Os transbordamentos da financeirização da riqueza na atual crise internacional, por Elói Martins Senhoras & Patrícia Nasser de Carvalho
A crise financeira que transborda hoje sobre o mundo e provoca incertezas nas relações internacionais, tanto em países centrais como periféricos, nada mais é do que o desdobramento do estouro do processo de financeirização da riqueza iniciado nos Estados Unidos e que se difundiu no mundo através das liberalizações financeiras a partir das décadas de 1980 e 1990.
Essa conjuntura está ligada ao fenômeno da financeirização da riqueza que é uma expressão contemporânea de definição, gestão e transformação da riqueza no Capitalismo, cuja acumulação produtiva abriu espaço para um regime de acumulação com predominância especulativa ou financeira.
Ligadas à financeirização da riqueza estão a facilidade das tecnologias de comunicação e informação e a flexibilidade das legislações nacionais, que embora fluidas pelas redes de interpedependência trazidas pelas diferenças de rentabilidade financeira de cada país, permitiram o desenvolvimento de uma arquitetura financeira internacional com características concentradas no mercado financeiro estadunidense,.
Após a crise da bolsa de alta tecnologia (Nasdaq) e os atentados de 11 de Setembro de 2001, a economia norte-americana se utilizou de uma política monetária e creditícia expansionista ao estimular aplicações financeiras em setores de alta rentabilidade e risco - que permitiram o aumento maior da financeirização da riqueza - com o fim de evitar um processo de recessão e repercutindo no postergamento de uma crise financeira maior.
A instabilidade financeira que assola hoje os Estados Unidos e que se transbordou para todo o mundo é, portanto, o reflexo do estouro de uma série de bolhas especulativas que propiciaram o aumento da financeirização e a estabilidade do crescimento econômico via crédito de baixo custo nos últimos anos.
Posto que o inflamento da bolha especulativa no mercado acionário estadunidense ocasionou a crise da Nasdaq em 2001, o seu estouro e a conseqüente adoção de uma política monetária e creditícia calcada em uma baixa taxa de juros levou ao endividamento das famílias a um baixo custo e a um boom de valorização do mercado imobiliário por meio de créditos hipotecários de risco (”subprime”). Dessa forma, essa medida conduziu a uma nova crise em 2007, embora tenha sido eficientemente bem administrada à época pelos Estados Unidos sem repercussões maiores.
Neste fluxo, as instabilidades de 2008 representam um momento de desdobramento ou continuidade de um processo cumulativo anterior onde a financeirização da riqueza estimulada pelo crédito barato chegou por fim a afetar os grandes bancos de investimento que mal administraram suas carteiras.
À medida que a crise financeira estadunidense transbordou internacionalmente na economia global, uma série de bancos centrais passaram a tomar uma série de medidas de administração emergencial buscando resgatar a credibilidade das moedas e das finanças nacionais.
Não obstante exista um esforço unilateral dos países contra a endogeneização da crise que se disseminou internacionalmente, há uma incapacidade institucional de responder de maneira integrada aos períodos de intensificação das instabilidades pela arquitetura das finanças internacionais, haja vista o gap de recursos entre o gigantismo dos mercados financeiros e o restrito fôlego dos bancos centrais para administrá-los.
No mundo da globalização financeira, a interligação das redes financeiras abre janelas de especulação internacional na busca de maior rentabilidade por ativos, o que introduz um componente estrutural pró-ciclico na arquitetura das finanças internacionais. Quando há liquidez, a economia internacional cresce por canais de financeirização da riqueza. Quando o pessimismo influencia os mercados globais, as crises e instabilidades se difundem no sistema internacional.
Uma vez que a moeda é um ativo que circula em todos os mercados reais e nominais, os canais de transbordamento da crise financeira atual acabaram por dinamizar um processo especulativo de valorização internacional do dólar frente à queda dos preços das commodities, revertendo uma conjuntura de dinamismo dos cinco últimos anos para países emergentes.
Em um mundo de incertezas diante do pacote bilionário emergencial norte-americano e da adoção de uma nova política monetária anticíclica, as únicas prospecções factíveis não desenham um cenário otimista, pois caso a crise internacional não se aprofunde no curto prazo, é certo que no futuro um persistente monetarismo expansionista a baixo crédito continuará injetando combustível para uma nova onda de financeirização da riqueza, que recolocará o sistema econômico internacional vulnerável aos ciclos econômicos financeiros estadounidenses.
A despeito do alvoroço momentâneo entre analistas pessimistas ou otimistas quanto à administração desta crise que se tornou global em função dos canais internacionais de interdependência financeira, mais uma vez se observa que a imagem dos ciclos econômicos se reafirma no sistema internacional alertando que a conjuntura futura impactará nos raios de manobra dos Estados.
Elói Martins Senhoras é Professor assistente do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima - UFRR (eloi@dri.ufrr.br).
Patrícia Nasser de Carvalho é Mestre em relações internacionais e doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (patinasser@yahoo.com.br).
Meridiano 47
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