quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Grande Estratégia para a Amazônia


Serra Pelada - década de 80

Juarez B. Regis

Participando de vários eventos que abordavam os problemas regionais com a finalidade de subsidiar governos passados, logo percebemos que as grandes soluções não têm funcionado nos dias confusos desta época tecnológica, e que em vez de aliviarem as tensões e os conflitos, produzindo renda e emprego e qualidade de vida, sempre tenderam a aumentar os problemas, além de causarem danos à natureza. Têm-se a impressão de que o ser humano acabou perdendo a noção das dimensões que ele pode suportar, em termos das graves conseqüências, que podem advir com o desequilíbrio da natureza, quando da retirada ou destruição, em grande escala, de riquezas naturais e da implantação de elementos artificiais em ecossistemas frágeis. Percebemos que certas soluções não deram certo, na Amazônia, simplesmente, por que foram feito generalizações, tendo-se colocado os carros diante-dos-bois. Não deram certo quando se partiu para execução de atividades econômicas, principalmente, em se tratando da agricultura e pecuária. Aconteceu que a assertiva “para grandes problemas, grandes soluções”, não funcionou quando grandes projetos, a exemplo do Jarí, como da mesma forma com inúmeros projetos, já abandonados, apresentaram-se como a solução, quando se olhou só o aspecto de grandes extensões de terras. E como governos por esta Amazônia se iludiram com isso.


Na verdade, há muito tempo que os méritos da tecnologia no combate à fome vem sendo anuladas pelo mau uso de produtos químicos ou por aplicações de elementos inadequados a certos ecossistemas frágeis, no mundo. O homem no afã de produzir em grande escala com vista à exportação, não se importa com os prejuízos que venham atingir, nem mesmo a si, no futuro, e assim, continua a contaminar águas, envenenar plantas, frutos e animais, através da bacterização maléfica causada pelos agrotóxicos. Ninguém atenta para o fato de que esses elementos químicos (pesticidas, inseticidas e pulverizantes artificiais) para tratos de plantas e do solo, foram inventados pelos cientistas de países do primeiro mundo, para proteger as culturas de solos de clima temperado, e para melhorar a produtividade daquelas ricas áreas do Globo. Para serem vendidos aos países do terceiro mundo, apenas sofreram meras adaptações para solos de clima tropical, tendo tido bons resultados em países como o México, Chile e a Argentina, onde a qualidade do solo é razoável em comparação com o solo de países de clima temperado. Portanto, sendo a Amazônia possuidora de “solo de clima equatorial diferenciado”, com especificidades próprias, ela não poderá de maneira nenhuma suportar, por muito tempo, aplicações de grandes quantidades de elementos químicos, exigidos pela agricultura moderna, mesmo que, ainda, possam ser usados de maneira correta e por pessoas treinadas e habilitadas. A aplicação “soft” de adubos e defensivos químicos, embora já seja um grande passo preventivo para atenuar o problema da poluição e da saturação do solo, ainda não é o suficiente, e talvez, paralelamente a isso, seja necessário se pensar na administração de novos sistemas produção, novo modelo.

Sebastião Salgado
Eldorado dos Carajás - luta pela posse da terra

A partir dessas considerações, a pergunta que se faz é de como poderia o homem produzir alimentos, de maneira satisfatória, em um ecossistema vasto em terras, rico em flora e fauna, mas com a textura e a proteína do solo deixando muito a desejar? Como poderia ele fazê-lo sem exterminar micro-vidas, e até a macro-vidas, para que estes estejam, sempre, a serviço do próprio homem? Como atender a demanda internacional por alimentos e produtos extrativos das florestas, sem causar danos ambientais, e ainda, contribuir para promover o progresso da população? São perguntas que exigem uma resposta.

Atualmente, todos estão de acordo que os conhecimentos acumulados pelos pesquisadores, nacionais e estrangeiros, ao longo dos anos, dão-lhes condições de responder a essas e outras questões. E eles têm respondido, mas ninguém os ouve. No entanto, o que se vê, por parte dos empreendedores, é a aplicação à agricultura do método de eficiência econômica. E isso tudo com o aval da ala dos governos. Tem-se observado que esse método se aplicado, em grande escala - objetivando a lucratividade através das exportações -, sem uma tecnologia nacional apropriada, provoca desequilíbrios e desarranjos na natureza que se propagam, no tempo e no espaço. Os exemplos disso, podem ser observados nos continentes africano e asiático e em toda a América latina. E nós aqui na geopolítica Pan-Amazônica já estamos sendo vítimas de fenômenos que ironicamente recebem o nome de “El Niño”, o grande culpado, numa forte alusão de que tudo é culpa exógena, referenciado em algo (supostamente Deus) que vem de fora e que, portanto, foge ao controle do homem. Tolo e iludido quem acredita nisso. Verdadeiramente, não há culpado senão o próprio homem.


Dizer – como muitos mandatários já vociferam - que depois das catástrofes pode se incorrer a outras soluções tecnológicas, e que se age conforme os problemas vão surgindo, e que temos o direito de fazer o que bem entender, é dar ensejo a gigantescos dispêndios adicionais, que podem ser evitados, para dar outro destino mais nobre a milhares de seres humanos; aliás seres mais dignos que qualquer outro ser na face da Terra. Para isto, basta que houvesse o respeito a certos princípios originais e às regras ecológicas mais fundamentais. Regras essas que, no caso da Amazônia, indicam o controle biológico na defesa das culturas e o uso de agentes naturais na fertilização do solo de clima equatorial, produzindo para o mercado interno e externo, porém, com os devidos cuidados, para preservar nichos florestais e criar barreiras ecológicas associadas aos cultivares, da grande e pequena propriedade, mesmo que em alguns anos, a produtividade fosse menor.

Se leis e regras (humanas e divinas) fossem respeitadas, haveria um tempo para que novas tecnologias surgissem, contendo elementos químicos apropriados e de uso leve para o solo amazônico. Isso tiraria, com certeza, a carga financeira por demais insuportável do país, que tem que importar da indústria agro-química internacional todo o material necessário. Contudo, enquanto não se aplica essa tecnologia desejável, compete aos produtores, com a promoção de políticas governamentais e com a ajuda do governo e de todas as instituições oficiais, o uso da criatividade para tornar a Amazônia produtiva. Contudo, que se respeite, ao mesmo tempo, as suas características ecológicas em seus mínimos detalhes, para que o impacto ambiental seja o menor possível. Arrisco-me a dizer que, talvez, fosse possível a padronização de “sistemas mistos”, comportando pequenas quantidades de nutrientes inorgânicos, usando, porém, a “prática de rodízios”, descansando um lote produtivo, e recomeçando em outro, e assim por diante, nos demais anexos, até passar o tempo em que o agricultor retornasse ao primeiro, e ao segundo lote, etc,.. “Sem esquecer do convívio dos cultivares com certos nichos ecológicos, formados por ilhas de florestas, servindo como zonas de proteção ou tampão”.(cf. Asioli,Herald, 1980).

Rodovia Transamazônica
"Levar os homens sem terra a terra sem homens"

A Amazônia, todos o sabemos é, atípica, diferente até de outras regiões tropicais. Portanto, deve receber toda a consideração por parte do governo, de empresários e das famílias campesinas para com a natureza. Assim é um equívoco pensar que, ao derrubar a floresta, extraindo madeira e abrindo extensas clareiras para a formação de pastos, se estará prestando um grande benefício à região, somente porque são gerados alguns poucos milhares de empregos. Entendemos que ao defender essas idéias, o empresário está defendendo o seu lado, à sua empresa que corresponde ao lucro sem refletir sobre as conseqüências que se projetarão sobre as futuras gerações. Pensando assim, eles repetem crenças, sem fundamento científico, de que sempre haverá uma nova reciclagem, retro-alimentando o que resta da antiga floresta. A cerca disso, lembramos de Harald Sioli, cientista do Instituto Max Plank, Alemanha, autor de vários experimentos sobre os ecossistemas, após anos de vivência na floresta tropical, que ao fazer um pronunciamento em um Congresso do Trópico Úmido, em Belém, na década de oitenta, alertou que todos deviam ter em mente que, “o acúmulo de áreas devastadas, pela substituição da mata de terra-firme pelos pastos, vai fazendo com que o período das chuvas torne-se mais esparso, e a insolação aumente”. “Desse modo, - diz ele - sem a proteção das folhagens da copa das árvores, das folhas e dos detritos caídos, as enxurradas removem do solo os poucos nutrientes para o fundo dos rios e lagos. A erosão surge, então, em diferentes pontos, e a arenificação (ou a argila enrijecida) passa a ser a nova paisagem. Exemplos de conseqüências assim, temos na Ilha de Mosqueiro e na região de Santarém, entre outros. Para que haja essa transformação nefasta basta que, pelo volume de árvores derrubadas em uma só área, estas clareiras, cheias de cipós retorcidos, se tornem gigantescas a tal ponto de influenciar na pluviosidade e, ao mesmo tempo, fazer a insolação avançar sobre ás árvores em volta que não são capazes de suportar períodos de extensas estiagens”. As experiências de Sioli, servem para nos alertar para o que está acontecendo, atualmente, nos rios da Amazônia, pois embora saibamos que seca sempre houve, nunca tínhamos presenciado uma secura com a magnitude da que ocorreu em 2005, matando uma significativa quantidade de peixes e deixando as populações nativas numa calamidade sem precedentes. O certo é que ainda não existem estudos para verificar se há, realmente, alguma relação entre esse último período de longa estiagem e seca com o volume de árvores derrubadas, principalmente nas cabeceiras dos rios e lagos amazônicos. Fala-se de haver, ultimamente, queimadas nas cabeceiras do rio Xingu. No início dos anos noventa, pude presenciar paisagens de degradação florestal nas cabeceiras e nas margens do rio Curuá-Una, quando ainda trabalha para a Centrais Elétricas do Pará, - Celpa.

Relato de pesquisas diversas e do depoimento de décadas atrás, do fazendeiro de Uberaba, Mário Palmério (escritor do livro Terra dos Confins) - em um jornal amazonense, sobre suas viagens pela Amazônia Ocidental, que fizemos questão de expor no nosso trabalho participativo do Prêmio Banco da Amazônia de Empreendedorismo Consciente, e que agora reiteramos nesse artigo -, deixam patente que a pecuária em solo, da extinta floresta densa, saí muito dispendiosa para o pecuarista, pois requer correções dos desníveis do solo e a limpeza da área de vez em quando. Ao menos que o governo esbanje incentivos fiscais o que voltaria a ser uma loucura. Como economista, temos que considerar os custos elevados que essas atividades acarretam ao Tesouro Nacional, e assim, podemos dizer, sem constrangimento, que o emprego desse modelo de derrubada de floresta densa é, na verdade, um crime de lesa-pátria, sendo pior ainda se for incentivado pelo governo, como já o foi no passado. O fato de haver êxito da pecuária em alguns pontos da Amazônia, como no Acre e no Sul do Pará e em outras sub-regiões, a ponto de se dar ao luxo de exportar o gado em pé, em nada comprova que a vocação regional seja a criação extensiva de gado bovino. Sem entrar na análise dos custos, de um boi em pé com o que é produzido em regiões do Sul, é bom lembrar que se deve ter o máximo cuidado para não generalizar visto que a Amazônia é heterogênea. Nesse sentido, o que é válido para a Pré-Amazônia paraense, pode não o ser para o Alto Solimões, nem para o meu Médio e Baixo-Amazonas, onde heróis criadores perdem, a cada ano, quantidade significativa de suas minguadas reses, seja com o incipiente transporte, seja com afogamento, quebra de pernas, ou raiva, quando não chegam no destino com o peso rebaixado. Assim sendo, as estratégias de desenvolvimento para a Amazônia, mais especificamente, a clássica Região Norte, devem ser urgentemente revertida do enfoque do lucro exacerbado, rápido e fácil, para outro mais holístico e de longo prazo. Desse modo, será possível delinear a convivência pacífica entre a exploração econômica da madeira, a criação de gado e a preservação da floresta.


Mas, como conseguir preservar produzindo ou produzir preservando que tantos mandatários exclamam? Que espécie de gado e que tipo de exploração madeireira? A respeito disso, e levando a sério às recomendações de fazendeiros experimentados como o foi Mário Palmério, e que foram enviadas à associação de fazendeiros de Uberaba, concebemos que o governo deveria, urgentemente, induzir uma maior produtividade da pecuária de corte nos pastos já existente hoje no Acre e sul do atual Pará, e uma pecuária voltada, unicamente, para a produção de carne a ser exportada, semi-beneficiada ou até industrializada, juntamente com o couro, gerando renda e emprego. Paralelamente, estimular o reflorestamento de áreas já devastadas, orientando-o para a agricultura arbórea, com espécies frutíferas ou que contenham essências, otimizando as vantagens das plantas nativas para a extração dos sub-produtos, verdadeiros sucedâneos do petróleo, tais como os vários tipos de álcool, etanol, etileno, hidrocarbonetos, óleos, resinas,dentre outros. Creio que ao fazer o uso dos conhecimentos genéticos já existentes no meio da comunidade científica, esses sub-produtos poderiam ser componentes para experiências laboratoriais em plena selva, por parte de universidades e institutos de pesquisas nacionais, e colocados à disposição do empreendedor nacional, ou mesmo estrangeiro, e assim, fomentar a intensificação de “ecossistemas de negócios”, envolvendo tanto pequenos produtores rurais isolados e grupos familiares quanto grandes empresas rurais capitalistas exportadora, devidamente selecionadas, supridora de insumos para as indústrias urbanas de transformação, localizadas no Brasil e no exterior.

Essa agricultura arbórea, com plantas nativas, domesticadas em áreas circunscritas às áreas de pastagens, e/ou degradadas, poderia conviver de maneira associada com a criação do gado menor, tais como caprinos, ovinos, suínos, porcos do mato, queixadas, antas, capivaras, pacas, sariemas, emas, avestruz e outras aves silvestres, cujas carnes são comprovadas como deliciosas, e que podem assumir excelente valor econômico no mercado internacional, podendo ser industrializadas aqui mesmo, nos frigoríficos existentes, e em outros mais específicos para esse fim, passando pelos principais portos exportadores, como é o caso de Belém, Manaus, Santarém e Macapá que seriam aparelhados para isso. Vejam como não é tão difícil repensar a Amazônia, o que falta é vontade de ato político e o que sobressai são as vias mais fáceis, não importando o futuro.

Acreditamos que existem maneiras mais interessantes de se conseguir a produtividade, a exemplo da Índia, China e outros países asiáticos, seja fazendo o uso do potencial que a própria natureza oferece para construir seus próprios utensílios de trabalho, seja fazendo o uso dos sistemas de rodízio, seja aplicando leves porções de nutrientes químicos, com reduzido custo de produção. É verdade que a Amazônia precisa produzir para exportar. Entretanto, precisa fazer o uso de um novo modelo de produção agrícola, uma vez que dentre todos os solos da América-Latina, o seu solo é mais carente dos principais nutrientes básicos.

Os motivos pelos quais não se deve utilizar o método de eficiência econômica baseado em grandes aplicações de nutrientes artificiais, na Amazônia, e as multinacionais costumeiramente o fazem, são vários: Um deles é que os produtos químicos, que foram pesquisados e criados para zonas temperadas do Planeta, quando aplicados em grande escala em ecossistemas frágeis, fazem com que os solos só respondam, satisfatoriamente, nos primeiros anos de exploração, correndo o risco de haver produtividade decrescente após a saturação do solo, o que pode obrigar o grande proprietário a incorrer a investimentos suplementares em mais aplicações de nutrientes químicos, ou procurar novas áreas o que será muitas vezes mais pernicioso à natureza (clima, plantas, água e peixes) e, demasiadamente, oneroso, ao país. Portanto, fica evidente que, permanecendo o atual modelo, à proporção que os solos das últimas fronteiras agrícolas passem a ficar mais degradados e pobres de nutrientes, cada vez mais aumentarão as toneladas de produtos artificiais que serão usados nas lavouras, e mais hectares de florestas serão queimadas e derrubadas, resultando em efeitos perversos na cadeia trófica, que serão sentidos bem distante do centro de cultivo e produção, pela desordem que pode ficar acarretando nos rios, prejudicando populações urbanas.

Esta análise macro-econômica serve para dar uma idéia de que o quadro que se apresenta para a Amazônia é muito mais delicado e perigoso do que muitos imaginam. Aventureiros estão lidando com terras, que dentro da configuração de trópico-úmido de solo de clima equatorial, dependem, fundamentalmente, das copas das árvores, da umidade das folhas, dos galhos e detritos caídos no chão e de grandes períodos chuvosos, a fim de nutrir as raízes da mata da terra-firme, que são radiculares e distantes dos profundos lençóis freáticos. É esse solo que pode propiciar vida para infinidades de micro-organismos nunca estudados e pesquisados e que podem servir a humanidade. Esse mundo microscópio de vermes, insetos, fungos, musgos e planktons precisam ser, urgentemente, estudados, no sentido de usá-los na criação de defensivos naturais contra pragas e insetos predadores, causadores de doenças, nos animais e no homem. Além disso, o conjunto de seres interdependentes pode conter mistérios a ser desvendados pela ciência para o uso na medicina, na indústria farmacêutica, cosmética, oleaginosa, e em outros setores, constituindo-se no filão de riquezas que podem gerar, no futuro, inúmeras ramificações de empreendimentos e muitas divisas em dólares para o Brasil. Constatado isso, através de uma análise pormenorizada, fica mais fácil perceber de quanto somos medíocres, egoístas, de visão curta, e até que ponto faz-se o jogo ambicioso das multinacionais, em troca de nada, ou seja, da geração irrisória de empregos.

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