quinta-feira, 26 de março de 2009

Os emergentes emergem e determinam o novo tom da política internacional?


Os emergentes emergem e determinam o novo tom da política internacional?, por Gunther Rudzit & Otto Nogami
A crise econômica internacional trouxe o consenso de que os governos não vão conseguir resolvê-la sozinhos e que, portanto, a cooperação é necessária e fundamental. Contudo, alcançar um consenso não será fácil. Neste quadro, o papel dos chamados países emergentes, principalmente o BRIC (sigla das inicias de Brasil, Rússia, Índia e China), ganha importância, e, por isso mesmo, pode complicar a solução.

Os ministros da Fazenda do G-20 se encontraram na última sexta-feira 13, em Horsham, Inglaterra, para a reunião preparatória ao encontro, dos chefes de Estado, que ocorrerá em Londres no dia 02 de abril, e o resultado não foi bom. Em uma tentativa de buscar uma solução para a crise, e, principalmente, uma proposta para mudança do sistema financeiro internacional, os representantes não se entenderam (DESAI, 2009). E a divisão é grande, não sendo mais só entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas dentro desses grupos também aparecem cisões.

Os representantes de Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão e China defendem a necessidade de mais estímulo para tirar a economia da crise, enquanto Alemanha e França, não concordaram e defendem que se deva continuar com as promessas já feitas e buscar conter os excessos dos mercados. Isto se deve ao fato que os governos da União Européia já ultrapassaram os limites de endividamento que o Tratado de Maastrich lhes impõe, e, portanto, não podem continuar a lançar mais pacotes de estímulo sem colocar em risco a credibilidade do Euro.

Por isso mesmo, a União Européia defende que agora se parta para uma regulamentação mais dura do mercado financeiro. A idéia de maior regulamentação tem grande apoio, contudo, ela não é consensual, como ficou claro na fala do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, que disse querer coordenar as mudanças com outros governos, mas que cada um deverá implementar suas próprias regras, já que há grandes diferenças sobre como regulamentar cada produto do mercado, como, por exemplo, os hedge funds (ESTADO, 2009). Além disso, as propostas de legislação americana para o setor ainda estão em discussão entre Executivo e Legislativo, e nada garante que passará rápida e facilmente como se pode perceber em relação à manutenção do subsídio agrícola no orçamento em discussão no Congresso e pelas propostas de um protecionismo financeiro por parte de alguns legisladores (MELLO, 2009).

Enquanto isso, a República Popular da China vem apoiando todas as propostas americanas, mas o primeiro-ministro chinês, pela primeira vez, disse estar preocupado com a economia americana (CNN, 2009). Não é de se espantar tal afirmação, uma vez que a China é a maior detentora de títulos do Tesouro americano, com um total de aproximadamente U$ 740 bilhões segundo o próprio tesouro americano (DECLOEDT, 2009). Esta é a primeira vez que um líder do Partido Comunista Chinês faz alguma declaração sobre a situação econômica americana, apesar da recente visita da Secretária de Estado Hillary Clinton à Pequim, o que indica uma mudança de atitude e a importância que este tema passou a ter para a China.

Outra postura que tende a causar complicação é a da Rússia. Moscou já se pronunciou contrária a qualquer tentativa de se definir um percentual mínimo do PIB que deva ser aplicado na tentativa de reativação da economia, assim como redução da taxa de juros como instrumentos para se combater a crise. Contudo, o governo russo apóia uma maior regulamentação do sistema financeiro e monetário internacionais, e estes, ainda segundo as autoridades russas, só se tornariam eficientes quando as decisões forem coletivas e representarem os interesses de uma faixa mais ampla de participantes, além de defender uma maior transparência daqueles governos que emitem as moedas utilizadas como reservas de valor (FERREIRA, 2009). Tendo em vista o choque que a economia russa está passando com toda a crise, como a perda de um terço de suas reservas internacionais e do preço do petróleo, não é de se surpreender tal postura.

Um ponto que parece unir a todos é o reforço do papel do Fundo Monetário Internacional (FMI). O aumento da capacidade do Fundo em monitorar as economias parece ser um consenso, entretanto, quais as atribuições dele após esse monitoramento ainda não estão tão claras, como por exemplo, se poderá indicar políticas a serem seguidas por todos os governos, inclusive o norte-americano. Outro semi-consenso é o aumento do capital da instituição, mas que o BRIC defende que isso seja feito mediante uma nova redistribuição das cotas de participação. Isto daria a estes países maior capacidade de influenciar nas políticas do FMI, o que até agora foi negado pelos países que detêm este controle atualmente. Pode ser que ao menos a questão do capital seja contornada, com a proposta brasileira de que os emergentes façam um aporte na chamada NAB (Novos Acordos de Empréstimo, em inglês) (MELLO i, 2009), mas que não significa que a questão da redistribuição das cotas seja superada.

Percebe-se, assim, que o Brasil passa a ter um papel mais destacado no sistema internacional. A conversa entre os presidentes Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva em 14 de março em Washington, foi adjetivada como importante e positiva, não só pelo governo brasileiro, o que era de se esperar, mas também pelo governo americano. O Secretário de Estado Assistente para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, destacou a importância da diplomacia brasileira para a região da América do Sul, mas também para uma parceria global, reconhecendo o que chamou de ascendência do Brasil no mundo (MELLO ii, 2009). Além disso, os norte-americanos passaram a ficar com grande receio de que modelos políticos e econômicos não tão liberais possam ganhar apoio em vários países, fazendo com que o posição do Brasil passe a ser importante.

Assim, estamos vivenciando um momento importantíssimo. Começando pelo sistema financeiro internacional, as estruturas internacionais criadas ao final da segunda guerra mundial estão sendo rediscutidas diante da incapacidade delas darem suporte aos interesses de todos os principais atores. Neste quadro, fica a questão se as mudanças serão feitas pacificamente e se os emergentes conseguirão ter seus pleitos satisfeitos.

Referência Bibliográfica:

CNN, (2009). “China’s premier worried for U.S. investments”. Disponível em: [http://edition.cnn.com/2009/WORLD/asiapcf/03/13/china.wen/index.html]. Acesso em: 13/03/2009.

DECLOEDT, Cynthia. “China amplia participação em títulos da dívida americana”. [http://www.estadao.com.br/noticias/economia,china-amplia-participacao-em-titulos-da-divida-americana,339652,0.htm]. Acesso em: 16/03/2009.

DESAI, Sumeet (2009). “G-20 se divide sobre qual deve ser resposta à crise”. [http://www.estadao.com.br/noticias/geral,g-20-se-divide-sobre-qual-deve-ser-resposta-a-crise,338320,0.htm]. Acesso em: 13/03/2009.

ESTADO, Agência (2009). “EUA podem ampliar poder do Fed para regular mercados”. [http://www.estadao.com.br/noticias/economia,eua-podem-ampliar-poder-do-fed-para-regular-mercados,339766,0.htm]. Acesso em: 16/03/2009.

FERREIRA, Nathalia. “Rússia sugere plano próprio para mudar ordem mundial”. [http://www.estadao.com.br/noticias/economia,russia-sugere-plano-proprio-para-mudar-ordem-mundial,339687,0.htm]. Acesso em: 16/03/2009.

MELLO, Patrícia Campos (2009). “Comitê rejeita corte de subsídios nos EUA”. [http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090313/not_imp338095,0.php]. Acesso em: 13/03/2009.

MELLO i, Patrícia Campos (2009). “EUA terão de estatizar bancos, afirma Mantega”. Jornal O Estado de São Paulo, Economia & Negócios, p.B5, 16/03/2009.

MELLO ii, Patrícia Campos (2009). “Secretário dos EUA vê ‘ascendência do Brasil’”. Jornal O Estado de São Paulo, Primeiro Caderno, p. A4, 14/03/2009.

Gunther Rudzit é Doutor em Ciência Política pela USP. Coordenador do curso de Relações Internacionais da FAAP- SP, Professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e do MBA do IBMEC-SP (grudzit@yahoo.com).

Otto Nogami é Mestre em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutorando em Engenharia pela Universidade de São Paulo - USP. Professor do IBMEC-SP (OttoN@isp.edu.br).

Meridiano 47

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