segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Agências reguladoras: o que deu errado?


04/ 09/ 2007 - ECONOMIA

Agências reguladoras: o que deu errado?

Paulo Cesar Coutinho e André Rossi de Oliveira
Paulo Cesar Coutinho é diretor do Centro de Estudos em Regulação (Cerme) da Universidade de Brasília, onde também é professor do Departamento de Economia. É pós-doutor em Economia pela University of Pennsylvania e pela Princeton University, e doutor pela University of Pennsylvania
André Rossi de Oliveira é vice-diretor do Centro de Estudos em Regulação (Cerme) da Universidade de Brasília, onde também é professor do Departamento de Economia. É doutor em Economia pela University of Illinois, e mestre em Economia pela UnB.

O recente caos que tomou conta da aviação civil brasileira, combinado à evidente incapacidade da agência reguladora responsável, a Anac, de prevenir ou solucionar os gravíssimos problemas do setor, gerou um debate sobre as funções, os objetivos e as regras de funcionamento das agências reguladoras, bem como sobre as formas de aperfeiçoamento de sua atuação. Grande parte dos participantes desse debate, no entanto, padece do mesmo mal que se identifica nas agências e em seus quadros dirigentes: desconhecimento do assunto. Como resultado, muitas questões importantes não foram devidamente esclarecidas.

A prática da regulação, como é conhecida hoje, iniciou-se nos Estados Unidos no final do século XIX com o objetivo de disciplinar indústrias nascentes com características de monopólio, como estradas de ferro, eletricidade e telefonia. O movimento na direção da regulação de indústrias monopolistas ou com alto grau de concentração cresceu até o ponto em que havia agências regulando setores responsáveis por 17% do PIB norte-americano. Embora elevado, esse número não é tão surpreendente quando se leva em consideração o prejuízo causado aos consumidores pela existência de monopólios.

Nossa experiência cotidiana mostra que, quando existem várias empresas no mercado, o bem ou serviço oferecido tende a ser de melhor qualidade e mais barato do que quando há apenas uma empresa. Nada mais natural, portanto, que o principal objetivo de uma agência reguladora seja fazer com que o setor regulado funcione “como se houvesse” intensa competição. Em linguagem econômica, o regulador procura garantir que os preços reflitam os custos e que a qualidade seja adequada aos padrões que a sociedade exige. Trata-se de um objetivo nada fácil de ser atingido.

Outro objetivo de grande relevância da regulação é o de fornecer aos investidores a maior segurança possível, ou seja, reduzir a incerteza sobre as condições futuras que afetarão seus investimentos. Não se trata de defender os interesses desses investidores, mas sim de garantir condições favoráveis a eles, o que é essencial para o desenvolvimento dos setores regulados – especialmente quando o investimento público não é uma alternativa viável. Esses setores, em sua maioria de infra-estrutura, usualmente pedem investimentos vultosos, caracterizados por um retorno de longo prazo.

Sendo assim, se o investidor não tiver segurança de que poderá recuperar o valor de seu investimento, ele exigirá uma taxa de lucro muito mais elevada ou poderá preferir até mesmo não realizar a aplicação. Ambas as alternativas são extremamente prejudiciais para a sociedade. Para que o órgão regulador possa executar suas funções adequadamente e atingir os objetivos discutidos acima, suas regras de funcionamento precisam ser bem desenhadas, prevendo, no mínimo: (a) um quadro funcional competente e estável; (b) independência financeira e decisória; (c) regras claras sobre os direitos e deveres de seus quadros dirigentes.

Infelizmente, no Brasil, essas condições, na maioria das vezes, não são atendidas. Por exemplo, apenas recentemente houve concurso para preenchimento dos quadros de funcionários de diversas agências. Muitas delas funcionaram por muito tempo com quadros provisórios, recrutados até mesmo das empresas reguladas. A independência financeira, por sua vez, tornou-se peça de ficção quando o orçamento das agências foi contingenciado pelo governo. Finalmente, o comportamento dos diretores e funcionários das agências é caracterizado, em alguns casos, por certa promiscuidade entre o público e o privado.

A comparação com o que ocorre nos Estados Unidos é, mais uma vez, ilustrativa. Um diretor de agência reguladora não pode encontrar-se com outro (nem mesmo falar pelo telefone) sem a presença de uma terceira pessoa que possa servir de testemunha sobre os assuntos tratados. Um encontro entre um diretor e um dirigente ou funcionário graduado da empresa regulada, então, é inimaginável naquele país. Também não se admite que qualquer funcionário ou dirigente de agência receba qualquer favor da empresa regulada. A violação dessas regras seria tipificada como crime.

A ausência dessas condições mínimas para o bom funcionamento das agências no Brasil é a principal responsável pelos problemas que testemunhamos hoje, e não a alegada inadequação ou falência do modelo de agências, como propagado pelos falsos “especialistas” no assunto. É preciso, na verdade, fornecer as condições necessárias para que as agências possam cumprir seu papel, que é fundamental para que o Estado brasileiro ingresse na modernidade.

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