Miguel Rocha de Sousa
A globalização tem sido analisada desde tempos imemoriais. No entanto, a globalização tornou-se uma “buzzword” cada vez mais corrente. A globalização tornou-se ela mesmo um fenómeno em si mesmo. Abundam os textos académicos e não académicos sobre esta temática. Com esta pequena nota pretendo apenas salientar o carácter difuso e cada vez mais interdependente da globalização.
Mas afinal o que é a globalização? Será apenas um epifenómeno? Será apenas uma moda?
A meu ver a globalização sempre existiu. Na antiguidade clássica grega e romana, o comércio ligava o Mediterrâneo entre si. Mais tarde, a rota da seda ligou ainda mais as cidades estado italianas. O comércio como fonte de inter-ligação entre as economias parece-me a medida mais viável do grau de globalização; seja ela económica, política e social. Globalização, passe o truísmo, significa tornar-se global.
Hoje em dia, o mundo após o 11 de Setembro deparou-se com o terrorismo à escala global. Madrid, também não foi poupada a esta tragédia. Os mass media tornaram-se os meios privilegiados da acção da própria globalização. A Internet dispõe e predispõe tudo à velocidade de um simples click. A economia tornou-se uma economia do tempo, do custo de oportunidade do excesso de informação. Passámos da massificação da era industrial para a segmentação da era informática. O sistema capitalista renovou-se, as dot com transformaram o mundo, deram origem a gigantescas capitalizações bolsistas, mas de igual modo a crises financeiras.
Um dos desafios mais importantes da sociedade global de hoje é o de conciliar a economia capitalista assente no pilar de mercado, com a distribuição justa, ou pelo menos mais justa do rendimento. O grande desafio a meu ver, é o de como garantir eficiência e simultaneamente mais equidade. Como sabemos este trade-off, eficiência versus equidade tem dominado o pensamento económico moderno, especialmente na vertente neoclássica.
Tem havido economistas menos ortodoxos que advogam soluções para este problema. Nomeadamente o falecido Nobel James Tobin advogava uma taxa sobre os fluxos de capitais de modo a introduzir alguma inércia no fluir do sistema capitalista. As receitas dessa mesma taxa reverteriam para o desenvolvimento dos países mais carenciados.
Ha-Joon Chang , recorrendo a uma análise histórica, demonstrou que o comércio livre tem sido utilizado como panaceia para o sub-desenvolvimento. Mas, de facto, a história descreve-nos que países como os EUA, Inglaterra, França, Alemanha, todos eles de facto cresceram à custa da imposição de tarifas e quotas. Surge assim o célebre argumento de Chang: kicking away the ladder (KAL) – ou seja, os países hoje desenvolvidos cresceram e atingiram a maturidade através do comércio protegido (subiram a escada), e uma vez lá chegados, rejeitam essa via de desenvolvimento aos países em vias de desenvolvimento – o tal pontapé na escada.
Branko Milanovic, investigador do Banco Mundial, num livro também recente procedeu pela primeira vez a uma análise da distribuição mundial do rendimento, através de agregados familiares mundiais. Ou seja, não interessa tanto, nesta análise, a distribuição de riqueza do país, mas sim como cada agregado familiar se posiciona no ranking mundial. Este é também, de novo, um sintoma da globalização, os cidadãos, não são apenas cidadãos dos países, são cidadãos à escala planetária económica. Vivemos, de facto, para utilizar uma expressão mais liberal, à maneira de Pedro Arroja, numa cataláxia. Ou seja, uma verdadeira galáxia das trocas.
Nesta cataláxia para termos uma economia verdadeiramente inclusiva e justa, temos de assegurar que os mais pobres têm de facto oportunidades de crescer e evoluir. Sintomático foi a invenção do micro-crédito por Muhamad Yunus, esse sim um instrumento prático e ao alcance dos mais pobres que promove verdadeira inclusão.
Um dos conceitos teóricos da ciência política mais interessantes é o do critério de análise de bem-estar de acordo com John Rawls. Este critério diz-nos que o bem-estar de todos melhorará, se melhorarmos o bem-estar, como diz a literatura sobre o assunto do underdog, i.e. o que está em pior situação. Se este critério fosse operacionalizável de um modo sequencial, de facto a sociedade melhoraria. Assim um dos desafios da globalização é o de incluir os agentes, isso poderá ser feito utilizando as contribuições de Rawls e Yunus.
Outro ponto interessante é o comércio justo. Até que ponto a teoria neoclássica do comércio livre (partindo dos pressupostos dos modelos de Ricardo, Hecksher-Ohlin, e os mais recentes de comércio intra-industrial de Krugman e Obstfeld) se coaduna com a realidade dos países em vias de desenvolvimento. Não será o comércio justo, ao assegurar às crianças escolas e formação, remuneração justas aos pais, mais eficiente? Não será que a pobreza é uma falha de mercado? Deste modo não nos resta nada mais do que lutar pela inclusão dos mais pobres na cataláxia global.
Não se trata aqui do discurso do “desgraçadinho” ou do “pobre coitado”, mas sim de uma questão de princípios de que todo o ser humano, tal como vem expresso na Carta dos Direitos Humanos da ONU, tem direito a uma vida digna e justa. Já Adam Smith em 1776, ano seminal da economia em que publicou a Riqueza das Nações e em que os EUA se emanciparam do seu estatuto de colónia, advogava que todo o individuo tinha direito a vestir-se condignamente e a ter uma ocupação (direito ao trabalho). O desemprego, seja ele resultante da rigidez do mercado de trabalho ou de falha informativas, é de facto uma falha de mercado tal como a pobreza.
Em suma, a globalização deu origem a uma resposta, a dita alter-mundialista, em que as preocupações éticas e do sentido da vida, puseram em causa o sistema capitalista tradicional neoclássico: através do combate à pobreza, do comércio justo, do desenvolvimento sustentável e da verdadeira inclusão social à maneira Rawlsiana.
Como diria Fernando Pessoa: “I know not what tomorrow will bring.” Mas, que há amanhã é um facto, e que o amanhã poderá ser melhor, e é esta a nossa responsabilidade na cataláxia global: torná-lo melhor e mais inclusivo.
Revista Autor
A globalização tem sido analisada desde tempos imemoriais. No entanto, a globalização tornou-se uma “buzzword” cada vez mais corrente. A globalização tornou-se ela mesmo um fenómeno em si mesmo. Abundam os textos académicos e não académicos sobre esta temática. Com esta pequena nota pretendo apenas salientar o carácter difuso e cada vez mais interdependente da globalização.
Mas afinal o que é a globalização? Será apenas um epifenómeno? Será apenas uma moda?
A meu ver a globalização sempre existiu. Na antiguidade clássica grega e romana, o comércio ligava o Mediterrâneo entre si. Mais tarde, a rota da seda ligou ainda mais as cidades estado italianas. O comércio como fonte de inter-ligação entre as economias parece-me a medida mais viável do grau de globalização; seja ela económica, política e social. Globalização, passe o truísmo, significa tornar-se global.
Hoje em dia, o mundo após o 11 de Setembro deparou-se com o terrorismo à escala global. Madrid, também não foi poupada a esta tragédia. Os mass media tornaram-se os meios privilegiados da acção da própria globalização. A Internet dispõe e predispõe tudo à velocidade de um simples click. A economia tornou-se uma economia do tempo, do custo de oportunidade do excesso de informação. Passámos da massificação da era industrial para a segmentação da era informática. O sistema capitalista renovou-se, as dot com transformaram o mundo, deram origem a gigantescas capitalizações bolsistas, mas de igual modo a crises financeiras.
Um dos desafios mais importantes da sociedade global de hoje é o de conciliar a economia capitalista assente no pilar de mercado, com a distribuição justa, ou pelo menos mais justa do rendimento. O grande desafio a meu ver, é o de como garantir eficiência e simultaneamente mais equidade. Como sabemos este trade-off, eficiência versus equidade tem dominado o pensamento económico moderno, especialmente na vertente neoclássica.
Tem havido economistas menos ortodoxos que advogam soluções para este problema. Nomeadamente o falecido Nobel James Tobin advogava uma taxa sobre os fluxos de capitais de modo a introduzir alguma inércia no fluir do sistema capitalista. As receitas dessa mesma taxa reverteriam para o desenvolvimento dos países mais carenciados.
Ha-Joon Chang , recorrendo a uma análise histórica, demonstrou que o comércio livre tem sido utilizado como panaceia para o sub-desenvolvimento. Mas, de facto, a história descreve-nos que países como os EUA, Inglaterra, França, Alemanha, todos eles de facto cresceram à custa da imposição de tarifas e quotas. Surge assim o célebre argumento de Chang: kicking away the ladder (KAL) – ou seja, os países hoje desenvolvidos cresceram e atingiram a maturidade através do comércio protegido (subiram a escada), e uma vez lá chegados, rejeitam essa via de desenvolvimento aos países em vias de desenvolvimento – o tal pontapé na escada.
Branko Milanovic, investigador do Banco Mundial, num livro também recente procedeu pela primeira vez a uma análise da distribuição mundial do rendimento, através de agregados familiares mundiais. Ou seja, não interessa tanto, nesta análise, a distribuição de riqueza do país, mas sim como cada agregado familiar se posiciona no ranking mundial. Este é também, de novo, um sintoma da globalização, os cidadãos, não são apenas cidadãos dos países, são cidadãos à escala planetária económica. Vivemos, de facto, para utilizar uma expressão mais liberal, à maneira de Pedro Arroja, numa cataláxia. Ou seja, uma verdadeira galáxia das trocas.
Nesta cataláxia para termos uma economia verdadeiramente inclusiva e justa, temos de assegurar que os mais pobres têm de facto oportunidades de crescer e evoluir. Sintomático foi a invenção do micro-crédito por Muhamad Yunus, esse sim um instrumento prático e ao alcance dos mais pobres que promove verdadeira inclusão.
Um dos conceitos teóricos da ciência política mais interessantes é o do critério de análise de bem-estar de acordo com John Rawls. Este critério diz-nos que o bem-estar de todos melhorará, se melhorarmos o bem-estar, como diz a literatura sobre o assunto do underdog, i.e. o que está em pior situação. Se este critério fosse operacionalizável de um modo sequencial, de facto a sociedade melhoraria. Assim um dos desafios da globalização é o de incluir os agentes, isso poderá ser feito utilizando as contribuições de Rawls e Yunus.
Outro ponto interessante é o comércio justo. Até que ponto a teoria neoclássica do comércio livre (partindo dos pressupostos dos modelos de Ricardo, Hecksher-Ohlin, e os mais recentes de comércio intra-industrial de Krugman e Obstfeld) se coaduna com a realidade dos países em vias de desenvolvimento. Não será o comércio justo, ao assegurar às crianças escolas e formação, remuneração justas aos pais, mais eficiente? Não será que a pobreza é uma falha de mercado? Deste modo não nos resta nada mais do que lutar pela inclusão dos mais pobres na cataláxia global.
Não se trata aqui do discurso do “desgraçadinho” ou do “pobre coitado”, mas sim de uma questão de princípios de que todo o ser humano, tal como vem expresso na Carta dos Direitos Humanos da ONU, tem direito a uma vida digna e justa. Já Adam Smith em 1776, ano seminal da economia em que publicou a Riqueza das Nações e em que os EUA se emanciparam do seu estatuto de colónia, advogava que todo o individuo tinha direito a vestir-se condignamente e a ter uma ocupação (direito ao trabalho). O desemprego, seja ele resultante da rigidez do mercado de trabalho ou de falha informativas, é de facto uma falha de mercado tal como a pobreza.
Em suma, a globalização deu origem a uma resposta, a dita alter-mundialista, em que as preocupações éticas e do sentido da vida, puseram em causa o sistema capitalista tradicional neoclássico: através do combate à pobreza, do comércio justo, do desenvolvimento sustentável e da verdadeira inclusão social à maneira Rawlsiana.
Como diria Fernando Pessoa: “I know not what tomorrow will bring.” Mas, que há amanhã é um facto, e que o amanhã poderá ser melhor, e é esta a nossa responsabilidade na cataláxia global: torná-lo melhor e mais inclusivo.
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