Rio+20: centrada no equilíbrio entre a sustentabilidade e a equidade
Enquanto a Rio-92 tratou de levantar objetivos e metas em relação ao planeta, a Rio+20 terá como missão pensar uma forma de implementá-los, compara Ladislau Dowbor
Por: Graziela Wolfart
Para o economista Ladislau Dowbor, um ponto central da Rio+20 é “entender a articulação positiva que tem a busca de se reduzir as duas principais ameaças que temos pela frente: uma é ambiental e a outra é da desigualdade, que estão literalmente destruindo o planeta. Esses são os dois eixos de mudança”. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Dowbor defende que “para materializar na Rio+20 propostas concretas e factíveis, precisamos gerar compromissos concretos de cada país, criar planos de desenvolvimento sustentável que tracem metas e objetivos tal como se fez com as metas do milênio, para que cada país calcule no sentido de ver se estão sendo alcançadas ou não”.
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especialização em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente é professor na PUC-SP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que relação pode ser estabelecida entre o PIB e o nível de satisfação das pessoas?
Ladislau Dowbor – Primeiro, devemos colocar “na mesa” o nosso objetivo geral: queremos viver melhor, ter mais qualidade de vida e de maneira sustentável, portanto, sem prejudicar as gerações futuras, mas também numa base de equidade, ou seja, que todos tenham direito a seu pão cotidiano, sempre de forma democrática, com liberdade de opções. Isso tem sido traduzido nos quatro pilares do processo, que são: um desenvolvimento que seja economicamente viável; socialmente justo; ambientalmente sustentável; e politicamente livre e participativo. Desses quatro pilares, o PIB mede apenas um, que é a questão econômica. Não estamos medindo, com o PIB, que tipo de impacto ambiental é provocado pela sociedade do petróleo, nem o grau democrático dos processos econômicos, coisa que está cada vez mais visível com as últimas pesquisas, que mostram o poder avassalador das grandes corporações transnacionais. O PIB não mede como se chega a resultados econômicos, em termos de possível truculência. Vejam o comportamento das grandes empresas farmacêuticas, ou das fábricas de agrotóxicos, por exemplo. O PIB não mede as dimensões social, ambiental e democrática dessa dinâmica.
IHU On-Line – Como esse debate deve aparecer na Rio+20?
Ladislau Dowbor – Essas diversas dimensões serão colocadas na Rio+20. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 2011, que saiu recentemente, coloca com toda a clareza que a Rio+20 está centrada no equilíbrio entre a sustentabilidade e a equidade. As metodologias já estão praticamente disponíveis, por exemplo, a do cálculo de pegada ecológica ; as metodologias de segmento das mudanças climáticas e da medição dos casos de efeito estufa, por tipo de atividade, por país, etc.; a metodologia de segmento da concentração de renda, na linha do cálculo do coeficiente Gini . Mas também estão chegando as metodologias do cálculo da concentração de riqueza acumulada. Porque há uma grande diferença entre renda e riqueza. A riqueza está incomparavelmente mais concentrada do que a renda. Pela primeira vez, temos uma análise do poder corporativo planetário . Isso é importante para a dimensão da democratização dos processos econômicos. Temos um conjunto de metodologias que foram desenvolvidas para o segmento das Oito Metas do Milênio , que serve para medir o desenvolvimento, que se tornou complexo demais. Cada vez mais se trata de qualidade e menos de quantidade. A mudança nas medidas casa com a adequação do conjunto dos processos produtivos, não só produção fabril e agrícola, mas também educação, saúde e outros setores em função desses quatro pilares centrados na qualidade de vida das pessoas.
IHU On-Line – Quais os caminhos inovadores e desafiadores que a conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro precisa trilhar?
Ladislau Dowbor – Um ponto central é entender a articulação positiva que tem a busca de se reduzir as duas principais ameaças que temos pela frente: uma é ambiental e a outra é da desigualdade, que estão literalmente destruindo o planeta. Esses são os dois eixos de mudança. A articulação das medidas é que está se tornando interessante em função do seguinte mecanismo: distribuindo a renda, gera-se uma dinâmica de consumo na base da sociedade. Trata-se de um consumo necessário, pois são pessoas privadas do essencial. Isso tem um impacto social evidente, além do impacto econômico, pois gera tanto mercado interno como a multiplicação de empreendedorismo individual, de pequenas atividades locais. Ao dinamizar a economia, por redistribuir a renda e estimular a demanda, reduzem-se os impactos da crise financeira internacional. Esse processo envolve também os investimentos na área social: educação, saúde, cultura. É um tipo de consumo que melhora a qualidade de vida, torna as pessoas mais produtivas e não gera impactos ambientais negativos. Além disso, há outro impacto, cada vez mais aparente, que envolve a mudança tecnológica. Quando se passa de transporte individual, por meio de carro, para o transporte coletivo, por meio do metrô, à base de energia elétrica, reduzindo muito os impactos ambientais, gera-se um salto em termos de outra forma de utilizar a tecnologia. Isso estimula o desenvolvimento de novas tecnologias, o que nos obriga a dar uma guinada nas políticas tecnológicas. O problema das grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, não é a falta de recurso, de dinheiro, mas é a falta de um processo decisório inteligente. O que diferencia a Eco-92 – o que apontamos como os grandes desafios climáticos do planeta (água, florestas, etc.) – em relação à Rio+20 é que esta vai estar mais centrada nas formas de governança. Nós temos problemas planetários, mas não temos instrumentos de governança que sejam planetários. Cada vez que aparece um problema juntamos um G-7, um G-8, um G-20 e daqui a pouco vamos inventar um G-194 para todos os países. Para materializar na Rio+20 propostas concretas e factíveis, precisamos gerar compromissos concretos de cada país, criar planos de desenvolvimento sustentável, que tracem metas e objetivos tal como se fez com as metas do milênio, para que cada país calcule no sentido de ver se estão sendo alcançadas ou não.
IHU On-Line – Que balanço o senhor faz do que foi feito durante duas décadas com a Convenção do Clima e a Convenção da Biodiversidade estabelecidas na Eco-92?
Ladislau Dowbor – A Eco-92, através da Agenda 21 , colocou em cena os objetivos gerais do planeta. Ela foi extremamente importante, essencialmente como um espaço de repercussão da problemática ambiental. Antes disso, as pessoas que falavam em meio ambiente eram categorizadas como “ecochatos”, como “ecofrescos”, e não se entendia o tamanho do drama que estamos enfrentando. Depois da Rio-92 as pessoas pararam de ver isso como algo ridículo. O meio ambiente ocupou seu espaço na consciência das pessoas. No entanto, não se geraram os mecanismos efetivos de implementação, porque se tentou fazer metas planetárias quando não há um governo planetário e o sistema multilateral existente (ONU, Banco Mundial...) não tem essa capacidade de pressionar pela implementação. Então, apesar de alguns avanços do IPCC e dos acordos de Kyoto, temos uma estagnação. Por isso afirmo que, enquanto a Rio-92 colocou os grandes objetivos, a Rio+20 será essencialmente a discussão de como eles serão implementados.
IHU On-Line – Em que sentido a Rio+20 pode ser um marco na economia verde que o mundo começa a perseguir? E como o Brasil pode se inserir na ideia de economia verde?
Ladislau Dowbor – Primeiro, o conceito de economia verde é escorregadio, porque puxa muito para o ambiental e insuficientemente para a dimensão social, de reorganização econômica. Há certa tensão, nesse sentido, e a visão progressista nesse processo está buscando que se defina claramente o equilíbrio entre o que é a problemática ambiental e o que é a problemática social, em particular a questão da desigualdade. Esse reequilibrar da dimensão social com a dimensão ambiental é muito forte, e nessa conferência vai estar muito mais presente. O verde sozinho é, francamente, insuficiente.
http://www.ihuonline.unisinos.br/
Enquanto a Rio-92 tratou de levantar objetivos e metas em relação ao planeta, a Rio+20 terá como missão pensar uma forma de implementá-los, compara Ladislau Dowbor
Por: Graziela Wolfart
Para o economista Ladislau Dowbor, um ponto central da Rio+20 é “entender a articulação positiva que tem a busca de se reduzir as duas principais ameaças que temos pela frente: uma é ambiental e a outra é da desigualdade, que estão literalmente destruindo o planeta. Esses são os dois eixos de mudança”. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Dowbor defende que “para materializar na Rio+20 propostas concretas e factíveis, precisamos gerar compromissos concretos de cada país, criar planos de desenvolvimento sustentável que tracem metas e objetivos tal como se fez com as metas do milênio, para que cada país calcule no sentido de ver se estão sendo alcançadas ou não”.
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especialização em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente é professor na PUC-SP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que relação pode ser estabelecida entre o PIB e o nível de satisfação das pessoas?
Ladislau Dowbor – Primeiro, devemos colocar “na mesa” o nosso objetivo geral: queremos viver melhor, ter mais qualidade de vida e de maneira sustentável, portanto, sem prejudicar as gerações futuras, mas também numa base de equidade, ou seja, que todos tenham direito a seu pão cotidiano, sempre de forma democrática, com liberdade de opções. Isso tem sido traduzido nos quatro pilares do processo, que são: um desenvolvimento que seja economicamente viável; socialmente justo; ambientalmente sustentável; e politicamente livre e participativo. Desses quatro pilares, o PIB mede apenas um, que é a questão econômica. Não estamos medindo, com o PIB, que tipo de impacto ambiental é provocado pela sociedade do petróleo, nem o grau democrático dos processos econômicos, coisa que está cada vez mais visível com as últimas pesquisas, que mostram o poder avassalador das grandes corporações transnacionais. O PIB não mede como se chega a resultados econômicos, em termos de possível truculência. Vejam o comportamento das grandes empresas farmacêuticas, ou das fábricas de agrotóxicos, por exemplo. O PIB não mede as dimensões social, ambiental e democrática dessa dinâmica.
IHU On-Line – Como esse debate deve aparecer na Rio+20?
Ladislau Dowbor – Essas diversas dimensões serão colocadas na Rio+20. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 2011, que saiu recentemente, coloca com toda a clareza que a Rio+20 está centrada no equilíbrio entre a sustentabilidade e a equidade. As metodologias já estão praticamente disponíveis, por exemplo, a do cálculo de pegada ecológica ; as metodologias de segmento das mudanças climáticas e da medição dos casos de efeito estufa, por tipo de atividade, por país, etc.; a metodologia de segmento da concentração de renda, na linha do cálculo do coeficiente Gini . Mas também estão chegando as metodologias do cálculo da concentração de riqueza acumulada. Porque há uma grande diferença entre renda e riqueza. A riqueza está incomparavelmente mais concentrada do que a renda. Pela primeira vez, temos uma análise do poder corporativo planetário . Isso é importante para a dimensão da democratização dos processos econômicos. Temos um conjunto de metodologias que foram desenvolvidas para o segmento das Oito Metas do Milênio , que serve para medir o desenvolvimento, que se tornou complexo demais. Cada vez mais se trata de qualidade e menos de quantidade. A mudança nas medidas casa com a adequação do conjunto dos processos produtivos, não só produção fabril e agrícola, mas também educação, saúde e outros setores em função desses quatro pilares centrados na qualidade de vida das pessoas.
IHU On-Line – Quais os caminhos inovadores e desafiadores que a conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro precisa trilhar?
Ladislau Dowbor – Um ponto central é entender a articulação positiva que tem a busca de se reduzir as duas principais ameaças que temos pela frente: uma é ambiental e a outra é da desigualdade, que estão literalmente destruindo o planeta. Esses são os dois eixos de mudança. A articulação das medidas é que está se tornando interessante em função do seguinte mecanismo: distribuindo a renda, gera-se uma dinâmica de consumo na base da sociedade. Trata-se de um consumo necessário, pois são pessoas privadas do essencial. Isso tem um impacto social evidente, além do impacto econômico, pois gera tanto mercado interno como a multiplicação de empreendedorismo individual, de pequenas atividades locais. Ao dinamizar a economia, por redistribuir a renda e estimular a demanda, reduzem-se os impactos da crise financeira internacional. Esse processo envolve também os investimentos na área social: educação, saúde, cultura. É um tipo de consumo que melhora a qualidade de vida, torna as pessoas mais produtivas e não gera impactos ambientais negativos. Além disso, há outro impacto, cada vez mais aparente, que envolve a mudança tecnológica. Quando se passa de transporte individual, por meio de carro, para o transporte coletivo, por meio do metrô, à base de energia elétrica, reduzindo muito os impactos ambientais, gera-se um salto em termos de outra forma de utilizar a tecnologia. Isso estimula o desenvolvimento de novas tecnologias, o que nos obriga a dar uma guinada nas políticas tecnológicas. O problema das grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, não é a falta de recurso, de dinheiro, mas é a falta de um processo decisório inteligente. O que diferencia a Eco-92 – o que apontamos como os grandes desafios climáticos do planeta (água, florestas, etc.) – em relação à Rio+20 é que esta vai estar mais centrada nas formas de governança. Nós temos problemas planetários, mas não temos instrumentos de governança que sejam planetários. Cada vez que aparece um problema juntamos um G-7, um G-8, um G-20 e daqui a pouco vamos inventar um G-194 para todos os países. Para materializar na Rio+20 propostas concretas e factíveis, precisamos gerar compromissos concretos de cada país, criar planos de desenvolvimento sustentável, que tracem metas e objetivos tal como se fez com as metas do milênio, para que cada país calcule no sentido de ver se estão sendo alcançadas ou não.
IHU On-Line – Que balanço o senhor faz do que foi feito durante duas décadas com a Convenção do Clima e a Convenção da Biodiversidade estabelecidas na Eco-92?
Ladislau Dowbor – A Eco-92, através da Agenda 21 , colocou em cena os objetivos gerais do planeta. Ela foi extremamente importante, essencialmente como um espaço de repercussão da problemática ambiental. Antes disso, as pessoas que falavam em meio ambiente eram categorizadas como “ecochatos”, como “ecofrescos”, e não se entendia o tamanho do drama que estamos enfrentando. Depois da Rio-92 as pessoas pararam de ver isso como algo ridículo. O meio ambiente ocupou seu espaço na consciência das pessoas. No entanto, não se geraram os mecanismos efetivos de implementação, porque se tentou fazer metas planetárias quando não há um governo planetário e o sistema multilateral existente (ONU, Banco Mundial...) não tem essa capacidade de pressionar pela implementação. Então, apesar de alguns avanços do IPCC e dos acordos de Kyoto, temos uma estagnação. Por isso afirmo que, enquanto a Rio-92 colocou os grandes objetivos, a Rio+20 será essencialmente a discussão de como eles serão implementados.
IHU On-Line – Em que sentido a Rio+20 pode ser um marco na economia verde que o mundo começa a perseguir? E como o Brasil pode se inserir na ideia de economia verde?
Ladislau Dowbor – Primeiro, o conceito de economia verde é escorregadio, porque puxa muito para o ambiental e insuficientemente para a dimensão social, de reorganização econômica. Há certa tensão, nesse sentido, e a visão progressista nesse processo está buscando que se defina claramente o equilíbrio entre o que é a problemática ambiental e o que é a problemática social, em particular a questão da desigualdade. Esse reequilibrar da dimensão social com a dimensão ambiental é muito forte, e nessa conferência vai estar muito mais presente. O verde sozinho é, francamente, insuficiente.
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