domingo, 5 de outubro de 2008

O maior patrimônio vivo do planeta

Edward Osborne Wilson

"A diversidade biológica brasileira integra o patrimônio
natural do país e, por ser maior que a de qualquer
outra nação, deve ser cuidadosamente protegida"



O Brasil encontra-se diante do dilema de ter de escolher entre cuidar da preservação ambiental e estimular o desenvolvimento econômico. Essa é uma dúvida que aflige todo o planeta, inclusive os Estados Unidos, mas tem desdobramentos especialmente importantes nos países em desenvolvimento que se localizam nas zonas tropicais. Nessas áreas está concentrada a maior parte da diversidade biológica do planeta, mas os recursos necessários para protegê-la são muito escassos. Nesse sentido, o Brasil, com suas dimensões continentais e vastíssima riqueza biológica, deve ser visto como um dos países mais importantes do mundo.

O território brasileiro abriga a maior variedade de habitats e o maior número de espécies animais e vegetais do globo. Na bacia do Amazonas está a mais extensa e intocada das três florestas tropicais remanescentes (as outras duas pertencem ao Congo e à Nova Guiné). A Mata Atlântica, embora esteja fragmentada e mantenha 7% de sua cobertura original, ainda é uma das grandes reservas globais de biodiversidade. Ela foi designada por organizações ambientais como uma das áreas mais ameaçadas entre dezenas de outras em situação semelhante e tidas como fundamentais – aqueles ambientes naturais que abrigam o maior número de espécies ameaçadas de plantas e animais e que estão sob risco de degradação ainda mais intensa, ou mesmo de aniquilamento. Isso vale também para o cerrado, a vasta e biologicamente riquíssima savana tropical.

A diversidade biológica brasileira integra o patrimônio natural do país e, por ser maior que a de qualquer outra nação, deve ser cuidadosamente protegida. O Brasil, claro, colheria os benefícios desse gesto, mas o restante da humanidade também o faria. Quando se contabilizam os pequenos animais, fungos e microrganismos, constata-se que apenas uma pequena minoria – provavelmente menos de 10% – já foi descoberta pelos estudiosos e descrita com um nome científico. Desses, apenas uma fração foi estudada o suficiente para que se conheçam em profundidade todas as suas características e propriedades biológicas.

Há uma necessidade urgente de manter a Amazônia tão intacta quanto possível. Sua vastidão talvez pareça sem limites e indestrutível. Representa, afinal de contas, dois terços do tamanho dos Estados Unidos. Mas a imensa floresta está sendo erodida, num ritmo acelerado. Suas fronteiras diminuem especialmente por causa da expansão agrícola, a partir do sul, e da infiltração de assentamentos na mata virgem, a partir das margens de novas estradas. Não cabe a mim defender posições políticas, mas parece lógico que, se um plano nacional de longo prazo fosse estabelecido, em colaboração com governos estaduais, a Amazônia poderia ser salva em sua maior parte. Mais que isso, tal objetivo pode ser alcançado ao mesmo tempo em que se melhora a qualidade de vida de milhões de pessoas que habitam a bacia do Amazonas. Estudos demonstram que renda adequada para essas populações pode ser obtida pela coleta, sem grande impacto no ambiente, de produtos com finalidade medicinal, combinada à derrubada e ao replantio de várias espécies de árvore com alto valor econômico.

A produtividade agrícola também pode ser muito aumentada pela utilização das terras férteis disponíveis, no lugar dos solos frágeis e pobres em nutrientes que resultam do desmatamento e da queimada. O ecoturismo pode desempenhar um papel muito mais relevante do que acontece hoje. Ampliar o estudo da biodiversidade brasileira certamente trará riqueza econômica, na forma de novos medicamentos, fontes de biocombustível e sementes geneticamente aperfeiçoadas que permitam melhorar a produtividade das lavouras. O resultado dessas inovações será o crescimento econômico. Se seus frutos forem distribuídos com sabedoria, também poderá haver a redução da pobreza.

O aprofundamento das pesquisas vai produzir ainda o conhecimento necessário para preservar as regiões agrestes remanescentes. Para ilustrar essa perspectiva, pode-se tomar como exemplo um dos vegetais candidatos a se tornar fonte de biocombustíveis no futuro: a palma. Estudos realizados na Indonésia (outro país que tem enorme potencial biológico) mostram que, além de ser uma fonte de energia de alta qualidade, a palma pode ser cultivada em florestas tropicais sem causar alterações significativas no ecossistema. A planta pode, inclusive, ajudar a recuperar áreas desmatadas.

A preservação dos habitats presentes nas zonas tropicais e das espécies animais que vivem neles é importante também para estabilizar o seu entorno. A conservação dessas áreas ajuda a manter os cursos d’água e a purificá-los, restaura o solo e diminui o impacto das mudanças climáticas. No entanto, além das preocupações econômicas e ambientais e da necessidade de investir em desenvolvimento sustentável, há uma razão espiritual para a defesa da natureza. Os brasileiros foram abençoados com o maior patrimônio vivo do planeta. É claro que a população do país vai se esforçar para salvar essa maravilhosa herança.

Edward O. Wilson, americano, é biólogo da Universidade Harvard. Uma das maiores autoridades
mundiais em biodiversidade, escreveu os livros Sociobiologia e Diversidade da Vida
http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_228.html

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