seja sempre o equilíbrio do mercado. Um destes fatores que impediriam a existência de market clearing é a existência de informação assimétrica no mercado. Ou seja, nem todos os agentes econômicos detêm as mesmas informações. A diferença entre as informações em posse de cada agente econômico permite que o resultado da interação das decisões individuais no mercado não seja o equilíbrio.

A realidade que mais se enquadraria no modelo dos novos clássicos de expectativas racionais seria a dos mercados financeiros. As transações com ações, títulos e toda miríade de papéis são profundamente afetadas pelas informações correntes, ou melhor respondem imediatamente às novas informações. As avaliações não são tomadas lentamente tentando cruzar as novas informações com as experiências passadas, as respostas às novas informações são imediatas. O que se reflete no movimento frenético dos mercados financeiros no mundo inteiro. As expectativas estão sempre sendo reavaliadas e influindo sobre o mercado. A situação se agrava porque, como postulado pelos novos keynesianos, há assimetria de informação inclusive nos mercados financeiros.

Além da informação assimétrica, os mercados convivem também com a incerteza como enfatizado pelos autores pós-keynesianos. A combinação de informação assimétrica com elevação da incerteza aumenta a instabilidade. É o cenário que o mundo vive hoje e que está tornando mais difícil a efetividade da política econômica governamental.

Temos assistido recentemente que o governo americano anuncia um pacote de socorro à economia, há um alívio momentâneo ao que se segue uma retomada da crise. O processo tem sido este pelo menos desde o início deste ano. E a situação não se restringe aos EUA.

Já que os montantes mobilizados pelos governos se distanciam muito do que é movimentado no sistema financeiro, o primeiro objetivo do governo é mostrar que está pronto para socorrer o sistema, é transmitir segurança e reverter as expectativas para que a crise não seja aprofundada por processo cumulativo, onde o crédito se restrinja cada vez mais e as dificuldades financeiras sejam transferidas para a economia real. Como já sabemos o governo não foi capaz de impedir este ciclo, os indicadores hoje apontam para a recessão e a deflação.

Independente dos méritos da leitura dos novos clássicos sobre a economia em termos gerais, a questão fundamental para ineficácia da política econômica hoje na contenção da crise é o volume de informações difundidas diariamente que entram no cálculo das decisões dos mercados financeiros. E no contexto de ampliação da incerteza perde qualquer parâmetro para definição de um portfólio consistente de investimentos, o resultado é que os investidores são propensos a fazer reajustes em função de qualquer nova informação. E neste contexto de incerteza generalizada torna-se muito difícil, muito caro e muito arriscado ficar diferindo as informações relevantes que influem sobre a rentabilidade do portfólio das informações que podem ser descartadas. Sem critérios para escolher entre os diferentes investimentos e sem qualquer perspectiva de longo prazo, os investidores tendem a adotar de forma ainda mais pronunciada o comportamento de manada. O resultado é que a incerteza é realimentada, a instabilidade é realimentada, e as mudanças de portfólio geram novas informações que irão repercutir novamente na definição dos portfólios dos investidores.

Ora, a tão propagada globalização das comunicações, as notícias on-line atualizadas minuto-a-minuto tendem a aprofundar o clima de incerteza, e dificultam a discernir a importância das informações. Por exemplo, há qualquer momento que se entrar num portal como UOL se encontrará uma nova informação sobre a crise, sobre o que se passa na China, o que passa no Japão, etc. Nos grandes portais de notícias do mundo há ainda mais informações. Esta conexão permanente permite que bancos, fundos, investidores de um modo geral estejam 24 horas buscando informações sem que haja prazo para analisar as informações e avaliar os resultados das estratégias adotadas interiormente. Neste emaranhado de informações, as informações sobre os pacotes governamentais são apenas mais uma informação, perdem rapidamente a prioridade para novas informações que vão surgindo e que também modificam o comportamento dos agentes econômicos. Ou seja, a política econômica no curto prazo tende a ter os seus efeitos sobre as expectativas anulados pelo menos quando se espera que ela seja capaz de estabilizar os mercados financeiros.

Neste aspecto, os críticos dos programas de ajuda aos bancos têm alguma razão. Se o objetivo do governo é impedir a recessão e a deflação, uma ação sobre a economia real dando suporte à indústria e aos consumidores tendem a ser muito mais eficaz, porque as decisões sobre investimento e sobre consumo são tomadas considerando um prazo mais longo do que as decisões tomadas nos mercados financeiros.

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