Principais obstáculos para um futuro sem carbono estão em questões institucionais e comportamentais
por Sérgio Abranches
O Brasil pode assumir a liderança na busca de um futuro de energia sem carbono. Nossa matriz energética está centrada na hidroeletricidade. Fomos os pioneiros na utilização de etanol como combustível. Adotamos o primeiro carro 100% a álcool há décadas. Estamos atrasados no uso do biodiesel, mas os investimentos estão crescendo rapidamente. A integração entre hidroeletricidade e bioenergia tem tudo para nos colocar na vanguarda da oferta de energia de baixa emissão de gases estufa. Podemos até sonhar em só ter energia limpa e renovável para todos os usos, em poucas décadas.
Qual o problema, então? Nossas práticas não são boas. Não temos programas de indução à economia de energia. O planejamento de hidroelétricas não segue critérios de minimização de impacto ambiental. Há sérios problemas de manutenção de reservatórios e de poluição das águas dos rios que os alimentam. Na área dos biocombustíveis, são freqüentes as más práticas ambientais e trabalhistas. O balanço de carbono, ou seja, quanto a produção dos bioenergéticos emite de carbono, precisa melhorar muito. Isso requereria mais pesquisa pública e privada e a adoção de padrões de redução de carbono, como parte do processo de regulação da energia no país.
O Brasil carece de uma política para o clima. Domina a visão de que esse é um problema dos países já desenvolvidos. Uma percepção insustentável. Precisamos de uma política nacional do clima para orientar os investimentos públicos em desenvolvimento científico e tecnológico e para induzir a busca de padrões limpos de produção energética. O planejamento energético seria parte dessa política e adotaria o critério ambiental de neutralizar a emissão de gases estufa como fator decisivo para os investimentos e a regulação estatal. A Embrapa teria um papel crucial numa política do clima, desenvolvendo metodologias de produção bioenergética mais "carbono-eficientes", inclusive de redução do uso de fertilizantes.
Nosso futuro pós-carbono depende do fim do desmatamento. É preciso garantir que a soja, que terá papel central na produção de biodiesel, não continue sendo o principal agente do desmatamento na Amazônia e áreas de mata atlântica e cerrado. Hoje seu balanço de carbono é altamente negativo. É possível ser rentável, com bom comportamento social e ambiental. De nada adianta uma matriz energética limpa, derivada da destruição de nosso patrimônio natural e da exploração da pobreza. O futuro sem carbono deve também representar um avanço civilizatório.
O desafio brasileiro é assegurar o respeito à lei e a regras de segurança energética e ambiental, para "limpar" social e ambientalmente nossa matriz de produção e uso de energia. Hoje há, com razão, sérias dúvidas sobre o papel dos biocombustíveis, por causa da incapacidade do governo em fazer respeitar a lei e pelo temor de que a expansão da agroenergia se faça à custa da destruição de nossa biodiversidade e de nossas matas. Sem mencionar o risco de que aumente o uso do trabalho escravo, prática intolerável que ainda existe na produção de soja e cana em várias partes do país.
O problema está no mau desempenho das agências regulatórias e na má gestão das empresas do setor da agroenergia e da soja. Falta ao Brasil um sistema inteligente de regulação que fixe metas e padrões energético-ambientais para as atividades de geração e distribuição de energia e de produção e uso de combustíveis. Ao mesmo tempo, teremos de criar ambiente institucional favorável ao investimento em energias limpas e renováveis, desincentivando as fontes de alta emissão, como o carvão. Cabe às boas empresas do setor fazer, rapidamente, um pacto pela erradicação das más práticas trabalhistas e pelo respeito ao ambiente. Uma moratória no desmatamento é pré-condição indispensável a um Brasil sem carbono.
A solução dos problemas de logística, de organização eficiente da cadeia de suprimento e integração harmônica das energias de várias fontes ao grid energético nacional depende, para realizarmos a meta de baixa emissão, de uma mudança radical de comportamento, atitude e visão. Nossos principais obstáculos à "descarbonização" não são econômicos, tecnológicos ou naturais. As barreiras são institucionais e comportamentais. Para chegarmos a um futuro sem carbono, precisamos nos tornar uma sociedade social e ambientalmente mais civilizada.
Sérgio Abranches É sociólogo, colunista de o eco e comentarista do CBN-ecopolítica.
Scientific American Brasil
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