segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A exploração do petróleo...

20 DE AGOSTO DE 2008


...do pré-sal já começou no campo político muito antes
de que se tenha extraído das jazidas um único barril.
Superar essa fase de especulação e encarar a exploração
a sério tem de ser o próximo passo


Ronaldo Soares e Giuliano Guandalini
O Brasil despertou, no ano passado, para uma potencial riqueza depositada nas profundezas de seu litoral: as reservas petrolíferas existentes na chamada camada do pré-sal, situada a 300 quilômetros da costa e a 7 000 metros abaixo da linha d’água. Não se sabe ao certo quanto petróleo existe na região. Nem se sabe com precisão a viabilidade econômica de extrair o produto a uma profundeza equiparável a um Monte Everest abaixo da linha d’água – e em mar alto. Alguns especialistas estimam que possa haver 80 bilhões de barris, quantidade suficiente para alçar o país ao posto de sexta maior potência petrolífera do mundo, à frente da Venezuela. Seria muito petróleo. E muito dinheiro. Pela cotação atual, de 112 dólares por barril, as reservas do pré-sal, se comprovadas, valeriam 9 trilhões de dólares, ou sete vezes o PIB brasileiro. Até pouco tempo atrás, a perspectiva de tamanha riqueza vinha atiçando todo tipo de devaneio nacionalista. Sugeriu-se que o Brasil antecipe seu ingresso na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Falou-se ainda na necessidade de acelerar o projeto do submarino nuclear nacional para defender o tesouro submerso da ganância das potências estrangeiras.

Na semana passada, o presidente Lula saiu do campo da especulação e mostrou as idéias em estudo dentro do governo para fazer dessa dádiva uma riqueza para todos. Em um discurso na União Nacional dos Estudantes (UNE), Lula defendeu mudanças na Lei do Petróleo, que em 1997 quebrou o monopólio da Petrobras e prevê a participação de investidores privados – inclusive estrangeiros – na prospecção e exploração. Para o presidente, a riqueza do pré-sal não pode ficar "na mão de meia dúzia de empresas" e deve ser usada para "resolver o problema de milhões de pobres que estão aí". A frase traduz duas propostas que estão sendo estudadas pelo governo: queimar parte dos recursos das novas descobertas de petróleo em programas sociais; e afastar os investidores privados das megarreservas ainda não licitadas no campo do pré-sal. Lula pediu o apoio estudantil para sua causa e conclamou a população a reeditar a campanha do "petróleo é nosso", do fim dos anos 1940, que culminou na criação da Petrobras, em 1953.


O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, logo interpretou as declarações do presidente como um apoio à sua idéia de criar uma estatal para gerir as reservas descobertas. Desvinculada da Petrobras, a nova estatal (a "Petrosal" ou "Petrossauro", como vem sendo apelidada) seria dona das reservas. Ela não se envolveria diretamente na exploração. Apenas contrataria outras companhias para extrair petróleo em troca de uma remuneração, uma parcela definida do produto obtido. Segundo ele, o modelo seria similar ao utilizado na Noruega (veja o quadro). "Nesse mundo de Deus nada se cria. Na Noruega já funciona assim e está dando certo", disse ele a VEJA. Lobão acredita que é a modalidade na qual o governo mais se beneficiaria. Em sua visão, os recursos a que o governo teria direito seriam transferidos para um fundo que financiaria investimentos sociais. "Não tenho idéia fixa na criação de uma estatal, mas acho, sim, que esse seria o melhor caminho para pagar o lucro devido ao povo." Pela proposta, os contratos de áreas do pré-sal já leiloadas seriam respeitados

Em princípio, o governo tem razão ao tentar adequar o modelo atual de exploração de petróleo a um cenário novo, de abundância. As regras atuais foram pensadas para estimular o investimento de risco de prospectar em condições adversas, nem sempre rentáveis. Portanto, se as megarreservas da camada do pré-sal forem tão ricas como se imagina, faz sentido fortalecer os ganhos de caixa do Tesouro, evitando, com isso, o desequilíbrio dos contratos de exploração. O problema é que a plataforma encampada pelo presidente Lula e por seus ministros ressuscita um nacionalismo extemporâneo que se julgava estar enterrado no baú da história. A atual legislação já dispõe de mecanismos que fazem com que a tributação seja progressiva. Ou seja, quanto mais rentável um poço, maior o volume de taxas recolhido pela empresa que o explora. Se, mesmo assim, o governo julgar que as atuais alíquotas são insuficientes, bastaria aumentá-las. "O atual regime, de contrato de concessão, é perfeitamente adequado à exploração de novas reservas", afirma o geólogo Saul Suslick, do Centro de Estudos do Petróleo da Unicamp. "Não vamos alcançar a eficiência necessária se alterarmos o marco regulatório a todo momento. Isso afugenta investimentos."
Com o fim do monopólio da Petrobras no setor de exploração – um direito que era da estatal desde que ela foi criada, em 1953, por Getúlio Vargas –, o país passou a adotar um sistema de concessão pública que estimulou a concorrência. Isso atraiu investimentos bilionários na última década, sem os quais não teria alcançado a auto-suficiência. Para explorarem o petróleo as empresas pagam atualmente uma série de taxas e contribuições:

• Bônus de assinatura: valor pago à Agência Nacional do Petróleo no leilão de licenças dos blocos de exploração.

• Retenção de área: um aluguel pelo uso do subsolo.

• Royalties: se a empresa consegue retirar petróleo dos poços, paga ao governo um porcentual sobre o valor produzido. O dinheiro arrecadado é dividido entre o governo federal, o estado em que se encontra o poço e os municípios.

• Participação especial: é a compensação financeira que se paga nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade dos campos sob exploração.

Juntos, esses tributos e pagamentos especiais deram ao governo, apenas no primeiro semestre deste ano, 12 bilhões de reais, valor equivalente ao gasto com o Bolsa Família em 2007. Se as reservas do pré-sal se tornarem uma realidade, tudo leva a crer que, mesmo sem mudar o modelo (ou nem sequer elevar as alíquotas dos impostos já existentes), esses valores cresceriam exponencialmente a partir de 2010 com o início da exploração desses poços. Mas o governo sonha em antecipar, para já, parte das receitas futuras do pré-sal. Uma das idéias é emitir títulos no exterior lastreados nessas reservas. O dinheiro seria usado para financiar programas sociais. É aqui que a proposta do governo brasileiro se distancia do tão propagado modelo da Noruega. No país nórdico, os dividendos auferidos com o petróleo são depositados em um fundo soberano. Para impedir a valorização excessiva da moeda do país, esse fundo aplica os recursos apenas no exterior. A lógica não é torrar o dinheiro no presente, mas irrigar as gerações futuras com os benefícios de um ativo do país.

Já no Brasil, o desejo de alguns é fazer o inverso: antecipar ao máximo os lucros que serão obtidos com a exploração dessas jazidas para gastá-las logo, o mais depressa possível. Levando em conta o abismo social entre os dois países, isso pode até fazer sentido. O diabo está nos detalhes. A simples gastança não torna os programas sociais necessariamente mais eficientes. E pode ser pequena a distância entre a simples preocupação social de um país em desenvolvimento rico em petróleo e o populismo autoritário da Venezuela de Hugo Chávez ou da Rússia de Vladimir Putin. A história tem exemplos de sobra de como recursos podem ser desperdiçados sem que a sociedade tire benefício algum. A Venezuela já teve um fundo como o norueguês, mas todo o patrimônio foi espoliado em esquemas de corrupção. Na semana passada, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse não temer esse risco. "Não seremos vítimas da maldição do petróleo", afirmou, referindo-se ao fato de que países excessivamente ricos em recursos minerais tendem a desperdiçar prodigamente essa bênção, sem investir no desenvolvimento futuro da sociedade. Espera-se que a ministra tenha razão. O país só se livrou da dependência energética e alcançou as jazidas ultraprofundas depois de ter sepultado o nacionalismo obtuso e o monopólio estatal. Voltar ao estatismo, sem que nenhuma racionalidade técnica nem uma lógica financeira o sustentem, significa apenas e tão-somente satisfazer um dogma esquerdizante. Isso nada tem a ver com o interesse da maioria dos brasileiros.




http://veja.abril.com.br/200808/p_058.shtml

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