O mundo já enfrenta sua dependência de combustíveis fósseis baratos e abundantes.
Por Bill McKibben
Foto de Peter Essick
O fogo crepitante pode proporcionar uma atmosfera agradável. Em muitos países em desenvolvimento, centenas de milhões de pessoas usam lenha para obter mais de 74% de suas necessidades energéticas.
Estamos imobilizados - entre uma rocha inviável e um ambiente superaquecido. E é uma questão em aberto se vamos conseguir nos libertar. E essa questão vai definir se o século 21 será marcado pela manutenção do progresso ou pelo início de um declínio longo e debilitante. O que está em jogo é a salvação do planeta em que vivemos.
A energia, claro, não é apenas mais um aspecto da nossa economia. Para todos os fins, ela é nossa economia. O grande economista John Maynard Keynes certa vez afirmou que as condições de vida da maioria dos seres humanos haviam, na melhor das hipóteses, dobrado de qualidade ao longo dos milênios desde o alvorecer da história até a virada do século 18, quando aprendemos a usar o carvão para mover máquinas. Em um curto espaço de tempo, as condições de vida, no Ocidente beneficiado por essa fonte de energia, passaram a ter sua qualidade de vida dobrada em intervalos de poucas décadas. (Há motivo, afinal, para que as expressões "mundo industrializado" e "mundo desenvolvido" sejam quase equivalentes.)
O que aconteceu é que deixamos de ficar restritos ao excedente energético que se podia extrair dos raios solares incidentes no planeta. De um momento para outro, passamos a ter acesso ao capital lentamente acumulado num banco - resultado dos milhões de anos de depósitos de samambaias, plâncton e dinossauros em que o tempo havia transformado em carvão mineral, gás natural e petróleo. Éramos como os felizes herdeiros de alguém muito rico e falecido há muito cujo testamento fora afinal decifrado. E passamos a gastar essa riqueza sem pensar nas consequências. Foram esses gastos que fizeram de nós o que somos hoje. Todas as nossas revoluções (a industrial, a química, a eletrônica e até mesmo a da informática) devem sua força a esse sangue novo que 4 ui pelas veias de nossa economia. Acima de todas elas, porém, está a revolução do consumo. A ampliação de nossas casas e zonas urbanas revelou-se o método mais eficiente para aumentar a demanda por combustível fóssil. Nossa casa cada vez mais cheia de eletrodomésticos e unida por carros cada vez maiores e mais vazios fizeram com que nossos medidores de eletricidade e nossas bombas de gasolina girassem como nunca antes. Que imagens os Estados Unidos enviam ao resto do mundo por meio de seus filmes e programas de TV? Exatamente as imagens de conforto suburbano.
Aparentemente, não havia nenhum problema em tal anseio. O plano A para a raça humana é que todos nós acabaríamos ricos, que todos se beneficiariam da mesma energia cativa que tão bem serviu ao Ocidente. Tudo parecia estar ocorrendo como o previsto: o período de crescimento explosivo na década de 1990 testemunhou nossa prosperidade generalizada, e também nosso consumo maciço de energia, começando a se difundir pela Ásia. Mas havia dois pequenos problemas: há 20 anos, se alguém chegava a pensar em aquecimento global, era como ameaça distante e improvável. Cinco anos atrás, a maioria das pessoas jamais ouvira falar na possibilidade de o petróleo um dia acabar. Bem, hoje, essas são as duas mandíbulas que vêm inexoravelmente se fechando e restringindo nossas opções. Examinados com cuidado, esses problemas podem nos apontar como vai ser o futuro - uma época na qual estaremos esgotando parte da energia de que necessitamos e não poderemos usar a outra parte pelo temor de arruinar a atmosfera. Um futuro que, de repente, não se parece com nada do que imaginamos por tanto tempo.
Para entendermos o motivo disso basta um pouco de matemática. No ano passado, a Agência de Informação sobre Energia, um órgão do governo americano, previu que, mantidas as atuais condições, o consumo mundial de energia aumentaria 50% até 2030. Esse é um bom número arredondado, resumindo o anseio das pessoas de todo o mundo por geladeiras, televisões, cubos de gelo, hambúrgueres, motocicletas e, nos trópicos, aparelhos de ar condicionado.
Todavia, não é nada claro de onde vai sair toda essa energia, pois o fato é que vivemos numa época em que o petróleo está começando a acabar. Em novembro de 2008, a Agência Internacional de Energia estimou que a produção mundial dos campos petrolíferos maduros está diminuindo 6,7% ao ano, um ritmo que provavelmente vai se acelerar ao longo do tempo. Para compensar esse declínio será preciso descobrir todos os anos o equivalente à produção atual do Kuweit, ou, se isso for possível, extrair tal volume dos campos petrolíferos já existentes. Para especialistas, nós já ultrapassamos o pico de produção de petróleo. Os mais otimistas acham que ainda pode ser uma questão de anos. Mas ninguém tem dúvida quanto ao que nos reserva o futuro, e é por isso que o barril de petróleo chegou a custar 147 dólares no ano passado. Foi necessária a ameaça de uma grande depressão para que voltasse ao patamar de 40 dólares.
E quais são as opções? Bem, existem outros combustíveis fósseis. Mas o gás natural também vai se esgotar um dia. O substituto óbvio é o carvão, o qual já exploramos bastante - o problema é que o carvão nos leva a outra ponta do dilema. Ele é o mais poluente de todos combustíveis: ao queimá-lo, lançamos toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, o principal responsável pelo aquecimento global.
Estamos imobilizados - entre uma rocha inviável e um ambiente superaquecido. E é uma questão em aberto se vamos conseguir nos libertar. E essa questão vai definir se o século 21 será marcado pela manutenção do progresso ou pelo início de um declínio longo e debilitante. O que está em jogo é a salvação do planeta em que vivemos.
A energia, claro, não é apenas mais um aspecto da nossa economia. Para todos os fins, ela é nossa economia. O grande economista John Maynard Keynes certa vez afirmou que as condições de vida da maioria dos seres humanos haviam, na melhor das hipóteses, dobrado de qualidade ao longo dos milênios desde o alvorecer da história até a virada do século 18, quando aprendemos a usar o carvão para mover máquinas. Em um curto espaço de tempo, as condições de vida, no Ocidente beneficiado por essa fonte de energia, passaram a ter sua qualidade de vida dobrada em intervalos de poucas décadas. (Há motivo, afinal, para que as expressões "mundo industrializado" e "mundo desenvolvido" sejam quase equivalentes.)
O que aconteceu é que deixamos de ficar restritos ao excedente energético que se podia extrair dos raios solares incidentes no planeta. De um momento para outro, passamos a ter acesso ao capital lentamente acumulado num banco - resultado dos milhões de anos de depósitos de samambaias, plâncton e dinossauros em que o tempo havia transformado em carvão mineral, gás natural e petróleo. Éramos como os felizes herdeiros de alguém muito rico e falecido há muito cujo testamento fora afinal decifrado. E passamos a gastar essa riqueza sem pensar nas consequências. Foram esses gastos que fizeram de nós o que somos hoje. Todas as nossas revoluções (a industrial, a química, a eletrônica e até mesmo a da informática) devem sua força a esse sangue novo que 4 ui pelas veias de nossa economia. Acima de todas elas, porém, está a revolução do consumo. A ampliação de nossas casas e zonas urbanas revelou-se o método mais eficiente para aumentar a demanda por combustível fóssil. Nossa casa cada vez mais cheia de eletrodomésticos e unida por carros cada vez maiores e mais vazios fizeram com que nossos medidores de eletricidade e nossas bombas de gasolina girassem como nunca antes. Que imagens os Estados Unidos enviam ao resto do mundo por meio de seus filmes e programas de TV? Exatamente as imagens de conforto suburbano.
Aparentemente, não havia nenhum problema em tal anseio. O plano A para a raça humana é que todos nós acabaríamos ricos, que todos se beneficiariam da mesma energia cativa que tão bem serviu ao Ocidente. Tudo parecia estar ocorrendo como o previsto: o período de crescimento explosivo na década de 1990 testemunhou nossa prosperidade generalizada, e também nosso consumo maciço de energia, começando a se difundir pela Ásia. Mas havia dois pequenos problemas: há 20 anos, se alguém chegava a pensar em aquecimento global, era como ameaça distante e improvável. Cinco anos atrás, a maioria das pessoas jamais ouvira falar na possibilidade de o petróleo um dia acabar. Bem, hoje, essas são as duas mandíbulas que vêm inexoravelmente se fechando e restringindo nossas opções. Examinados com cuidado, esses problemas podem nos apontar como vai ser o futuro - uma época na qual estaremos esgotando parte da energia de que necessitamos e não poderemos usar a outra parte pelo temor de arruinar a atmosfera. Um futuro que, de repente, não se parece com nada do que imaginamos por tanto tempo.
Para entendermos o motivo disso basta um pouco de matemática. No ano passado, a Agência de Informação sobre Energia, um órgão do governo americano, previu que, mantidas as atuais condições, o consumo mundial de energia aumentaria 50% até 2030. Esse é um bom número arredondado, resumindo o anseio das pessoas de todo o mundo por geladeiras, televisões, cubos de gelo, hambúrgueres, motocicletas e, nos trópicos, aparelhos de ar condicionado.
Todavia, não é nada claro de onde vai sair toda essa energia, pois o fato é que vivemos numa época em que o petróleo está começando a acabar. Em novembro de 2008, a Agência Internacional de Energia estimou que a produção mundial dos campos petrolíferos maduros está diminuindo 6,7% ao ano, um ritmo que provavelmente vai se acelerar ao longo do tempo. Para compensar esse declínio será preciso descobrir todos os anos o equivalente à produção atual do Kuweit, ou, se isso for possível, extrair tal volume dos campos petrolíferos já existentes. Para especialistas, nós já ultrapassamos o pico de produção de petróleo. Os mais otimistas acham que ainda pode ser uma questão de anos. Mas ninguém tem dúvida quanto ao que nos reserva o futuro, e é por isso que o barril de petróleo chegou a custar 147 dólares no ano passado. Foi necessária a ameaça de uma grande depressão para que voltasse ao patamar de 40 dólares.
E quais são as opções? Bem, existem outros combustíveis fósseis. Mas o gás natural também vai se esgotar um dia. O substituto óbvio é o carvão, o qual já exploramos bastante - o problema é que o carvão nos leva a outra ponta do dilema. Ele é o mais poluente de todos combustíveis: ao queimá-lo, lançamos toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, o principal responsável pelo aquecimento global.
Revista NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL - 05/2009
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