Ondas de calor acima do normal na Europa, aumento da ocorrência de furacões nos Estados Unidos e região do Caribe, seca na úmida região amazônica, retração de geleiras em várias partes do planeta. Nunca as catástrofes naturais estiveram tão em evidência. Seriam indícios do aquecimento global? Em que medida o Homem é causador dessa mudança climática? Quais são as principais conseqüências para a vida na Terra?
O lançamento do documentário Uma Verdade Inconveniente, apresentado pelo ex-vice-presidente estadunidense Al Gore, e a divulgação dos dois primeiros capítulos do relatório Climate Change 2007: The Physical Science Basis, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em Inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentam algumas evidências alarmantes que podem ajudar a responder a essas e outras questões.
No documentário, Al Gore propõe questões centrais sobre a intensificação das catástrofes climáticas associadas ao aumento do consumo de combustíveis fósseis. Em uma palestra, ele apresenta uma série de dados que justificam sua preocupação: retração de geleiras, aquecimento das águas oceânicas e desequilíbrios ecológicos.
Os resultados publicados no estudo do IPCC – fruto da pesquisa de cerca de 2.500 cientistas de 130 países países – confirmam aquilo de que muitos suspeitavam: o aumento das temperaturas médias do planeta, ou seja, os extremos climáticos que observamos no Brasil e no mundo seriam decorrentes do processo de aquecimento global. E as previsões são alarmantes: até o final do século 21, a temperatura média global poderá aumentar de 2 ºC a 4 ºC em comparação aos valores médios do século passado.
De acordo com o relatório, um aquecimento dessa magnitude poderá acarretar sérios impactos ambientais. O degelo das calotas polares, em especial a doÁrtico, faria o nível dos oceanos subir até 60 centímetros. Pode não parecer muita coisa, mas esse volume, somado ao movimento das marés, seria o suficiente
para inundar extensas áreas costeiras e ameaçar territórios de países inteiros como Samoa, Tuvalu, Maldivas, Fiji, Holanda, Bélgica e de grande parte da Dinamarca. Haveria no planeta um problema social de grandes proporções com o aparecimento de milhões de refugiados ambientais.
O aumento da temperatura global também afetaria os fenômenos atmosféricos, resultando em um maior número de períodos de secas em determinadas partes do mundo e uma freqüência maior de enchentes em outras. Os países da África Subsaariana, por exemplo, sofreriam ainda mais com seus períodos de estiagem, enquanto Bangladesh e Índia poderiam ter a intensidade de suas monções aumentada. Os furacões, freqüentes no golfo do México e nos mares do sul da China, também ficariam mais intensos. Nesse caso, fenômenos com a mesma energia do Katrina (furacão de grau 5 na escala Saffir-Simpson), que assolou Nova Orleans em 2005, podem tornar-se comuns.
Além disso, a exacerbação dos extremos climáticos, com um aquecimento de 2 ºC a 4 ºC, deve modificar as características das correntes oceânicas, podendo tornar mais frias algumas correntes ou aquecer outras, afetando diretamente o regime de chuvas nos continentes. Em resumo, o aquecimento global pode acarretar as
conseqüências mais inesperadas, todas de forte impacto.
Desenvolvimento X Ambiente
Outro dado alarmante para os Governos das grandes potências é que essa mudança climática é causada principalmente pelo aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera decorrentes das atividades humanas. O principal fator de contribuição nesse quadro de emissões é o uso de combustíveis fósseis e, numa escala menor, as alterações no uso do solo, como a prática do desmatamento. A análise das camadas de gelo existentes desde a era pré-industrial – antes de 1750 – até hoje revelou que a concentração de dióxido de carbono passou de 280 partículas por metro cúbico (ppm3) para 379 ppm3 em 2005.
A gravidade da situação desencadeou anúncios de medidas e planos de ação em muitos países. Recentemente, um estudo encomendado pelo Reino Unido a um grupo liderado por Nicholas Stern, economista que atuou no Banco Mundial, revelou que o aquecimento global cria riscos de grandes prejuízos econômicos e sociais similares aos associados às grandes guerras. Segundo Stern, o custo final das mudanças climáticas descontroladas seria de 5% a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial a cada ano. Já o custo de uma “economia global de baixo carbono” seria de 1% do PIB anual.
Até o Governo dos Estados Unidos, defensor de uma postura proteladora e contra o acordo definido no Protocolo de Quioto, demonstrou preocupação com relação aos dados divulgados pelo IPCC e, como reação às pressões da população, anunciou medidas para redução das emissões. Entre elas, demonstrou interesse em estabelecer parceria com o Governo brasileiro no mercado de etanol.
Impactos no Brasil
E o Brasil? De que forma o território brasileiro seria afetado pelo aquecimento global? Economicamente, a agricultura, estratégica fonte de riqueza econômica, seria afetada por um aumento dos extremos climáticos, em que períodos de seca e de chuvas seriam mais intensos e freqüentes. No caso do Centro-Sul brasileiro, o período de abril a setembro, de característica mais seca, poderia acarretar significativos prejuízos nas culturas e atividades agrícolas de inverno como o cultivo de trigo ou a pecuária. O período chuvoso, de outubro a março, poderia prejudicar, por sua vez, a safra de verão, de importância vital para a economia nacional, por ser época de plantio e colheita da soja, milho e de muitas frutas e hortaliças.
Chuvas mais fortes, com uma freqüência maior de temporais e tempestades, poderiam resultar em destruição e interdição de inúmeras estradas, prejudicando tanto o escoamento dos produtos quanto a locomoção das pessoas, ao isolar cidades e regiões. Os períodos de seca, por sua vez, poderiam causar um colapso na produção energética do País, gerada por hidrelétricas.
Contudo, o fator de maior preocupação seria a perspectiva de milhares de cidadãos desabrigados que, vivendo em áreas de risco (próximas a morros e rios), seriam vítimas das intempéries cada vez mais intensas.
Prevenção
Para evitar o colapso, uma série de iniciativas devem ser tomadas. A medida emergencial é a redução no volume de monóxido e dióxido de carbono liberados por veículos automotores, indústrias ou mesmo pelas queimadas. E isso implica fortes investimentos na alteração da matriz energética – pautada principalmente no petróleo. A saída está no desenvolvimento de biocombustíveis, como o álcool e o milho, e outras fontes de energia como o hidrogênio, a solar, a eólica ou até mesmo a nuclear, tema de grande polêmica.
Outra medida na luta para diminuir a emissão de gases estufa é criar e preservar mais áreas naturais protegidas, em especial as de florestas tropicais. O Brasil, dotado de uma legislação ambiental bem esquematizada e desenvolvida, terá de realizar grandes esforços para diminuir o número de quilômetros quadrados desmatados, uma vez que o problema não reside basicamente no campo jurídico, e sim na dificuldade para fiscalizar e preservar parques e reservas nacionais.
A questão é bastante complexa, pois a expansão da fronteira agrícola nacional, justamente para os Estados do Pará, Acre e Amazonas, está muito longe de respeitar o perímetro da Amazônia Legal. Os Estados de Tocantins, Mato Grosso e Rondônia, por exemplo, foram já quase totalmente tomados pelas extensas lavouras comerciais de soja e pelas pastagens, e as matas tropicais foram fortemente descaracterizadas. Uma colonização agrícola com essa amplitude certamente causará impactos climáticos prejudiciais à população brasileira e às de países vizinhos, com as conseqüências já relatadas: estações chuvosas e secas mais intensas, aumento das adversidades climáticas, diminuição futura da produtividade agrícola nacional e problemas mais sérios relacionados à infra-estrutura nos setores de Transporte, Energia e Saúde.
É importante lembrar, no entanto, que as mudanças climáticas também podem ter origens naturais, como as oscilações na radiação solar ou erupções vulcânicas. E esses fatores já causaram grandes variações ao longo da História de nosso planeta. Apesar de muitos relatórios apresentarem projeções extremamente catastróficas, existe também um cenário mais conservador. De qualquer maneira, tanto o documentário de Al Gore quanto a pesquisa de grande parte dos cientistas apontam que a ação antrópica, principalmente após a Revolução Industrial, tem sido decisiva para que ocorram as mudanças climáticas.
André Geraldo Berezuk é doutorando em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente (SP).
Cacilda Bastos Pereira da Silva é mestranda em Integração em Saúde e Meio Ambiente.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS LOCAIS
Nem toda mudança climática é necessariamente global. Muitas podem ocorrer em uma escala local, seja pela construção de grandes lagos artificiais, desmatamentos ou impermeabilização do solo. Por exemplo, a grande concentração de asfalto, concreto e vidro, somada à baixa ocorrência de áreas verdes e à intensa emissão de gases de combustão formam, nas grandes cidades, microclimas denominados climas urbanos. Uma de suas características é o aumento da temperatura média do centro da cidade em relação à periferia, fenômeno conhecido por “ilha de calor”. Por ser dinâmica, a ilha de calor pode modificar-se conforme o horário e as condições meteorológicas.
Estudos realizados em Londres, na Inglaterra, constataram uma diferença média de 2 °C entre as temperaturas do centro da capital inglesa e de sua periferia. Em São Paulo, essa diferença chega a atingir 6 °C. Na década de 50, a temperatura média mínima na capital paulista era de 9,7 °C. Atualmente ela está em torno de 12,1 ºC.
Outra conseqüência da ilha de calor é o aumento dos índices pluviométricos. Os poluentes na atmosfera agem como núcleos de formação de gotículas e intensificam a formação de chuvas, o que, associado à impermeabilização do solo – conseqüência do asfaltamento de ruas e avenidas – eà ocupação das várzeas dos rios, resulta em enchentes.
Além disso, a emissão de poluentes – tanto a das indústrias como a de veículos – tornam a qualidade do ar dessas cidades extremamente crítica. Dependendo das condições meteorológicas, como ausência de ventos ou o fenômeno conhecido por inversão térmica, a situação pode agravar-se ainda mais.
A inversão térmica ocorre naturalmente quando uma camada de ar quente se sobrepõe a outra de ar frio. Esse fenômeno ocorre principalmente no inverno, quando o ar próximo ao solo permanece frio por mais tempo, e o ar aquecido, logo acima, age como um “tampão”, dificultando a dispersão dos poluentes.A falta de ventos e chuvas pode piorar a situação, criando um quadro crítico de poluição atmosférica. São os casos de São Paulo e da Cidade do México.
Revista Discutindo Geografia
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