Marcio Pochmann é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate
Na passagem para o século XXI, o Brasil alterou profundamente o padrão de trabalho da totalidade de sua mão de obra. Por padrão de trabalho entende-se a dinâmica de geração dos empregos segundo faixa de remuneração, isto é, o sentido geral de evolução do nível ocupacional e do rendimento recebido pelo conjunto dos trabalhadores.
No capitalismo, o nível geral de emprego da mão de obra termina sendo determinado por diversas variáveis, especialmente pela dinâmica macroeconômica, que estabelece as condições gerais de uso e remuneração do trabalho. Em síntese, o perfil dos rendimentos e a dinâmica da ocupação definem o padrão de trabalho da mão de obra.
No caso brasileiro, percebe-se , entre as décadas de 1990 e 2000, o padrão de trabalho pelo diferencial de geração quantitativa e qualitativa do emprego da mão de obra. Na década de 1990, não somente prevaleceu o menor ritmo na geração de postos de trabalhos como o diferencial perfil de remuneração paga aos ocupados. Isso porque foram abertos 11 milhões de novos postos de trabalho nos anos 1990, sendo 53,6% do total sem remuneração. Na faixa de renda de até 1,5 salário mínimo, houve a redução líquida de 300 mil postos de trabalho. Esse padrão de emprego da mão de obra diferenciou-se significativamente do verificado na década de 2010.
No primeiro decênio do século XXI houve forte dinamismo nas ocupações geradas e no perfil remuneratório. Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração (por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, aprendiz, estagiário, entre outras) houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, houve avanço das ocupações na base da pirâmide social.
O registro de dois diferentes padrões de trabalho verificados na virada do século XX implicou conformar diferenciadamente o perfil remuneratório da mão de obra ocupada no Brasil. Nos anos de 1990, por exemplo, 34,3% do ocupados possuíam remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal, enquanto na década de 2000 eram 47,8% na mesma faixa de remuneração. Os trabalhadores sem remuneração mantiveram-se estabilizados na faixa abaixo de 12% nos dois anos selecionados, embora os postos de trabalho com rendimento acima de cinco salários mínimos mensais tenham passado de 16,7% para 7,5% do total das ocupações.
Na década de 2000, o sentido das ocupações segundo remuneração alterou-se profundamente. De um lado, a forte expansão dos postos de trabalho com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal, acompanhado da redução das vagas tanto sem remuneração como de maior rendimento. Assim, os ocupados de até 1,5 salário mínimo mensal aproximaram-se da metade do total das ocupações existentes em 2009, o que contribuiu para a redução da desigualdade entre as diferentes faixas de rendimento do trabalho.
Em virtude desse movimento mais recente de modificação na dinâmica remuneratória das ocupações, percebe-se a concentração dos postos de trabalho abertas na base da pirâmide social. A força do conjunto dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros. Em 2009, por exemplo, os ocupados com até 1,5 salário mínimo absorviam 24,5% do total da remuneração do trabalho no país, enquanto em 1989 recebiam 22,3% do conjunto dos rendimentos.
Para os ocupados que recebem mais de cinco salários mínimos, a participação no total das remunerações do País era de 35,3% em 2009 ante 45,2% em 1989. Em 1999, a composição dos rendimentos do trabalho registrou menor peso para os ocupados com até 1,5 salário mínimo mensal e mais participação daqueles com cinco salários mínimos e mais, quando comparada à do ano de 2009.
Tendo em vista a importância do emprego de baixa remuneração, que constitui a base da pirâmide distributiva do conjunto dos rendimentos do trabalho, ou seja, 47,8% do total da força de trabalho ocupada e 24,5% das remunerações do País, nota-se que a sua evolução recente encontra-se diretamente relacionada às transformações mais gerais da economia e da sociedade brasileira. Esse segmento social em especial não poderia estar associado ao conceito de classe média ascendente, tendo em vista as peculiaridades das ocupações e remuneração, conforme a literatura recente parece fazer crer. O debate a respeito da definição de classe social no capitalismo, em particular classe média, assume maior complexidade, para o qual pressupõe maior profundidade e investigação.
Em conformidade com a literatura internacional, esse segmento social deveria ser mais bem considerado na categoria analítica de trabalhadores de baixa renda, pois se trata fundamentalmente de ocupados de salário de base. A sua presença, em maior ou menor expressão, revela o padrão de trabalho existente e, por consequência, o modelo de expansão macroeconômica do País. Na maior parte dos casos, a categoria dos trabalhadores de baixa renda trata das ocupações que se encontram no entorno do salário mínimo oficial, cujo valor real determina a presença – em maior ou menor medida – de trabalhadores pobres e sua relação com o nível de consumo.
Após a regressão neoliberal, o Brasil passou a conviver com outro padrão de trabalho. Ainda que mais positivo, o sentido geral da ocupação e remuneração pós-neoliberal pressupõe avanços maiores a serem constituídos por um projeto nacional de desenvolvimento superior.
Este artigo é parte integrante da Revista Fórum 102.
Na passagem para o século XXI, o Brasil alterou profundamente o padrão de trabalho da totalidade de sua mão de obra. Por padrão de trabalho entende-se a dinâmica de geração dos empregos segundo faixa de remuneração, isto é, o sentido geral de evolução do nível ocupacional e do rendimento recebido pelo conjunto dos trabalhadores.
No capitalismo, o nível geral de emprego da mão de obra termina sendo determinado por diversas variáveis, especialmente pela dinâmica macroeconômica, que estabelece as condições gerais de uso e remuneração do trabalho. Em síntese, o perfil dos rendimentos e a dinâmica da ocupação definem o padrão de trabalho da mão de obra.
No caso brasileiro, percebe-se , entre as décadas de 1990 e 2000, o padrão de trabalho pelo diferencial de geração quantitativa e qualitativa do emprego da mão de obra. Na década de 1990, não somente prevaleceu o menor ritmo na geração de postos de trabalhos como o diferencial perfil de remuneração paga aos ocupados. Isso porque foram abertos 11 milhões de novos postos de trabalho nos anos 1990, sendo 53,6% do total sem remuneração. Na faixa de renda de até 1,5 salário mínimo, houve a redução líquida de 300 mil postos de trabalho. Esse padrão de emprego da mão de obra diferenciou-se significativamente do verificado na década de 2010.
No primeiro decênio do século XXI houve forte dinamismo nas ocupações geradas e no perfil remuneratório. Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração (por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, aprendiz, estagiário, entre outras) houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, houve avanço das ocupações na base da pirâmide social.
O registro de dois diferentes padrões de trabalho verificados na virada do século XX implicou conformar diferenciadamente o perfil remuneratório da mão de obra ocupada no Brasil. Nos anos de 1990, por exemplo, 34,3% do ocupados possuíam remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal, enquanto na década de 2000 eram 47,8% na mesma faixa de remuneração. Os trabalhadores sem remuneração mantiveram-se estabilizados na faixa abaixo de 12% nos dois anos selecionados, embora os postos de trabalho com rendimento acima de cinco salários mínimos mensais tenham passado de 16,7% para 7,5% do total das ocupações.
Na década de 2000, o sentido das ocupações segundo remuneração alterou-se profundamente. De um lado, a forte expansão dos postos de trabalho com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal, acompanhado da redução das vagas tanto sem remuneração como de maior rendimento. Assim, os ocupados de até 1,5 salário mínimo mensal aproximaram-se da metade do total das ocupações existentes em 2009, o que contribuiu para a redução da desigualdade entre as diferentes faixas de rendimento do trabalho.
Em virtude desse movimento mais recente de modificação na dinâmica remuneratória das ocupações, percebe-se a concentração dos postos de trabalho abertas na base da pirâmide social. A força do conjunto dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros. Em 2009, por exemplo, os ocupados com até 1,5 salário mínimo absorviam 24,5% do total da remuneração do trabalho no país, enquanto em 1989 recebiam 22,3% do conjunto dos rendimentos.
Para os ocupados que recebem mais de cinco salários mínimos, a participação no total das remunerações do País era de 35,3% em 2009 ante 45,2% em 1989. Em 1999, a composição dos rendimentos do trabalho registrou menor peso para os ocupados com até 1,5 salário mínimo mensal e mais participação daqueles com cinco salários mínimos e mais, quando comparada à do ano de 2009.
Tendo em vista a importância do emprego de baixa remuneração, que constitui a base da pirâmide distributiva do conjunto dos rendimentos do trabalho, ou seja, 47,8% do total da força de trabalho ocupada e 24,5% das remunerações do País, nota-se que a sua evolução recente encontra-se diretamente relacionada às transformações mais gerais da economia e da sociedade brasileira. Esse segmento social em especial não poderia estar associado ao conceito de classe média ascendente, tendo em vista as peculiaridades das ocupações e remuneração, conforme a literatura recente parece fazer crer. O debate a respeito da definição de classe social no capitalismo, em particular classe média, assume maior complexidade, para o qual pressupõe maior profundidade e investigação.
Em conformidade com a literatura internacional, esse segmento social deveria ser mais bem considerado na categoria analítica de trabalhadores de baixa renda, pois se trata fundamentalmente de ocupados de salário de base. A sua presença, em maior ou menor expressão, revela o padrão de trabalho existente e, por consequência, o modelo de expansão macroeconômica do País. Na maior parte dos casos, a categoria dos trabalhadores de baixa renda trata das ocupações que se encontram no entorno do salário mínimo oficial, cujo valor real determina a presença – em maior ou menor medida – de trabalhadores pobres e sua relação com o nível de consumo.
Após a regressão neoliberal, o Brasil passou a conviver com outro padrão de trabalho. Ainda que mais positivo, o sentido geral da ocupação e remuneração pós-neoliberal pressupõe avanços maiores a serem constituídos por um projeto nacional de desenvolvimento superior.
Este artigo é parte integrante da Revista Fórum 102.
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