Geógrafa defende que a cartografia adote novos padrões para confecção de mapas
Eliana Pegorim
Eliana Pegorim
O mapa acima traz uma anamorfose que representa uma projeção da população do mundo para o ano 2025, em que o tamanho de cada país é proporcional à população (fonte: Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano/1990)
A cartografia pode mostrar outros aspectos do espaço geográfico além das distâncias medidas em metros e quilômetros. É o que propõe a geógrafa Fernanda Padovesi Fonseca. Em sua tese de doutorado, defendida em setembro na Universidade de São Paulo, ela questiona a cartografia tradicional euclidiana como a linguagem ideal para representar a geografia.
"Entre os pesquisadores dessa área, a cartografia está naturalizada como linguagem exclusiva da geografia, mas ela não consegue representar o espaço de modo adequado da forma como é feita hoje", explica Fonseca. "Nos mapas atuais, as distâncias são representadas de modo absoluto e as diferenças sociais são esquecidas. Um condomínio fechado pode estar ao lado de uma favela em um mapa que só verifique a distância em quilômetros, mas as distâncias sociais são enormes", exemplifica.
A renovação da geografia
O movimento de renovação da geografia, iniciado na metade década de 1970, procura tornar a geografia uma ciência social. "O ponto de partida é considerar que o espaço produzido pelas sociedades contribui para o entendimento delas", explica Fonseca.
A idéia de renovar a geografia clássica tem grande força nos países anglo-saxões e na França. No Brasil, o principal defensor do movimento foi o geógrafo Milton Santos (1926-2001). Seus defensores queriam acabar com ambigüidade epistemológica da geografia, situada entre ciências naturais e humanas embora, na prática, tratasse as questões humanas como uma ciência da natureza.
"As ciências da natureza não oferecem elementos para analisarmos o complexo espaço geográfico, construído pelas ações e relações humanas", compara Fonseca. Além disso, os críticos da geografia clássica condenavam o excesso de descrição e a ausência de rigor científico, sobretudo na forma como ela era ensinada nas escolas.
Na opinião de Fonseca, é preciso pensar uma cartografia que represente o novo modo de entender o espaço geográfico defendido pelo movimento de renovação da geografia.
A pesquisadora destaca o exemplo das redes de transportes e comunicações, que mudaram a relação entre as pessoas e espaços. Cidades que linearmente podem ser mais distantes ficaram mais próximas devido à sua posição nessas redes. No entanto, a geografia ensinada na escola ainda se preocupa apenas em investigar e detalhar as paisagens de cada região. Para esse tipo de estudo, a cartografia atual satisfaz.
"Nos mapas-múndi, os oceanos estão em posição de destaque e ocupam muito mais espaço, mas as pessoas vivem nos continentes", diz Fonseca. "Outra base além dos tradicionais metros – da cartografia euclidiana – poderia permitir que, nesse caso, os continentes fossem representados de outra forma que mostrasse a importância relativa de cada um."
Uma nova maneira de representar essas mudanças – ainda pouco explorada no Brasil – é o uso de outros elementos para a confecção dos mapas, como dimensão da população e medidas temporais. Esses procedimentos são conhecidos como anamorfoses.
Embora essa discussão mobilize muitos teóricos da geografia, não se sabe quando ela modificará os mapas usados no dia-a-dia. Segundo Fonseca, ainda há muita resistência a uma nova cartografia entre os próprios geógrafos, o que tem atrasado o desenvolvimento teórico e prático da disciplina. "Além disso, os mapas geométricos estão tão consagrados que a criação de novos mapas concebidos em outras bases terá imensas dificuldades para ganhar espaço e visibilidade", prevê.
Eliana Pegorim
Revista Ciência Hoje
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