REINALDO CORREA COSTA
As barragens de rios para os mais diversos fins fazem parte da história da humanidade. Evitar e/ou controlar enchentes e secas, facilitando a agricultura, é apenas um exemplo. As barragens de rios para construção de hidrelétricas são um fato recente na história da humanidade, as primeiras são do século XIX, nos EUA; no Brasil, as primeiras também são desse período. No início do século XX houve um aumento de barragens de rios para fins de produção de energia, mas foi após a Segunda Grande Guerra que houve um incremento das hidrelétricas como elemento do processo de industrialização das economias, que se apropriam dos rios, suas cachoeiras e corredeiras para gerar energia.
A energia elétrica faz parte do cotidiano de muitas pessoas, seja porque traz algum conforto como luz elétrica, uma necessidade em hospitais, universidades, entre outros; lucro para o setor elétrico, geração de empregos, ou danos para os expropriados e atingidos por barragens, sejam índios, camponeses e mesmo cidades que são abandonadas para a formação do reservatório.
Há alguns índices de desenvolvimento que examinam o consumo per capita de energia elétrica como indicador de qualidade de vida, o que é questionável, pois índios e camponeses têm a satisfação de suas necessidades materiais com baixo consumo de eletricidade, e alguns moradores de favelas vivem em condições piores, mas com um maior consumo de energia se comparado a eles, ainda que a fonte da energia sejam os "gatos" (captura ilegal de energia dos postes), ou seja, não gastam seu pouco dinheiro no pagamento da conta de luz elétrica. Há uma forte ideologia de que eletricidade é sinônimo de conforto e status social, pois isso está associado ao consumo de bens industriais, como fornos micro- ondas, secadoras de roupas, torradeiras, aparelhos de som, entre tantos outros.
Repotencialização
Ou Repotenciação é a ação de recuperar equipamentos desgastados de velhas usinas. Segundo o professor de Pós- Graduação em Energia do IEE-USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP), Célio Bermann, a repotencialização pode aumentar em 8 mil megawatts o potencial gerado de uma usina elétrica.
Os equipamentos que podem ser trocados são em geral o rotor, as turbinas e o gerador. O custo da repotenciação é incrivelmente inferior ao da construção de uma usina nova. Sem mencionar que não é preciso a construção de novas áreas represadas.
Uma hidrelétrica tem que estar sempre em manutenção, desde a conservação das turbinas, que podem ser corroídas pelas águas ácidas de um rio, até a formação de sedimentos, pressão d'água sobre a barragem, infiltrações, repotencialização (a maior parte das turbinas brasileiras tem mais de 20 anos) para um maior aproveitamento da energia. Devese acrescentar a isso o sistema de transmissão, que precisa de manutenção constante e um aproveitamento maior para evitar a perda de energia durante a circulação nos linhões. A Comissão Mundial de Barragens considera normal a perda de 6% de energia na transmissão. O Brasil perde aproximadamente 15%, de acordo com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). O órgão ainda especifica que o setor industrial desperdiça 31% de energia e o setor residencial, 25%.
Segundo a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), o setor industrial desperdiça 31% de energia e o setor residencial, 25%.
Os impactos das hidrelétricas são pontuais (o sítio do barramento), lineares (pelos corredores das linhas de transmissão) e areolares (do lago artificial e seu entorno). Quanto aos lucros, são concentrados nas empresas, são territorializados monopolisticamente e também são monopólios dos territórios, via o instrumento de enclave, pois a produção não se insere na realidade do sítio da obra, para pequenas cidades, camponeses e índios e o que ocorre é que as linhas de transmissão passam por sobre as cabeças daqueles que ainda usam a lamparina, como é o exemplo de Tucuruí e Balbina, e até há bem pouco tempo, a Usina de Porto Primavera (SP). O mesmo acontece com os preços das terras, umas são desvalorizadas e outras supervalorizadas especulativamente.
Bases de uma crítica
A ação da política energética no Brasil, especialmente na Amazônia, tem a particularidade de não produzir somente energia hidrelétrica; produz também impactos ambientais. Para os criadores, subvencionadores e administradores da política energética, os povos são encarados como um problema a ser resolvido para a instalação de algum projeto, e é por isso que a perspectiva de ver os atingidos como cidadãos é negada, por isso que não é energia limpa, pois "suja" o ambiente com os impactos ambientais e gera pobreza.
As hidrelétricas na Amazônia brasileira infelizmente não podem ser consideradas "empreendimentos-modelo" de desenvolvimento. Um bom exemplo é a Usina de Balbina (AM), que alagou grande parte da floresta, causou tremendos impactos socioambientais e que não gera nem energia suficiente para abastecer Manaus.
As hidrelétricas na Amazônia brasileira infelizmente não podem ser consideradas "empreendimentos modelo" de desenvolvimento. Um bom exemplo é a Usina de Balbina (AM), que alagou grande parte da floresta, causou tremendos impactos socioambientais e que não gera nem energia suficiente para abastecer Manaus.
Não se pode analisar a produção de energia de um País do tamanho e das características físicas e sociais do Brasil apenas sob critérios econômicos. Precisam ser analisados a região e o conjunto social envolvidos no projeto para além do lugar da produção. O discurso numérico de que um determinado número de megawatts será produzido não representa o conjunto de impactos gerados (econômicos, ambientais, sociais, entre outros), para objetivos diversos, por exemplo: tem-se que ter energia em quantidade compatível com o tamanho do consumo; de que adianta produzir megawatts se o mercado próximo consome em kilowatts, e não há subestações e transformadores para baixar a quantidade de energia? Como fazer isso se não há um programa efetivo de democratização e uso social da energia produzida?
Elementos de análise
No aspecto geográfico, não há nenhuma grande obra que provoque grandes alterações no meio natural e social como as barragens de grande escala, principalmente em ambiente tropical. O lago artificial torna-se um elemento novo na paisagem, e isso tem reflexo na estrutura social e econômica. Geralmente, as barragens vêm acompanhadas de planos que não saem do papel. Tais planos dizem que junto com a hidrelétrica virão os mais variados tipos de usos com a produção de energia elétrica, aumento da área navegável dos rios, irrigação, piscicultura, turismo, entre outros. Mas não se comenta a formação de pobreza. Para entendermos a realidade das hidrelétricas temos que vê-las em suas totalidades, assim alguns elementos da análise se fazem necessários, tais como: espaço total; clima; geomorfologia-geologia; hidrografia; situação geoeconômica; mercado; capitais, impactos das hidrelétricas; espaços herdados da natureza e alterações territoriais. Resumidamente, a seguir:
O Espaço Total: é um conceito que deve ser elaborado em cada situação, mas com base no histórico das territorialidades existentes, a dinâmica dos fatores naturais em conjunto com as ações sociais e o planejamento da obra como forma de uma organização espacial que respeite as territorialidades locais e sirva para justiça social nos espaços da obra.
Clima: a maior parte do contexto hidrológico é resultado das condições climáticas. Os estudos do(s) clima(s) da bacia hidrográfica serão os responsáveis pelas informações do melhor uso do vale fluvial. O regime pluvial que age mais imediatamente não é uniforme sobre a bacia, pois existem os períodos de chuva e de estio. Entender se há uma perturbação no clima, via desmatamento e/ou emissão de gases e particulados, entre outros.
Geomorfologia-Geologia: lagos artificiais com quilômetros de extensão fazem agressão maior ao meio ambiente. A fonte do material para a construção de barragens também deve ser pensada, de onde conseguir areia, pedra, madeira em quantidades gigantescas? A capacidade do reservatório, além do que a bacia de acumulação não pode ter falhas geológicas. Outro fator que pode alterar a capacidade do reservatório é a sedimentação no seu leito pelo material carreado pelo fluxo do rio, oriundo de margens desmatadas sujeitas à erosividade/erodibilidade.
Hidrografia: o sistema hidrográfico deve ser compreendido em seu espaço total como relevo, bacia hidrográfica, solo, subsolo, fauna, flora e composição social. Isso para obter o máximo de informações da área afetada, partindo do item principal, a bacia hidrográfica como vetor de uma intervenção social. As variações climáticas, que ocorrem em algum ponto da bacia hidrográfica são fatos influenciadores do quadro de aproveitamento ou não de suprimento de massa de água para produção de energia e controle do nível do reservatório.
Situação Geoeconômica: a infraestrutura essencial para a criação ou expansão de energia elétrica é, para o espaço total da obra, uma importante matriz de transformações em quase todas as escalas sociais. Isto deverá ser pensado no sentido de se justificar, dentro do quadro de responsabilidade ética e social, a necessidade ou não de fazer o empreendimento. Aí se incluem o espaço total da obra e os custos para a sociedade nacional frente ao capital mundializado, pois a energia produzida irá para as grandes empresas/indústrias mundializadas, sejam nacionais ou não.
Mercado: uma usina hidrelétrica é uma fábrica de energia, portanto, um empreendimento industrial, e por isso não pode, para o bem da sociedade democrática, se descuidar da agressividade dos mercados financeiros. É necessário pensar na lucratividade que justifique e repare os danos ambientais (sociais e naturais) e o gasto efetivado; faz-se necessária uma maior e efetiva distribuição da energia elétrica para todos, sem distinção de classe social ou meio rural ou urbano e com condições compatíveis de uso/pagamento para cada classe.
Porto Velho (RO) - Vista aérea da BR-364, rodovia que terá cerca de 20 quilômeros inundados se forem construídas as usinas de Santo Antônio e Jirau, segundo o Ibama. Ao fundo, o rio Madeira, para o qual estão projetadas as hidrelétricas
No aspecto geográfico, não há nenhuma grande obra que provoque grandes alterações no meio natural e social como as barragens de grande escala, principalmente em ambiente tropical. O lago artificial torna-se um elemento novo na paisagem, e isso tem reflexo na estrutura social e econômica.
Os Capitais: o investimento de capital para a escolha do projeto definitivo é feito com base na fisiografia, e não pelo capital, embora seja este que escolha dentro do quadro fisiográfico o sítio mais bem adequado ao seu retorno valorizado e ampliado do lucro. O estudo da viabilidade e retorno social e econômico da usina deve ser verificado ao máximo de rendimento pela produção total, pela capacidade plena de geração de energia.
Impactos das Hidroelétricas: durante a construção da barragem, a paisagem afetada pela obra modifica-se. Tirar-se terra e rochas de um ponto e esse ponto provedor de matéria-prima deve ser pensado no conjunto da obra, para colocá-las em outro lugar; o rio é retirado de seu leito original, por um desvio e as ensecadeiras são construídas, uma enchente não prevista pode arruinar tudo; os acidentes de trabalho devem ser evitados ao máximo. Com a barragem, todo o espaço total preexistente é alterado, os agroecossis agroecossistemas são submersos, roças, pastos, casas, florestas; nasce uma nova paisagem aquática, há outra estratificação térmica fluvial (hipolímnio, metalímnio e mesolímnio).
Espaços Herdados da Natureza: a um comprometimento nos geossistemas, a vida silvestre em seus diversos habitats é alterada pelo lago artificial e a fauna ictiológica fica comprometida, principalmente em sua diversidade de espécies. Muitos peixes morrem pelas águas anóxicas e há uma perda incomensurável de biodiversidade e de propriedades fitoquímicas e de etnoconhecimento, que devem ser encaradas como estratégia para o desenvolvimento da produção de conhecimento em prol da sociedade nacional.
Alterações Territoriais: uma usina hidrelétrica ou hidrocentral, desde o seu processo de planejamento e construção até seu funcionamento, é uma das obras que um determinado grupo dominante impõe a outras classes sociais, apropriando-se da natureza e transformando-a. Para os grupos sociais mais fracos na articulação/implementação da usina a situação dificilmente permanece a mesma, geralmente piora, pois até recriarem os seus modos de vida, a situação econômica, as relações sociais, entre outras, podem levar décadas.
Revista Geografia
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