Escrito por Corival Alves do Carmo
01-Set-2009
Ao fim da Guerra Fria prosperou a tese do fim da história de Francis Fukuyama que muitos entenderam como de modo excessivamente literal. Com o fim da Guerra e a posição inquestionável dos EUA como potência mundial, parecia não ser demasiado ousado acreditar numa inédita paralisação da história. Aparentemente a história seria caracterizada pela monotonia com o fim dos conflitos político-ideológicos.
Samuel Huntington e Sadam Hussein responderam com o choque de civilizações, especialmente o confronto entre o Ocidente e o Islã. De fato, o confronto entre diferentes formas de expressão do Islã e o Ocidente tem pontuado as últimas décadas. Mas seria excessivo dizer que as relações internacionais são pautadas por isso.
Ainda que os EUA tenham permanecido de forma inequívoca a potência militar dominante, as relações internacionais não perderam seu dinamismo porque a dinâmica econômica do capitalismo continuou impondo uma hierarquização entre os Estados, fazendo com que a concorrência entre os Estados se mantivesse pela posse e atração de riquezas. E deste jogo, ainda que tenha vantagens evidentes, os EUA não conseguem se impor de forma inequívoca. O controle da produção e dos fluxos de comércio e de capitais está em disputa permanente. Há uma clara realocação do capital seja por processos espontâneos, permitida pela liberalização, que tornam a produção mais lucrativa, a flexibilização da produção, produzindo partes e componentes em diferentes locais do globo, e também uma realocação dirigida pelas políticas estatais que buscam atrair os IED e definir o seu papel no interior das economias nacionais.
Evidentemente que em relação à realocação dirigida pelas políticas estatais a China despontou na frente no que se refere a atrair os IED. Entretanto, a China possui uma vulnerabilidade, a escassez de recursos de energéticos internamente. E apesar de muitos de seus vizinhos terem fontes de energia através das quais a China poderia se abastecer estes países são politicamente muito instáveis e a Ásia ainda padece com uma série de rivalidades políticas regionais que tornam inseguro para a China confiar o seu crescimento nas fontes de abastecimento vizinhas. O resultado é que a China iniciou uma nova corrida pela África pelo controle dos recursos naturais da região. Entretanto, muitos países africanos não são mais estáveis do que os asiáticos e ainda sofrem com a ausência de governos democráticos. Então se estes países resolvem um problema econômico para a China, e colocam um problema político para o governo chinês, faz com que a China esteja periodicamente defendendo governos questionados pela comunidade internacional, consequentemente se aumenta o poder econômico da China, a sua liderança política, ao mesmo tempo que a sua capacidade de propor uma agenda política no sistema internacional é bastante reduzida.
Comparativamente, o Brasil possui condições geoeconômicas muito mais favoráveis para disputar o controle de uma fatia da economia mundial e para liderar uma agenda política. A oferta de recursos naturais para o país é abundante, não apenas internamente, mas também nos seus vizinhos. As diferenças nas dimensões geográficas e econômicas entre o Brasil e seus vizinhos fazem com que estes não concorram por recursos com o Brasil. A capacidade de crescimento do Brasil não é limitada por razões naturais, ao contrário, comparativamente aos países em estágio similar de desenvolvimento o Brasil possui uma situação muito confortável.
Na concorrência por IED, apesar de todos os países da região serem carentes de investimentos e procurarem atrair o capital internacional, o Brasil evidentemente tem as melhores condições para receber este capital seja pela infra-estrutura seja pela perspectiva de rentabilidade. Entretanto do ponto de vista do Estado, o Brasil não tem uma política coerente em relação ao IED. O país ainda não foi capaz de definir uma política coerente sobre como utilizar o grande afluxo de recursos externos para a promoção de um desenvolvimento acelerado e para a consolidação de sua posição como potência econômica. Isto ocorre, porque o governo brasileiro não foi capaz, ou melhor sequer tentou, definir quais os setores em que o Brasil é mais competitivo e que demandam maior volume de investimentos para que o país possa assumir a liderança e o controle destes setores econômicos. O governo Lula se perdeu neste aspecto numa política externa voltada para liberalização dos mercados mundiais de produtos agrícolas, que pode dar um certo fôlego ao país temporariamente. Mas para competir com China, Índia, México, ou mesmo Rússia, o Brasil precisa controlar setores de ponta intensivos em tecnologia. O controle e o acesso às riquezas naturais no jogo mundial da disputa do controle do capital são apenas um pré-requisito e não o alvo a ser alcançado. O crescimento das exportações brasileiras nos últimos anos ocorreu fundamentalmente em setores não-intensivos em tecnologia como em vários momentos apontou o IEDI.
Esta ausência de uma política de desenvolvimento se reflete na política cambial adotada. Não se pede que o Brasil tenha uma política de desvalorização como a China. Mas a aceitação relativamente passiva da valorização do real é um equívoco. Em termos de propaganda pode soar bem afirmar que há uma elevação da demanda por reais. Entretanto, esta maior demanda por reais se restringe ao mercado interno, não torna o Real uma moeda conversível internacionalmente. Ou seja, ficamos com o ônus da desvalorização do dólar em escala mundial sem obter qualquer bônus neste processo.
Agora se o Real está valorizado, e o governo opta por manter esta política. Deveria favorecer como saída para as empresas brasileiras ampliarem seus investimentos, o investimento nos países vizinhos. A internacionalização das empresas brasileiras na América do Sul deve ser acelerada e diversificada. Este processo favoreceria a consolidação da economia brasileira e a afirmação do Brasil como líder regional. O estímulo ao aumento das inversões das empresas brasileiras nos países sul-americanos não diminuiria o dinamismo da economia brasileira. Ao contrário, provavelmente as exportações iriam aumentar paralelamente.
Por fim, ainda um fator que não permite o Brasil aproveitar das vantagens em relação à China nesta disputa geoeconômica - a infra-estrutura de transportes. Tanto a exploração das vantagens internas quanto as regionais dependem de uma sólida infra-estrutura de transporte. De fato, um pacote de investimentos no setor de transportes representaria tanto um estímulo para o crescimento econômico de curto prazo quanto a viabilização de condições estruturais para o crescimento de longo prazo. O Brasil não tem condições de fazer pacotes de investimento como a China seja pelas características do sistema político seja pelas do sistema econômico. Mas com planejamento possui condições de realizar uma aceleração da modernização da infra-estrutura de transportes
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