por Gianni Carta
O envelhecimento da população, com seus efeitos sobre a economia, torna-se questão central nos países ricos. A Europa discute a extensão da idade para a aposentadoria
Há dois anos, Jean-Pierre Dalembert era descrito por seus colegas de trabalho como um eficaz funcionário da biblioteca pública de um bairro parisiense. Em 2008, ao completar 65 anos teve, de acordo com a legislação então vigente na França, de se aposentar. “Por que um homem física e mentalmente em forma deve parar de trabalhar se está apto a exercer as funções exigidas pelo seu emprego?”, pergunta Dalembert. Esbelto, habituado a longas caminhadas diárias, o aposentado dá mais um gole de café antes de acrescentar: “Além do mais, por causa da atual crise econômica a questão não é nem se eu quero continuar no emprego. Preciso trabalhar para sobreviver”.
Em consequência da crise financeira mundial, a França promulgou neste ano uma lei que permite aos cidadãos de até 70 anos trabalhar nos setores público e privado. Dalembert não foi beneficiado por ter sido obrigado a se aposentar poucos meses antes de a nova legislação entrar em vigor.
Em março deste ano, dois juízes britânicos entraram com uma ação na Corte de Justiça Europeia, em Luxemburgo, para estender a aposentadoria obrigatória para além dos 65 anos no Reino Unido. Os magistrados Stuart Southgate e Jeremy Varcoe, ambos de 70 anos, alegam que há discriminação contra idosos no mercado de trabalho. Não há, no Reino Unido, nenhum artigo da lei trabalhista que permita aos mais velhos recorrerem contra eventuais discriminações. Isso apesar de, em 2007, o país ter aprovado regras que, em tese, deveriam garantir igualdade de oportunidade a idosos.
A Corte de Justiça Europeia não acatou a ação dos juízes para não interferir na política econômica do premier Gordon Brown. O tribunal ressaltou, porém, que as cortes britânicas precisam justificar sua posição em defesa da obrigatoriedade da aposentadoria aos 65 anos. Por consequência, o debate acabou relançado no dividido Parlamento em Londres, que deverá se pronunciar ainda em abril sobre a idade de aposentadoria obrigatória.
Se por um lado a recessão e seu impacto nos cidadãos aposentados é uma realidade que precisa ser confrontada pelos governos, por outro esse período de vacas magras acelerou um antigo debate na Europa: como lidar com o espectro da chamada “bomba demográfica”? Veja o caso do Reino Unido. Em agosto de 2008, pela primeira vez na história, o número de aposentados excedeu o de jovens com menos de 16 anos. Quatro décadas atrás, os adolescentes correspondiam a 25% da população. À época, apenas 15% dos cidadãos tinham mais de 65 anos.
Progressos nos setores econômico, médico e de serviços universais de proteção social criaram uma saudável geração de baby boomers, os nascidos após a Segunda Guerra Mundial e agora em idade para obter a aposentadoria. Se pudessem e quisessem, senhoras e senhores dessa privilegiada geração poderiam trabalhar longos anos a mais do que os permitidos pela atual legislação numa União Europeia onde a vasta maioria pode requisitar a aposentadoria aos 60 anos – e todos têm de se aposentar aos 65. A UE pretende, por meio do Tratado de Lisboa, postegar a idade da aposentadoria, em mais um passo para aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho no continente, considerado rígido em demasia.
Segundo dados fornecidos pela Eurostat, o IBGE da União Europeia, a expectativa média de vida na Europa aumentou oito anos desde 1960, e deverá crescer mais cinco anos até 2050. O porcentual de europeus com mais de 65 anos de idade deverá saltar de 16%, em 2000, para 27,5%, em 2050. A expectativa média de vida será então de 79,7 anos para os homens, e de 85,1 anos para as mulheres. Se em 2000 a fatia da população europeia com mais de 80 anos correspondia a 3,6% da população, 10% dos cidadãos europeus terão acima dessa idade em 2050. O segmento da população centenária é aquele que cresce mais rapidamente na Europa.
Ao mesmo tempo, o atual número médio de filhos por mulher (1,5) contribui para o envelhecimento do Velho Continente. Fluxos migratórios que trazem mulheres mais propensas a procriar – e jovens dispostos a conseguir empregos – poderiam compensar a baixa fecundidade. Mas isso só acontecerá se os governos europeus não erguerem maiores barreiras para manter a mão de obra não europeia longe. No momento, o que se vê são reações em sentido contrário, com o aumento de restrições a imigrantes, principalmente os menos qualificados para o mercado de trabalho.
Um indicador relativo ao envelhecimento do continente sobressai: o número de habitantes em idade produtiva (de 15 a 64 anos) nos 27 países da União Europeia deverá diminuir em 48 milhões de indivíduos até 2050, segundo a Eurostat. Por tabela, a taxa de dependência de aposentados na força ativa duplicará. Se atualmente quatro pessoas ativas sustentam um aposentado no Reino Unido, em 2050 apenas duas pessoas sustentarão aqueles com mais de 65 anos.
Numerosos economistas argumentam que, se a idade de aposentadoria obrigatória não for alterada, haverá um aumento explosivo de despesas em uma Europa com um déficit público já bastante elevado. O caso da Itália é um dos mais inquietantes. Com uma dívida pública correspondente a 109% do Produto Interno Bruto (a terceira maior dívida do mundo), e prevista retração econômica neste ano, a Confindustria (confederação industrial italiana) e o Fundo Monetário Internacional alegam ser urgente uma reforma no sistema previdenciário. Só assim o governo poderia manter os investimentos no setor público e lidar com o nível crescente de desemprego.
Reformas na previdência não renderiam, porém, frutos no curto período de doze meses. Além disso, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi reluta em colocá-las em prática. E não é difícil compreendê-lo: sua tentativa de reformar o sistema levou-o à renúncia durante a primeira passagem pelo cargo, em 1994.
Uma rápida avaliação da quantidade de cidadãos entre 60 e 64 anos que fazem parte da força ativa de trabalho demonstra como a Itália está abaixo das expectativas europeias. Segundo o Banco Central Europeu, 19% dos italianos trabalham nesta faixa etária, ante 33% na Alemanha e Espanha, 45% no Reino Unido, e 60% na Suécia.
“A sociedade vai precisar cada vez mais das contribuições econômicas e financeiras de cidadãos mais idosos”, afirma George Magnus, economista sênior do banco de investimentos UBS, em entrevista à CartaCapital. “Os custos sociais e econômicos de um crescente número de inativos acima de 60 ou 65 anos será muito superior ao do que se eles estiverem empregados”, acrescenta o economista, autor do livro The Age of Aging (A Era dos Idosos). Isso, claro, deve-se a dois fatores: quem permanece na força ativa de trabalho paga impostos e “consome, criando, assim, receita para terceiros”.
Na França, o Partido Socialista e sindicatos como a Confédération Nationale du Travail se opõem à nova lei de aposentadoria aos 70 anos. De acordo com a CNT, a mudança “representa um inaceitável ataque frontal contra aqueles que trabalham sob as mais difíceis condições”. O website oficial da CNT cita um dos principais slogans da campanha presidencial de Nicolas Sarkozy: “Trabalhar mais para ganhar mais”. E acrescenta: “Não, a versão moderna é ‘trabalhar mais para morrer de fome na rua’”.
Em seu ateliê em Montparnasse, no centro de Paris, Marie Lefrançois, de 67 anos, pinta um gato, onipresente animal em várias de suas obras. “Vou trabalhar até a morte. Ademais, minha aposentadoria jamais seria suficiente para eu sobreviver. Mas o meu trabalho me traz enorme prazer, enquanto aquele do operário de uma fábrica pode ser um inferno”, observa.
No bar do trem Eurostar para Londres, o afável barman britânico de 50 e poucos anos critica Arsène Wenger, técnico francês do Arsenal, um dos mais populares times de futebol de Londres. Eis o diálogo: “Você sabe qual é o problema de Wenger?” Não. “Ele é avaro como a grande maioria dos franceses.” Como assim? Com visível prazer pela minha aparente ignorância futebolística, completa: “Ele poderia ter comprado o Cristiano Ronaldo antes de o jogador assinar o contrato com o Manchester United. Isso em 2003. Mas Wenger não ofereceu o suficiente. E o dinheiro nem era seu, fazia parte do orçamento do Arsenal”. O indignado barman continua: “Wenger deixou de comprar um grande jogador que teria tornado seu time muito melhor”.
Do futebol, o barman passou à aposentadoria. Segundo ele, os franceses “começam a falar de sua aposentadoria já com 20 e poucos anos”. Ele abre a garrafa de água Perrier e a coloca no balcão, apresentando, em seguida, um copo de plástico. “É verdade, eles querem trabalhar o mínimo possível.” Talvez, sugiro, trabalhe mais quem gosta de seu emprego e menos quem tem empregos desgastantes. “É isso mesmo”, diz um senhor de espessos cabelos brancos e sotaque americano, o único outro passageiro, para a sorte do barman demasiado apegado a estereótipos, presente no vagão. Sentado ao lado de uma janela, o americano acrescenta: “Tenho 69 anos e continuo ativo. Mas, se eu trabalhasse em uma mina de carvão, estaria, é claro, aposentado”.
Em Londres a discriminação contra os idosos que fazem parte da força de trabalho parece ser tão transparente quanto em Paris. Mas, a despeito de a idade de aposentadoria ser ainda 65 anos no reinado, o debate deste lado do Canal da Mancha parece mais acirrado do que em Paris. Talvez a discrepância resida no fato de que, na porção francesa, a legislação que permite a extensão da idade obrigatória para a aposentadoria tenha sido resolvida rapidamente no Congresso. No reinado, em contrapartida, a discussão está na boca do povo e a imprensa britânica oferece amplo espaço ao tema.
O caso da popular socióloga e feminista Sheila Rowbotham sustenta a tese acima. Quando, no ano passado, Rowbotham, então com 65 anos, foi despedida da Universidade de Manchester, a campanha “Save Sheila” ganhou notoriedade global. Rowbotham, apontada por Simone de Beauvoir, em 1983, como uma das maiores pensadoras em atividade do mundo, recebeu o apoio de intelectuais de Itália, França, Espanha, Irlanda, Israel e Estados Unidos. Diante de tamanha manifestação global, a Universidade de Manchester voltou atrás, mantendo-a no cargo. Rowbotham, agora com 66 anos, continua a lecionar.
Magnus, o economista do banco UBS, argumenta que sucessivos governos britânicos preferiram, até agora, não abolir a lei de aposentadoria obrigatória aos 65 anos “porque quiseram satisfazer os interesses políticos e econômicos dos patrões, os quais não apreciam os custos e consequências de manter empregados idosos na força de trabalho”.
Sobre se existe, de fato, discriminação contra idosos, Magnus responde: “Sim. A percepção é que idosos são menos produtivos, menos capazes de aprender e de se adaptar”. Em algumas ocupações, continua o economista, essas alegações podem ser verídicas, por conta das condições físicas de certos idosos. Mas, acrescenta, em várias outras tudo não passa de “puro preconceito”.
Segundo o autor de The Age of Aging, quem tem mais de 65 anos pode exercer (e exerce) várias funções no mercado de trabalho britânico. Vários deles ocupam vagas nos setores de serviços, nas áreas de turismo, consultoria, pesquisa e educação, sociais e de saúde. Magnus conclui a entrevista em tom otimista: “Se o mercado de trabalho incluir pessoas da terceira idade, a discriminação contra os idosos poderá ser resolvida, ou ao menos reduzida”.
Patricia Brown concorda. Aos 66 anos, a ex-dona de restaurante francês no elegante bairro de Knightsbridge, em Londres, Brown não cogita parar de trabalhar. Loira e alta, tem a aparência de uma mulher de menos de 50 anos, corre e faz ioga duas vezes por semana. A floricultura que atualmente administra, também em Knightsbridge, lhe dá uma renda considerável. Brown faz parte da geração de baby boomers engajados politicamente – e isso num país onde, segundo Magnus, dentro de cinco anos mais da metade do eleitorado terá acima de 50 anos de idade.
Políticas e políticos terão, portanto, de pensar em como seduzir mulheres como Brown ao organizar suas campanhas eleitorais. Da mesma forma, as agências de publicidade terão de mudar sua visão da terceira idade. Não somente, as pessoas estão vivendo mais, mas seu poder aquisitivo tende a aumentar, ou, simplesmente, continuar no mesmo patamar de quando eram mais jovens.
Pirâmide Reformada
A distribuição etária da população mundial atravessa a maior mudança da história. O processo de envelhecimento é mais visível nos países desenvolvidos, mas ocorre em todos os recantos do globo, numa velocidade sem precedentes. A combinação entre o aumento da expectativa de vida e a queda na taxa de natalidade reflete avanços generalizados no combate a doenças e a melhora da qualidade de vida mesmo nas regiões mais empobrecidas. Ao mesmo tempo, apresenta às gerações futuras o desafio de atender às demandas crescentes de uma população composta de um número cada vez maior de idosos.
Nos primórdios da existência do homem, a vida durava entre 20 e 35 anos, e a média era arrastada para baixo por uma alta taxa de mortalidade durante a infância e a juventude. Por volta de 1900, a expectativa de vida subia para 45 a 50 anos nos países industrializados e começava a se elevar também no restante do mundo. Um século depois, um homem comum pode esperar viver até os 65 anos, na média, ou ultrapassar os 80 anos de idade em algumas economias avançadas, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
A edição de 2007 do Estudo Econômico e Social Mundial da ONU adotou o tema Desenvolvimento em um Mundo que Envelhece. E mostrou que a expectativa de vida no Japão, a mais alta entre os maiores países desenvolvidos, deve subir do atual patamar de 82 anos (registrado entre 2000 e 2005), para 88 anos entre 2045 e 2050. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia não ficam muito atrás, com evolução esperada dos atuais 80 anos para a média de 85 anos no mesmo prazo de cinco décadas. Nos Estados Unidos, as projeções apontam para uma longevidade de 82 anos entre 2045 e 2050, ante os atuais 77 anos.
Para o mundo em desenvolvimento, o relatório traz a promessa de mutações ainda maiores. Como os sete anos a mais de vida a serem conquistados pela população da América Latina (de 72 para 79 anos, nos primeiros 50 anos do século XXI). Ou, no extremo com os piores índices do planeta, a África, a elevação de uma expectativa média de 49 anos, no início dos anos 2000, para 65 anos até 2050.
A distribuição etária da população mundial tende a se afastar da antiga estrutura piramidal. A base será mais estreita em relação ao corpo, que terá de suportar um topo cada vez mais alargado por uma massa de cidadãos com mais de 65 anos. De acordo com o relatório da ONU, “a não ser que o crescimento econômico possa ser acelerado de modo sustentável, essa tendência continuará a impor pesadas demandas à população em idade de trabalho para manter um fluxo de benefícios aos grupos mais velhos”.
A boa notícia é que as mudanças futuras são bem compreendidas e altamente previsíveis. “Ainda que o envelhecimento da população seja inevitável, suas consequências dependem das medidas adotadas para enfrentar os desafios que o processo impõe”, conclui a ONU.
Revista Carta Escola
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