segunda-feira, 27 de julho de 2009

Honduras - Manifestações

Manifestações

A deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya é o primeiro golpe militar na América Central em 16 anos. Zelaya ordenou em 2006 a realização de uma operação para conter a devastação da segunda maior floresta das Américas. Veja reportagem.

Texto: Sérgio Adeodato

Mais da metade do território de Honduras é formado por florestas tropicais. Acima, a Laguna de Ibans, na Reserva do Rio Plátano


No dia seguinte de sua posse, em janeiro de 2006, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya Rosales, convocou as Forças Armadas e ordenou o início de uma operação na selva, da qual fez questão de participar. O objetivo era chamar a atenção da população desse pequeno país da América Central para a sua decisão de transformar as florestas hondurenhas, que cobrem a metade do território nacional, em zona militar. Foi a saída encontrada por Rosales para conter de imediato a devastação da segunda maior floresta tropical úmida das Américas, atrás apenas da Amazônia. Atualmente, 2.300 soldados montam guarda nas matas. Quase mil estão concentrados em uma área que merece proteção especial: a Reserva do Homem e da Biosfera Rio Plátano, um paraíso ecológico de 8,3 mil quilômetros quadrados que corresponde a 7% do território nacional.

Localizada no leste de Honduras, a reserva do Rio Plátano foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1982. O título, igual ao de locais famosos como o Serenguetti, na África, ou as Pirâmides do Egito, demonstra a importância da preservação da área para o planeta. No entanto, desde 1997, a reserva também faz parte de uma lista preocupante. Está inscrita entre os Monumentos de Patrimônio Mundial em Perigo.

Motivos para isso não faltam, como percebemos ao longo da viagem até o município de Brus Laguna, na parte litorânea da reserva. Após uma hora de vôo, partindo da capital hondurenha, Tegucigalpa, chegamos à cidade de La Seiba, um balneário do Atlântico conhecido pelos extensos plantios de palmeiras e pelo carnaval – com desfile de carros alegóricos – que ocorre em maio. De lá, a viagem continuou por mais uma hora e meia de avião, contornando o Oceano Atlântico. Vista do alto, a paisagem parece intocada. São quilômetros de praias desertas, rios margeados por matas e manguezais, lagoas gigantes. Não há sinal de presença humana. Mas, ao aterrissar, foi possível perceber a fumaça tão familiar aos brasileiros, das queimadas para instalar pastos e cultivos agrícolas.

Em Brus Laguna celebrava-se o Dia Internacional da Biodiversidade, em 22 de maio. O lugar é o centro das atenções do programa desenvolvido em Honduras pela GTZ, a agência alemã de cooperação técnica, destinado a harmonizar atividades econômicas e preservação dos recursos naturais. “A proposta é fortalecer os municípios para as ações ambientais e incentivar o uso racional dos recursos naturais para reduzir a pobreza”, explica Andreas Gettkant, coordenador do programa da GTZ.


Moradores de Brus Laguna celebraram o Dia Internacional da Biodiversidade mostrando as suas tradições, como as canoas feitas de árvore Caoba


Moradores de Brus Laguna celebraram o Dia Internacional da Biodiversidade mostrando as suas tradições, como as canoas feitas de árvore Caoba


A pequena vila, formada de palafitas à beira de uma lagoa, estava em festa. As comemorações, promovidas pela GTZ em parceria com a revista alemã Geo e instituições hondurenhas, fizeram com que a comunidade da reserva do Rio Plátano mostrasse suas tradições e a exuberante biodiversidade local. Crianças e adultos participaram, ao lado de cientistas, de pequenas caminhadas para mostrar a riqueza das matas – e as ameaças resultantes das ações humanas.

Rio Plátano abriga 375 espécies conhecidas de aves e cerca de 40 de mamíferos, como o jaguar, o veado-de-coleira-branca e o peixe-boi. Em uma área do tamanho de um campo de futebol, as caminhadas da GTZ, com a participação dos moradores da reserva, conseguiram identificar 70 das 115 espécies de árvores ali existentes. Em outro passeio, de lancha, vistoriamos a Lagoa de Brus, de 120 quilômetros quadrados, um terço do tamanho da Baía da Guanabara. No passado, o local era um paraíso para a pesca esportiva, mas hoje já não tem tanta variedade de peixes. “Houve muita pesca predatória”, acusa o biólogo Alan Gonzáles, refugiado cubano que há cinco anos abandonou a ilha de Fidel Castro a bordo de um pequeno bote. Gonzáles aportou na Ilha de Cannon, na Lagoa de Brus, apaixonou-se por uma nativa e acabou ficando. Hoje, é responsável pela manutenção do lugar, utilizado como apoio para turistas. Ali, 14 canhões apontando para a lagoa são a prova do passado violento da ilha – antigo esconderijo de piratas, como o inglês William Jackson, que, no século 17, se valia dessa posição estratégica para bombardear os barcos espanhóis.

Tráfico e abandono

Da Ilha de Cannon, navegamos mais meia hora em direção à barra que liga a lagoa ao mar. Em uma cabana de palha de pescadores, encontramos o hondurenho Shelbi Wood. Ele se queixa da quantidade de lixo vindo de várias partes, trazido pelas correntes marinhas. A região também é rota do tráfico de droga, transportada em lanchas pelo rio Coco, na fronteira de Honduras com a Nicarágua. A droga de origem colombiana é levada para os Estados Unidos.

“Como o peixe é pouco e não há trabalho, muita gente é usada pelo narcotráfico”, conta Wood. Os que continuam pescando também correm perigo. Elgardo Eude, por exemplo, mergulha até 150 metros de profundidade na lagoa para coletar búzios, vendidos aos comerciantes das cidades. Ele, como outros, utiliza equipamentos velhos. A descompressão é responsável por inúmeros problemas físicos e 33 mortes entre os pescadores nos últimos quinze anos. Atualmente, a associação que reúne os catadores de búzios busca uma alternativa de renda para que a prática seja abandonada.

Muitos catadores vivem na região do rio Twas, na porção norte da reserva, local onde afloram vestígios arqueológicos de civilizações pré-colombianas. Ali existem as ruínas de uma cidade que as lendas locais chamam de Cidade Branca, ainda não estudada pelos arqueólogos, que pode ter sido erguida pelos maias. Grandes peças de pedra branca esculpidas com figuras animais podem ser encontradas nas casas dos moradores. Benito Cooper, um dos líderes dos catadores de búzios, espera que, no futuro, esse material sirva para o sustento das famílias. “Queremos apoio para que as ruínas sejam estudadas e reunidas num parque para visitação”, afirma. Na reserva, há mais de 200 sítios arqueológicos, mas nenhum é protegido.


A população mora em palafitas precárias nas margens e na Ilha de Cannon, que já foi esconderijo de piratas, como mostram os canhões

Cooper, Wood, Granwell. Os sobrenomes dos moradores do Rio Plátano indicam sua história. A região foi por muito tempo ocupada por piratas ingleses que ajudaram os índios a lutar contra os colonizadores espanhóis, após a descoberta da América, em 1492. A reserva, de 47 mil habitantes, agrupa quatro etnias indígenas: pech, tawahka, miskito e garífuna. Além deles, existem os ladinos, que são a maioria, mestiços vindos de outras partes da América Central em busca de oportunidade para plantar e criar gado. “A floresta sobrevive porque é considerada divina pelas crenças das etnias locais”, afirma o jornalista Edilberto Chirinos, nascido em Mosquitia, onde se localiza a Rio Plátano.

A preocupação que levou o presidente a transformar as florestas em zona militar procede. A expansão da pecuária, as queimadas e o corte ilegal de madeira são hoje as maiores ameaças à reserva. Refletem, em menor escala, a situação de todo o país. Em Honduras, são destruídos entre 80 mil e 100 mil hectares de floresta por ano. “Só na província de Olancho, que fica dentro da área protegida, confiscamos, em maio de 2006, mais de 120 mil toras de madeira cortadas ilegalmente”, diz o engenheiro Ramón Lazzaroni, presidente da Administração Florestal do Estado.

Apesar de metade das florestas se concentrar em áreas protegidas, “a maioria só existe no papel”, admite Lazzaroni. Para ele, a hora é de mudar. “Pela primeira vez no país existe vontade política de preservar as florestas”, diz. Espera-se que a presença da força militar reduza as ações ilegais, mas a tarefa é difícil se Honduras não vencer problemas mais amplos, como a corrupção e a violência.

O caminho é longo. Além de aumentar a fiscalização, o governo tem planos de incentivar a exploração das florestas por meio de atividades capazes de criar alternativas econômicas compatíveis e assim reduzir a clandestinidade. Na Rio Plátano, por exemplo, há zonas onde é permitido o aproveitamento dos recursos florestais. Ali, a Cooperativa Agroflorestal Caiful corta 12 diferentes tipos de madeira com permissão do governo, mediante um plano de manejo que respeita o meio ambiente. “Antes do projeto, praticávamos agricultura de subsistência, fazendo queimadas, e cortávamos árvores sem licença”, conta Ricardo Wood, presidente da cooperativa. Hoje, a atividade gera 50 empregos, melhorou a vida dos moradores e se tornou o modelo do que se pretende para o Rio Plátano.

O apoio da Alemanha

O projeto da GTZ, fruto da cooperação entre os governos de Honduras e Alemanha, visa aliar a preservação da Reserva do Homem e da Biosfera do Rio Plátano ao desenvolvimento econômico local. Uma das primeiras medidas foi regularizar a posse de terra no núcleo da reserva, que precisa permanecer intocável e sem atividades econômicas. No total, 140 famílias foram indenizadas para mudar de endereço. Nas zonas em que é possível usar os recursos naturais, estão sendo promovidas atividades que não agridem a natureza, como o cultivo de café sombreado e de cacau em sistema agroflorestal. Segundo a GTZ, essas atividades já estão sendo mais lucrativas do que criar gado mediante a derrubada de árvores. Recursos estão sendo investidos no saneamento e água potável para a população. Em nove anos de projeto, foram gastos 20 milhões de euros do Banco Alemão de Desenvolvimento (KFW).

Só não é maior que a Amazônia

Honduras é o segundo maior país da América Central e também um dos mais pobres. Além de seus problemas econômicos, foi devastada pelo furacão Mitch em 1998, que deixou milhares de mortos e arrasou a infra-estrutura produtiva. Em compensação, é um dos países do continente mais ricos em florestas. Uma parte significativa está dentro da Reserva do Homem e da Biosfera do Rio Plátano, que compõe com outras áreas de proteção o chamado Corredor Biológico Mesoamericano. Trata-se da maior área protegida da América Central e Caribe. A reserva, somada à do vizinho Parque Nacional do Patuca, forma a segunda maior floresta tropical úmida das Américas, atrás apenas da Amazônia. Rio Plátano abriga um mosaico de paisagens importante para a biodiversidade. São rios, praias, canais, pântanos, manguezais e florestas com alta densidade de madeira de lei, parte situada sobre montanhas, como o Pico Morrañanga, de 1.500 metros, e o Punta de Piedra, de 1.326 metros.



Revista Horizonte Geográfico

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