sábado, 5 de setembro de 2009

O SISTEMA JUDICIÁRIO NA CHINA

Entender o sistema judiciário na China é fundamental para assessorar investidores estrangeiros interessados naquele país.
Shin Jae Kim e Arquelau So

Quem ainda não recebeu mensagens, convites ou informativos a respeito do tema “China”? Sem dúvida, o tema “China” é um dos mais instigantes nos últimos anos. Infelizmente, para nós, brasileiros, discussões sobre a China ainda continuam superficiais. Saber como se comportar numa mesa de negociação, entregar cartão de visita com as duas mãos, não recusar uma bebida ou comida que lhe é servida por um chinês, ou ainda entender a importância do Guanxi (“relacionamento”), obviamente são dicas importantes para o início de qualquer relacionamento. No entanto, para que possamos ultrapassar o nível superficial de conhecimento, entender a China ou os chineses requer muito estudo, aprendizado e se possível o convívio direto com os chineses.

Especialmente aos profissionais do Direito, entender o sistema judiciário na China é um dos aspectos fundamentais para assessorar investidores estrangeiros interessados naquele país.

De fato, para muitos investidores estrangeiros, a insegurança jurídica em virtude da falta de um sistema judiciário independente é um dos fatores relevantes na decisão de iniciar ou não determinado empreendimento na China. Assim, é importante que o investidor compreenda melhor o sistema judiciário chinês e esteja ciente de que o Governo da República Popular da China vem envidando esforços para a melhoria do sistema.

O sistema judiciário da República Popular da China é dividido em (i) órgãos judiciais, compostos pelo Supremo Tribunal Popular, Tribunais Populares Locais de diversos níveis e Tribunais Populares Especiais; e (ii) órgãos supervisores do Estado, compostos pela Suprema Procuradoria Popular, Procuradorias Populares Locais de diversos níveis e Procuradorias Populares Especiais. Os órgãos supervisores e judiciais da China são subordinados ao Comitê Central do Partido Comunista, sendo o Supremo Tribunal Popular o órgão judicial de maior hierarquia, e a Suprema Procuradoria Popular, o órgão supervisor de maior hierarquia.

De acordo com a Lei da Organização dos Tribunais da República Popular da China, os órgãos judiciais são compostos pelos Tribunais Populares Básicos (chuji renmin fayuan); pelos Tribunais Populares Intermediários (zhongji renmin fayuan); pelos Tribunais Populares Especiais (militares, marítimos e ferroviários); pelos Tribunais Populares Superiores (gaoji renmin fayuan); e finalmente, pelo órgão de maior hierarquia, o Supremo Tribunal Popular (zuigao renmin fayuan).

As sessões dos tribunais populares são públicas, salvo nos casos relacionados a segredo de Estado, intimidades pessoais ou delinquência juvenil. O acusado tem direito à defesa, que pode ser feita por ele próprio, por advogados, parentes próximos ou tutor.

Em virtude da estrutura do sistema judiciário, a maior parte dos juízes dos Tribunais Populares Básicos é indicada pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo (órgão máximo da República Popular da China). Entre os presidentes e vice-presidentes dos tribunais locais, apenas 19,1% possuem bacharelado em Direito. Esse percentual diminui para 15,4% entre os juízes locais.

Ainda hoje, grande parte das despesas, custos e salários dos juízes locais é suportado pelo orçamento do governo local. Ademais, o cargo de juízes locais não apresenta qualquer estabilidade, e qualquer um deles pode ser substituído a qualquer tempo pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo.

No entanto, vale salientar que nos últimos anos o Poder Judiciário chinês vem envidando esforços para melhorar a qualidade técnica dos magistrados, sobretudo nos órgãos judiciários das grandes cidades. Por exemplo, o Tribunal Superior de Xangai vem indicando, desde 1998, para os cargos de juízes dos Tribunais locais, bacharéis em Direito e com experiência profissional. Um dos motivos é o fato de que o Tribunal Superior de Xangai vem mantendo certa autonomia orçamentária, pois parte de sua fonte não é mais oriunda exclusivamente do governo local, o que acarreta maior autonomia para tomar decisões, inclusive no que tange à indicação dos magistrados.

A valorização do profissional de Direito, inclusive dos magistrados, vem aumentando de forma gradativa nos últimos anos. A China sabe da importância de manter uma estrutura judiciária adequada que possa garantir segurança jurídica não só aos investidores estrangeiros, mas principalmente à população chinesa. Incentivados pelo progresso do Tribunal de Xangai, Tribunais de outras jurisdições vêm tomando as mesmas medidas, incluindo cidades e províncias importantes como Pequim e Guangdong, o que demonstra a direção que a China tomará nos próximos anos.

Como qualquer país em desenvolvimento, a China enfrenta desafios relevantes. Com relação ao sistema judiciário, seria precipitado afirmar que uma estrutura centralizada é o único fator que pode gerar insegurança jurídica. Afinal, há países que, mesmo diante da independência formal do Poder Judiciário, se deparam com os mesmos desafios que a China para alcançar uma justiça correta e não protecionista.

* Sócia responsável pelo China Practice Group de TozziniFreire Advogados skim@tozzinifreire.com.br * * Advogado no China Practice Group de TozziniFreire Advogados aql@tozzinifreire.com.br

Revista Visão Jurídica

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