quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Made in China

Barco naufragado há 1,2 mil anos muda a visão de comércio global na Antiguidade. Por Simon Worrall
Foto de Tony Law


Barco naufragado há 1,2 mil anos muda a visão de comércio global na Antiguidade.

Por Simon Worrall
Foto de Tony Law SINAIS DE VIDA - Um dado de osso e "bolotas" de marfim sugerem o tipo de diversão que ajudava passageiros e tripulantes a passar o tempo no barco. A viagem acabou em catástrofe, mas os restos do naufrágio enriquecem o conhecimento sobre a longa história comercial da China.


Na economia mundial do século 9, duas grandes potências sobres-saíam. Uma delas era a China da dinastia Tang, um império que se estendia desde o mar do sul da China até a fronteira da Pérsia, com portos abertos para mercadores vindos de todos os pontos do globo. Os governantes Tang acolhiam as mais diversas pessoas em Changan, sua capital, erguida no local da atual Xian. Comunidades de vários grupos étnicos viviam lado a lado em uma cidade de 1 milhão de habitantes - população incomparável com a de qualquer cidade ocidental até a Londres do início do século 19. Assim como hoje, a China era uma potência econômica - e grande parte de seu poderio se devia ao comércio.

A outra potência econômica era Bagdá, capital da dinastia Abácida desde o ano 762. Os abácidas dominavam o mundo muçulmano no Oriente Médio. Por volta de 750, haviam estendido seu controle até o rio Indo, a leste, e até a Espanha, a oeste, difundindo por todo esse âmbito as trocas, o comércio e a religião do Islã (o próprio profeta Maomé havia sido mercador).

O contato entre essas duas potências se fazia pela Rota da Seda em terra e, por mar, pela Rota da Seda Marítima. Embora o trajeto terrestre seja o mais conhecido, provavelmente havia barcos cruzando os mares entre a China e o golfo Pérsico desde a época de Cristo. Adaptada ao ciclo dos ventos de monção, essa rede de rotas navais e portos vinculava o Oriente e o Ocidente em permanente intercâmbio de bens e ideias.

Sob a dinastia Tang, a China estava sequiosa de tecidos finos, pérolas, corais e especiarias aromáticas da Pérsia, do leste da África e da Índia. Em troca, os chineses forneciam papel, tinta e, acima de tudo, seda. Leve, a seda podia ser levada pelas rotas terrestres. Mas, por volta do século 9, as cerâmicas chinesas também se tornaram populares, e os camelos não eram o meio de transporte mais adequado para objetos tão frágeis. Por isso, carregamentos cada vez maiores de pratos e travessas, tão apreciados na mesa dos ricos mercadores do golfo Pérsico, passaram a ser levados por mar em barcos árabes, persas e indianos.

Desde tempos imemoriais, os navios enfrentam a perigosa travessia do estreito de Gelasa, uma passagem em forma de funil entre as ilhas indonésias de Bangka e Belitung, onde as águas de cor turquesa ocultam um dédalo de rochas e recifes submersos. E foi ali que, dez anos atrás, no fim da década de 1990, mergulhadores que buscavam pepinos-do-mar acharam, a 16 metros de profundidade, um bloco de coral incrustado com objetos de cerâmica. Conseguiram recuperar várias vasilhas intactas em um grande cântaro, levaram tudo para terra e as venderam.

Esses homens haviam topado com a mais importante descoberta arqueológica marinha já feita no sudeste da Ásia: um barco a vela árabe, conhecido como dhow, que levava mais de 60 mil peças de ouro, prata e cerâmica, todas feitas a mão. O barco e sua carga, hoje conhecidos como o naufrágio de Belitung, são como uma cápsula do tempo que comprova que a China da era Tang, tal como a atual, produzia mercadorias em massa e as exportava por mar. Trabalhando em turnos até que fossem impedidos pelas monções, uma equipe de arqueólogos e mergulhadores conseguiu recuperar do barco naufragado todos os objetos antigos de sua carga.

Grande parte do tesouro é composta de cerâmicas utilitárias: vasilhas Changsha, assim chamadas por terem sido queimadas nos fornos de Changsha, em Hunan. Os estudiosos já sabiam que tais tigelas de chá simples e funcionais haviam sido exportadas para todo o mundo no período entre os séculos 8 e 10: fragmentos delas foram achados em locais tão remotos quanto a Indonésia e a Pérsia. Mas raramente as vasilhas haviam sido encontradas intactas.

Altos cântaros de barro vidrado serviam de contêineres no transporte marítimo durante
o século 9; cada um deles podia levar mais de uma centena de vasilhas encaixadas umas nas outras e que poderiam estar protegidas com palha de arroz, um equivalente antigo e orgânico do plástico com bolhas de ar hoje usado.

As tigelas feitas a mão proporcionam indícios de "produção quase fabril", comenta o professor americano John Miksic, da Universidade Nacional de Cingapura, que se especializou na arqueo-logia do Sudeste Asiático. Elas são o exemplo mais antigo que se conhece de tais objetos. "O carregamento também sugere a presença de alguém com grande capacidade de organização logística", diz Miksic, "assim como a importação de muita matéria-prima." O cobalto para as cerâmicas azuis e brancas, por exemplo, era originário da região do atual Irã. Só bem mais tarde seria extraído de minério na própria China.

Embora já se soubesse que os árabes percorriam a Rota da Seda Marítima, "esse é o primeiro dhow achado no sudeste da Ásia", comenta John Guy, curador sênior no Metropolitan Museum, em Nova York, "e a mais valiosa e abundante carga de ouro e cerâmica do sul da China do princípio do século 9 descoberta de uma única vez".

Uma reconstrução sugere que a embarcação era semelhante a um tipo de barco ainda em uso em Omã, conhecido como baitl qarib. Medindo quase 18 metros, com proa e popa inclinadas, foi construído com madeira africana e indiana e equipado com vela quadrada. Sua característica mais peculiar era a de que, em vez de serem fixadas com cavilhas ou pregos, as tábuas e vigas do casco foram costuradas umas às outras.

O porto de saída do barco, e também seu destino, ainda não é conhecido. Não restou nenhum diário ou mapa. Porém, a maioria dos estudiosos acha que o dhow seguia para o Oriente Médio, rumo à cidade portuária de Al Basrah (atual Basra, no Iraque). E provavelmente ele tenha saído de Guangzhou, o maior dos portos associados à Rota da Seda Marítima. Estima-se que, no século 9, cerca de 10 mil mercadores e comerciantes estrangeiros, muitos dos quais árabes e persas, viviam em Guangzhou.

Entre as dezenas de milhares de peças de cerâmica Changsha recuperadas do naufrágio, uma delas traz a seguinte inscrição: "O 16º dia do sétimo mês do segundo ano do reinado de Baoli", ou seja, o ano 826 no calendário ocidental. Essa é quase certamente a data em que a tigela foi fabricada. Tal como hoje, naquela época as mercadorias não ficavam armazenadas no porto por muito tempo. É provável que tenha sido embarcada pouco depois dessa data.

A natureza homogênea da carga (além das tigelas, havia 763 tinteiros idênticos, 915 jarros de especiarias de tamanho variado e 1 635 ânforas) e a diversidade geográfica dos locais de origem (pelo menos cinco fornos dispersos por toda a China) sugerem que os objetos tenham sido produzidos por encomenda. A ornamentação deles revela o ecletismo do mercado global. Os mais variados grupos estavam contemplados: símbolos e motivos de lótus budistas da Ásia Central e da Pérsia. Objetos com ornamentos geométricos e frases do Corão seguiam para o mercado islâmico. Vasilhas de cerâmica, assim como ânforas e tigelas com manchas verdes, eram muito populares no Irã. Uma tigela exibia cinco linhas verticais que foram interpretadas por estudiosos como sendo um símbolo cujo sentido ainda ressoa com força no mundo atual: Alá.

Assim como os atuais carregamentos de tênis e eletrônicos marcados com a frase "Made in China", a maior parte da carga do dhow era mercadoria. Mas, na popa do barco, os mergulhadores também acharam uma carga de ouro, prata e cerâmica cujo significado é mais misterioso.

Alvin Chia ergue uma taça com a mão enluvada. "Esta é a maior taça de ouro da dinastia Tang que se conhece", diz. Chia é executivo do grupo Sentosa Leisure, de Cingapura, que se associou às autoridades cingapurianas para, em 2004, adquirir por 30 milhões de dólares toda a carga do barco, vencendo na disputa o Museu de Xangai. No futuro, as peças podem passar para o acervo de algum museu da Rota da Seda Marítima.

Chia comenta que dois homens retratados na parte superior da alça da taça parecem ser da Ásia Central, e não da China, com seus cabelos crespos e barbas espessas. Nos painéis laterais da taça veem-se figuras em movimento: uma dançarina persa batendo palmas acima da cabeça e músicos tocando vários instrumentos. Na China dos Tang, explica Chia, a música e a dança do leste da Pérsia eram muito apreciadas.

Um grande frasco de prata com requintados ornatos talvez proporcione uma pista do propósito daquele tesouro. "Está vendo estes dois patos-mandarim?", pergunta Chia. "Eles simbolizam a harmonia no casamento. Nas caixas ornamentadas, tudo também aparece aos pares: casais de aves, de cervos, de cabritos monteses." Talvez fossem presentes a um casamento régio no golfo Pérsico - um dote de noiva cuja magnificência raramente era vista fora da China.

Desde que começou a comerciar com outros países há mais de 2 mil anos, inúmeras vezes a China abriu e fechou seus portos aos mercados externos. Durante a dinastia Tang, as fronteiras estavam escancaradas, e assim permaneceram por muitos séculos. Uma série de invenções - pólvora, papel, impressão e ferro - haviam feito da China a potência econômica do planeta.

Quando, em 1405, o almirante Zheng He partiu à frente de uma flotilha de 317 embarcações, a China dominava os mares. "Se estivéssemos em uma espaçonave observando a Terra e acompanhando os acontecimentos desde o século 9 até o 15", diz John Miksic, "teríamos achado que os chineses dariam o passo seguinte: explorar o Atlântico e difundir sua cultura no resto do mundo." No entanto, ao longo de toda a história chinesa, sempre houve desconfiança em relação aos mercadores e às influências externas de que eram portadores, uma atitude que remonta ao próprio Confúcio, para quem o comércio não deveria moldar os valores e a cultura chineses.

No ano de 878, pouco mais de meio século após o naufrágio de Belitung, o líder rebelde Huang Chao incendiou Guangzhou, massacrando milhares de muçulmanos, judeus, cristãos e pársis. E não muito depois das viagens de Zheng He, quando Colombo chegou ao Novo Mundo, a concepção de vida confuciana tornou-se predominante: a China destruiu sua frota naval e voltou-se para o interior. As rotas da seda, tanto a terrestre como a marítima, foram abandonadas. Os navegadores portugueses chegaram ao oceano Índico e, no fim do século 17 e início do seguinte, a Europa começou a dominar o comércio mundial. "Toda a história do mundo teria sido outra se os chineses não tivessem se retraído durante 500 anos", comenta Miksic.

Hoje a China compete com a Índia para ser a fábrica do planeta. O país está aberto e mais uma vez mantém relações comerciais com seus antigos parceiros no Oriente Médio. O Irã fornece 12% do petróleo consumido pela China. Em troca, Pequim proporciona máquinas e locomotivas, constrói metrôs e ferrovias, e ajuda Teerã a explorar seus vastos recursos minerais, retomando um vínculo estabelecido no século 9 quando o cobalto seguia da Pérsia para a China, onde era usado em cerâmicas como aquelas recuperadas no barco de Belitung.

Revista National Geographic Brasil

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Eduardo
o meu blog recebeu um selo e quero compartilha-lho com vocês.
Espero sua visita para pegar o selo.
Valeu.

EDUARDO POISL disse...

FELICIDADE!

Quando o vento bater à sua porta,
Abra devagar,
Para deixa-lo entrar
Pense quanto de bom poderá receber,
Se estiver pronto para tal,
Mas as conquistas diárias
Estamos sempre apostando tudo
e a cada recomeço,
Percebemos, o quanto é gratificante,
Estar pôr perto de quem se gosta de verdade,
Sua simpatia,
Corresponde o momento de felicidade
e transborda de alegria
o coração de quem recebe.

(Roseli Alcântara)

Desejo toda a felicidade neste final de semana,
Um grande abraço.

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