quarta-feira, 15 de julho de 2009

A importância da China na resolução da questão nuclear na Península Coreana


A importância da China na resolução da questão nuclear na Península Coreana
Wilson Tadashi Muraki Junior
Os recentes desenvolvimentos em matéria de segurança no Nordeste Asiático apresentam-se como grandes desafios para a comunidade internacional, especialmente para os países da região. Assim, a nuclearização da Península Coreana é um assunto que incomoda também a China, e, ainda que a Coréia do Norte seja reconhecida como sua aliada, o aumento das provocações de Pyongyang é um assunto para o qual Beijing deve desenvolver novas fórmulas de ação, já que é provável haver um esgotamento daquelas mais tradicionais, características do relacionamento bilateral recorrente nos últimos anos.

A China tem sido o grande ponto de apoio do regime comunista da Coréia do Norte, enviando comida e energia e, ao mesmo tempo e com o suporte russo, evitando a aprovação de novas sanções pelo Conselho de Segurança da ONU que punissem de forma mais severa os caprichos de Pyongyang. Desse modo, a China mantém-se como centro da órbita de influência que incluiria o país vizinho, ou seja, seria um espaço natural de projeção dos interesses chineses.

Nesse sentido, uma maior aproximação do modelo sócio-político da Coréia do Norte com aquele existente no território sob domínio do Partido Comunista Chinês seria uma demonstração clara do poder da potência em ascensão e, mais do que isso, também representaria um modelo que poderia ser seguido por outras sociedades em diversas localidades. Assim, a combinação de regime político comunista com gradativa abertura econômica sob controle do Estado, que são aspectos que resumem de forma sintética o modelo chinês, embasaria um arquétipo de ‘alternativa chinesa’ ao predomínio das democracias liberais de economia de mercado do Ocidente.

A aplicação disso ao caso da Coréia do Norte poderia assemelhar-se ao crescimento econômico que a China mesma tem testemunhado, ao mesmo tempo em que a viabilidade macro-estrutural também garantiria a própria viabilidade do governo de Pyongyang, que é em essência comunista e, se não totalmente fechado em si mesmo, ainda assim pró-Beijing. Talvez fosse a única maneira de, no longo prazo, assegurar-se a permanência do modelo político do pequeno país comunista.

Algo semelhante a abertura econômica tem acontecido, mas isso é mais fruto de cooperação derivada da aproximação das duas Coréias em anos anteriores do que da própria adoção de um modelo parecido com o chinês de Deng Xiaoping. O pólo industrial de Kaesong conglomera, em território norte-coreano, empresas do Sul que se utilizam da mão-de-obra barata daquele país para a confecção de produtos a preços baixos. Além disso, Kaesong é importante fonte de renda para o próprio governo de Pyongyang. Nesse sentido, longe de ser algo como ‘zona econômica especial’, em que há incentivos para investimentos privados em ambiente estável, Kaesong é fruto do pragmatismo encontrado entre os dois países, cujas regras de funcionamento mudam de acordo com a discricionariedade do governo comunista, ao mesmo tempo em que rígidas leis de controle de informações permanecem coibindo inclusive sul-coreanos que trabalham no empreendimento.



Desse modo, além de a Coréia do Norte já não parecer seguir o caminho que mais seria conveniente à China, também as suas recentes demonstrações unilaterais de poder colocam os governantes chineses numa difícil situação, já que forças contraditórias influenciam suas atitudes para com Pyongyang. Como já mencionado anteriormente, o ideal paraBeijing seria a adoção, pela Coréia do Norte, do seu modelo político, econômico e social. Por outro lado, o pior cenário seria o da falência do regime do país vizinho, com a imediata macro-desestabilização dos seus fundamentos sociais (e conseqüente emigração em massa para o território chinês), e posterior reconstrução sob o modelo de uma democracia com economia de mercado e reunificação com o Sul, consagrando-se a construção de uma Península Coreana unificada sob os auspícios do Ocidente.

Nesse sentido, tendo-se em conta que nenhum dos dois cenários é provável no curto prazo, seria relevante para Beijing buscar uma solução para a radicalização do discurso e aumento do poder militar da Coréia do Norte justamente para que se evite uma corrida armamentista na região. Definitivamente, não é interessante para a China deixar de ser o único país nuclear no Extremo Oriente, testemunhando, por exemplo, o ressurgimento do poderio japonês. Além disso,já que busca maior importância global, tampouco seria interessante ser taxada como país incapaz de controlar um pequeno regime sobre o qual tem influência, ou irresponsável por não condenar atitudes que violam de forma tão explícita fundamentos do sistema internacional.

Assim, os desafios que se colocam a Beijing relacionam-se à busca de punição de atitudes extremas, mas que não desestabilizem Pyongyang. O processo de desnuclearização da península, assim, seria conveniente para a China, mas o preço que isso teria limita as suas ações. Nesse sentido, a China, em conformidade com a Rússia, de fato apoiou a aprovação de resolução condenatória por parte do Conselho de Segurança, mas, por mais que se tenha divulgado uma suposta mudança da posição chinesa, ambas mantiveram a oposição a medidas realmente coercitivas.

As recentes demonstrações de poder da Coréia do Norte, que envolveram um teste nuclear, lançamento de vários mísseis e endurecimento do discurso, possuem um direcionamento tanto externo como interno. Ao mesmo tempo em que o país busca instrumentalizar o seu ganho de poderio militar como fonte de barganha em negociações, como já realizou antes, buscando reduzir o atual tom mais duro da vizinha do sul e chamando a atenção do novo governo norte-americano, também a questão da sucessão de poder ganharia outra conotação, já que o enfraquecimento físico de Kim Jong-Il não seria associado a uma eventual decadência do regime.

Assim, a China, que é tida como ator-chave na resolução do impasse, pode encontrar maior espaço de manobra para ganho de influência na região, mas deve, para isso, mostrar-se forte e confiável o suficiente para que Pyongyang deixe de enxergar nas relações bilaterais com os Estados Unidos a forma de garantia de reconhecimento internacional do seu regime. O respaldo total e constante da China à Coréia do Norte, que também incluiria aumento da ajuda em matéria energética, de alimentos e financeira e, em contrapartida, abertura gradual ao restante do mundo aos moldes daquele vivenciado na primeira nos últimos 30 anos, reduziriam não somente a necessidade de Pyongyang de fazer testes e, assim, conquistar reconhecimento e poder de barganha, mas também a própria tensão existente no Extremo Oriente.

Desse modo, a China possui capacidade de oferecer respaldo à Coréia do Norte, mas também impõe exigências, e é isso o que gera um sentimento de desconfiança. A grande questão que se desenha é, portanto, se Pyongyang pode passar a enxergar na grande vizinha apoio irrestrito para um tipo de inserção internacional mais equilibrado, mas que da mesma forma assegure a continuidade do regime. Por fim, a China é um poder em ascensão, que busca exportar seu modelo político-econômico, mas não parece possuir, ainda, reconhecimento de que seja uma alternativa viável aos Estados Unidos.

Wilson Tadashi Muraki Junior é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais – LARI (murakitadashikun@hotmail.com).

Boletim Meridiano 47

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