quinta-feira, 26 de março de 2009

A crise financeira mundial e as empresas seguradoras norte-americanas


A crise financeira mundial e as empresas seguradoras norte-americanas: o caso da American Internation Group (AIG), por Danilo José Dalio
A imprevisão das conseqüências ainda parcialmente conhecidas sobre a crise financeira mundial tem gerado muitas dúvidas, sentimentos renitentes sob uma forma mista de desconfiança e resignação. Recentemente, o Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, informou a decisão de aumentar para até US$ 1,25 trilhão (US$ 750 bi além dos US$ 500 bi já previstos) o montante aplicado neste ano na compra de papéis lastreados em hipotecas, cujo objetivo será trazer liquidez para o setor imobiliário. Além disso, o BC americano elevou de US$ 100 bilhões para US$ 200 bilhões o montante para a compra de papéis de dívida emitidos diretamente pelas três empresas hipotecárias que contam com apoio do governo - Fannie Mae, Freddie Mac e Ginnie Mae (FOLHA ONLINE, 2009 a). Apesar dos esforços somados, esse e outros pacotes financeiros anteriormente anunciados pelo governo dos Estados Unidos acalentam grande preocupação na opinião pública internacional sobre a pertinência e eficácia das medidas.

Nessa famigerada luta contra as repercussões da crise financeira mundial, a cumplicidade do governo norte-americano com as empresas do setor financeiro, não fosse os mais recentes escândalos de pagamento de bônus milionários aos executivos do setor (FOLHA ONLINE, 2009 b), passaria inadvertidamente despercebida aos olhos dos menos sagazes observadores.

Embora o mercado imobiliário norte-americano seja reconhecidamente o centro imediato da atual crise, que razões mais - além da alegada garantia de liquidez imobiliária - levam as autoridades do governo democrata a orientar seus planos financeiros principalmente para a recuperação de seguradoras como a AIG (American International Group)? Não é segredo nenhum que a reposta esteja no caráter sistêmico que a queda de um desses gigantes do mercado segurador representaria, não apenas para a economia dos Estados Unidos senão para o mundo inteiro. Sendo assim, que mecanismos de atuação dessas empresas tornam-nas capazes de gerar um risco sistêmico à economia mundial? Qual o seu papel e importância para o mercado financeiro internacional?

Primeiramente, é importante entender que estas seguradoras atuam no mercado mundial de seguros a risco, a partir de sua inserção no mercado de derivados financeiros como parte de suas estratégias de negócios, especificamente, atuando de forma preponderante no mercado dos chamados Credit Defaul Swaps (CDS) (MORRISEY, 2008). Em termos gerais, o CDS representa uma espécie de seguro que é realizado para evitar as perdas que um possível default (colapso/negligência) represente a um determinado patrimônio. Por exemplo, se o governo do Chile empresta 100 milhões de dólares do governo norte-americano, mas este último desconfia da capacidade de quitação da dívida por parte do primeiro, então, contrata-se um CDS sobre o empréstimo, que lhe assegura que, no caso de “omissão” do tomador, será compensado por parte da empresa seguradora.

Ocorre que nos últimos anos as seguradoras privilegiaram, sobretudo, a emissão de CDS, o que no caso da AIG chegou a representar em 2007 um terço de seus lucros líquidos, evidenciando um alto nível de exposição da seguradora ao mercado. Em outubro de 2008, quando estourou a crise financeira mundial, estimou-se que a vinculação da AIG com o mercado de CDS chegava a 451.000 milhões de dólares. Vale dizer, neste momento de crise, frente a um possível default massivo, corria-se o risco de ter de amortizar os seguros tomados pelos contratantes de CDS no mercado. Além disso, a AIG não apenas assegurou empréstimos comerciais a países e a grandes empresas, como também se dedicou à emissão de CDS sobre outros derivados financeiros, conhecidos como CDO (Collateral Debt Obligation), os quais eram principalmente utilizados no mercado hipotecário, sobretudo nos Estados Unidos. Para agravar a situação, algumas cláusulas das CDS previam que a seguradora deveria comprometer-se com pagamentos parciais, não apenas nos casos previstos acima, mas também em situação de queda no valor dos instrumentos assegurados ou se houvesse redução da própria classificação de risco da AIG (FOLHA ONLINE, 2009 c).

Diante desse quadro e da imprevisibilidade da crise econômica mundial, pelos menos da forma espantosa e a tão curto prazo como o fora, as consecutivas injeções de capitais por parte do governo norte-americano nas empresas do setor financeiro e em seguradoras como a AIG têm como objetivo imediato permitir-lhes honrar aqueles CDS que entraram em default, ou como conseqüência das mudanças na classificação de risco da própria companhia de seguro.

Entretanto, parte dos fundos dos contribuintes dos Estados Unidos, aplicados na AIG, deverá ser transferida para bancos estrangeiros, ou seja, os principais beneficiários dos pagamentos da AIG não serão exclusivamente bancos norte-americanos, mas, sobretudo instituições que se encontram principalmente na Europa Ocidental. Até então, a preocupação com o risco que o colapso da economia de determinados países poderia representar para os demais era atribuição exclusiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas medidas de recuperação financeira visavam preservar parte do sistema financeiro internacional. Aqui, as semelhanças com medidas de recuperação da crise até agora adotadas, leva-nos a especular se não estaríamos diante de um novo modelo de recuperação financeira. Mas ainda é cedo para tomar conclusões arriscadas.

De qualquer forma, as iniciativas tomadas pelo governo norte-americano para arrefecer o impacto da crise financeira, e o papel fundamental que as empresas seguradoras assumem nessa empreitada, destacando-se pela sua importância sistêmica mundial, conduz-nos inevitavelmente a uma última questão: quem efetivamente deveria participar das políticas de recuperação financeira mundial? Embora o governo norte-americano tenha arcado até agora sozinho, a nível mundial, com o combate à crise econômico-financeira, os países do G-20 não deveriam ficar alheios a esta situação. Seria oportuno que cogitassem a possibilidade de que outros organismos internacionais estivessem capacitados para enfrentar casos atípicos semelhantes. Avaliando os riscos e as características econômicas e políticas da crise atual, e as medidas de combates a ela, é possível estabelecer formas eficazes de reação conjunta a esses momentos críticos, propondo soluções coordenadas por todos os países envolvidos.

Referências bibliográficas

FOLHA ONLINE (2009 a). “Bolsas européias fecham em alta com bancos e plano do Fed”.Disponívelem:[http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u537302.shtml]. Acesso em: 19/03/2009.

FOLHA ONLINE (2009 b). “Câmara dos EUA aprova imposto de 90% sobre bônus de empresasquereceberamajuda”.Disponívelem:http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u537347.shtml]. Acesso em: 19/03/2009.

FOLHA ONLINE (2009 c). “Entenda a operação de resgate da seguradora AIG”. Disponível em: [http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u445802.shtml]. Acesso em: 17/03/2009.

MORRISEY, Janet (2008). “Credit Default Swaps: The Next Crisis?” Business & tech. Time.Disponívelem:[http://www.time.com/time/business/article/0,8599,1723152,00.html]. Acesso em: 17/03/2008.


Danilo José Dalio é Mestrando em Ciência Política, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (djdalio@bol.com.br)

Meridiano 47

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