domingo, 6 de setembro de 2009

Fantasma da Guerra Fria reaparece em Honduras

31/08/2009
Ginger Thompson
Em Tegucigalpa (Honduras)
O golpe aqui em Honduras trouxe de volta muitos dos fantasmas da Guerra Fria da América Central, mas poucos tão polarizadores quanto Billy Joya, ex-capitão de polícia acusado de ser o antigo líder de um esquadrão da morte.

Ele não voltou de mansinho à política nacional. Fez sua reaparição num popular talk show noturno, apenas algumas horas depois que tropas tiraram o presidente Manuel Zelaya da cama e o colocaram num avião para fora do país.

A deposição de Zelaya trouxe de volta muitos
dos fantasmas da Guerra Fria da América Central


O propósito de Joya, disse ele, era defender o expulsor e ajudar a acalmar um público que só se libertou de um regime militar há apenas três décadas. Em vez disso, ele disparou alarmes entre ativistas dos direitos humanos de todo o mundo, que temiam que os piores elementos da força militar hondurenha estivesse assumindo o controle.

"O nome Billy Joya ecoava muito mais que Micheletti", protestou Joya, talvez de forma exageradamente enérgica, referindo-se ao chefe do governo atual, Roberto Micheletti, designado pelos militares. "Imediatamente, minha imagem estava em todos os lugares".
As imagens conflitantes de Joya - uma figura difamada que se retrata como vítima - são tão difíceis de conciliar quanto sua história de vida. Grupos defensores dos direitos humanos o consideram um dos mais cruéis ex-operadores de uma unidade militar apoiada pelos Estados Unidos, conhecida como Batalhão 316, responsável por sequestrar, torturar e assassinar centenas de esquerdistas suspeitos durante a década de 1980.

Hoje, Joya, 52 anos, casado e pai de quatro filhos, se tornou consultor político para algumas das pessoas mais poderosas do país, incluindo Micheletti durante sua fracassada campanha presidencial, no ano passado. Agora que Micheletti assegurou efetivamente esse posto, Joya tem ressurgido novamente como um ponto de contato sofrível entre Micheletti e a mídia internacional.

Joya parece sair do elenco principal, mas não para ocupar o papel de assassino. Ele tem o jeito mais suave e elegante de um líder. Nos 14 anos desde que ele foi inicialmente levado a julgamento, sob acusações de deter ilegalmente e torturar seis universitários, ele empreendeu uma busca solitária - que às vezes pode beirar a obsessão. A intenção é não só se defender, mas também justificar a antiga luta do governo contra o comunismo.

Em 1995, ele publicou um volume de 779 páginas com clippings de notícias de jornais, registros governamentais e de agências de direitos humanos, a fim de respaldar a narrativa militar sobre a Guerra Fria, que essencialmente acusa seus oponentes de também terem as mãos machadas de sangue. Em 1998, depois de viver alguns anos em exílio na Espanha, Joya disse ter sido o primeiro e único militar a se entregar para julgamento.

"Nenhuma vez, nesses 14 anos, houve qualquer prova legítima que me associasse a esses crimes", disse ele. Em relação às organizações de direitos humanos, ele disse: "O que eles têm feito é me condenar na mídia, pois sabem que, se continuarem com os casos nos tribunais, vão perder".

As chances parecem estar do lado de Joya. Em 1989, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que as forças armadas hondurenhas foram responsáveis por abusos sistemáticos contra opositores do governo. Ainda assim, nos 27 anos depois que o país voltou ao regime civil, dizem autoridades, os tribunais hondurenhos só transferiram dois oficiais militares - Col. Juan Blas Salazar Mesa e Lt. Marco Tulio Regalado -, que responderam por violação aos direitos humanos.

Apenas cerca de dez outros oficiais enfrentaram acusações formais. A maioria dos casos, como aconteceu com Joya, permaneceu sem solução por um sistema judicial que ainda é debilitado pela corrupção.

Enquanto isso, Joya não sofreu em silêncio no limbo jurídico-legal. De algumas formas, ele nem sofreu. Seus negócios como consultor de segurança e conselheiro político para alguns dos membros do governo eleitos e executivos mais poderosos do país têm sido lucrativos.

"Ele é como um daqueles homens que foram para o Vietnã", disse Antonio Tavel, presidente da Xerox em Honduras. "Um dia, ele já teve um trabalho feio, mas agora é um homem de família".

Joya é filho de um homem de negócios que ajudou a iniciar várias empresas de sucesso em Honduras, mas perdia mais dinheiro no jogo do que ganhava. Joya, um dos quatro filhos, disse ter se alistado à academia militar aos 14 anos, principalmente como uma forma de obter independência cedo.

Ele foi expulso da academia, conforme contou, quando um professor o flagrou colando numa prova. Porém, em vez de desistir de seu sonho, ele se alistou como soldado raso e, em dois anos, se tornou o sargento mais jovem do exército.

Joya se uniu à polícia militar e, em 1981 - enquanto o governo de Reagan gastava dezenas de milhões de dólares para transformar este país pobre na principal área para uma guerra velada contra os grupos de guerrilha esquerdistas da região -, Joya disse que ele e 12 soldados hondurenhos receberam seis semanas de treinamento nos Estados Unidos.

Ele admitiu ter seguido o caminho para se tornar membro do Batalhão 316. No entanto, é aí que sua versão dos fatos diverge da de seus acusadores. Ele foi acusado de 27 crimes, incluindo detenção ilegal, tortura e assassinado.

O caso mais notável envolveu a detenção ilegal e a tortura de seis estudantes universitários, em abril de 1982. Os estudantes contaram terem sido presos em celas secretas durante oito dias. Nesse período, declararam os estudantes, eles foram mantidos de olhos vendados e despidos, não receberam água nem comida, e foram submetidos a espancamentos e tortura psicológica.

Entre os detidos estava Milton Jimenez, que mais tarde se tornou advogado e membro do Gabinete de Zelaya. Em 1995, Jimenez contou ao jornal The Baltimore Sun que oficiais do batalhão o colocaram diante de um esquadrão de artilharia e ameaçaram atirar nele.

"Eles disseram que estavam terminando minha cova", disse Jimenez, na época. "Eu estava convencido de que iria morrer".

Edmundo Orellana, ex-procurador geral de Honduras e primeira pessoa a tentar levar a juízo crimes contra os direitos humanos, disse que era "um absurdo" que Joya ainda estivesse livre.

"Billy Joya é a prova de que o regime civil tem sido uma fraude cruel com o povo hondurenho", disse Orellana. "Ele mostra que a ignorância e a cumplicidade ainda reinam dentro de nossos tribunais, especialmente quando se fala das forças armadas".

Absurdas, replicou Joya, são as acusações contra ele. Após sua aparição na televisão, ele disse ter recebido tantas ameaças que ele teve de levar sua mulher e filha mais nova para os Estados Unidos. Ele agora só volta para Honduras esporadicamente para reuniões com clientes.

Lendo atentamente dezenas de clippings de jornais e súmulas de tribunais durante uma entrevista, Joya argumentou que o Batalhão 316 só foi estabelecido dois anos depois da detenção de Jimenez, e que se tratava de uma unidade técnica especializada em interdição de armas, não em contra-insurgência.

Joya também argumentou que o testemunho dos antigos estudantes contra eles está cheio de contradições. Ele disse, por exemplo, que Jimenez desmentiu sua acusação de que Joya estaria envolvido em seus interrogatórios.

"Nunca fui responsável por deter pessoas, torturá-las ou fazê-las desaparecer", disse Joya. "Mas se eu tivesse recebido essas ordens, tenho certeza de que as cumpriria, pois fui treinado para obedecer. A política na época era: 'Comunista bom é comunista morto'", continuou. "Eu apoiava essa política".

Tradução: Gabriela d'Avila

The New York Times

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