Patrícia Nasser de Carvalho & Elói Martins Senhoras
A criação de um espaço monetário único entre Estados soberanos e politicamente independentes é um fenômeno com poucos paralelos históricos, o que torna os dez anos de surgimento doeuro em um marco significativo nos processos de integração regional. O surgimento da moeda única chamada euro nada mais foi que um dos pilares econômicos dentro de uma trajetória maior de convergência e cooperação entre os países europeus desde o final da Segunda Grande Mundial no multifacetado processo de integração regional que hoje consubstancia a União Européia.
Firmado por chefes europeus de Estado em 1992, o Tratado de Maastricht transformou-se em um ponto decisivo para a estratégia de integração monetária através de um enfoque gradualista de transição rumo a uma zona monetária. Na primeira etapa, os países do Sistema Monetário Europeu (SME) aboliram todos os controles de capitais que ainda persistiam, e foi aumentado o grau de cooperação entre os Bancos Centrais. Na segunda etapa foi criado o Instituto Monetário Europeu (IME), precursor do Banco Central Europeu (BCE), que tinha por funções o reforço da cooperação dos Bancos Centrais Nacionais. Na terceira etapa foram fixados os câmbios entre as distintas moedas nacionais de forma irrevogável e o BCE começou a operar, emitindo a moeda européia, que se convertiria em uma divisa de pleno direito.
Em 1999, na terceira etapa, a transição para a moeda única foi realizada inicialmente por 11 países que a utilizavam apenas na contabilidade empresarial como uma divisa virtual de referência durante os dois primeiros anos.
O euro somente entrou em circulação enquanto papel moeda e moedas metálicas a partir de 2001, e desde então, a União Européia se expandiu por meio de adesões principalmente originadas da Europa Oriental. Dos 27 países-membros que aderiram ao processo de integração regional da União Européia, 16 aderiram ao euro, conformando assim uma zona monetária única.
A formação desta zona monetária única trouxe uma representativa inflexão geopolítica para o continente europeu desde a derrubada do Muro de Berlim e do fim da União Soviética, uma vez que estes eventos trouxeram a desmontagem de estruturas do passado, enquanto que o euro engendrou uma ousada aposta no futuro que têm sido importante junto a outras políticas para retirar o continente de uma situação de perda de dinamismo econômico desde os anos 1980 conhecida comoeuroesclerosis.
Passados dez anos desde o seu surgimento, a centralidade do euro como divisa nas relações econômicas internacionais atesta para um sucesso de empreendimento para sair da crise européia,que se via com cautela em 1999, pois de fato, a moeda comum tornou-se a expressão máxima do desdobramento histórico da cooperação européia, cujo processo gerou a superação de divergências e obstáculos de toda ordem à integração por mais de cinqüenta anos. Este desempenho afirmativo vai em desencontro às previsões dos economistas mais céticos, especialmente da Inglaterra e dos Estados Unidos à época do lançamento do euro, que não estavam convencidos de que a moeda única conseguiria vingar ou, mesmo se conseguisse, não perduraria.
Os dez anos do euro mostram que gradativamente os representantes dos Bancos Centrais dos Estados membros conseguiram superar os prognósticos mais sombrios, diagnóstico este que também contradiz a crença dos cidadãos europeus quanto ao futuro da participação do euro no sistema monetário internacional à época de seu lançamento.
O mérito da moeda única está ainda no fato de que, no início do século XXI, o euro se transformou rapidamente na segunda moeda de referência do Sistema Monetário Internacional e alcançou alto valor no mercado financeiro. Aos dez anos,o euro é capaz de proporcionar menores riscos aos investimentos e maior estabilidade monetária em função dos mecanismos de coordenação cambial nas economias européias em relação a períodos anteriores.
A despeito do sucesso relativo do euro ao longo destes 10 anos, a adesão de países com características distintas na União Européia complexifica a zona monetária do euro e por isso torna menos clara a capacidade amortecedora frente às crises, demonstrando que apesar dos sinais positivos da união monetária é necessário uma boa dose de sobriedade, por dois motivos.
Em primeiro lugar, se nominalmente no campo monetário-financeiro o êxito do euro é evidente, na economia real o seu desempenho se apresenta mais preocupante uma vez que a moeda única ainda não resultou em um crescimento econômico mais efetivo nos países que a adotaram. Por um lado, a valorização do eurotrouxe o fortalecimento no âmbito do Sistema Monetário Internacional nos últimos anos, embora, por outro, tenha provocado efeitos negativos para o comércio internacional de muitos Estados membros da União Européia, com grande impacto na demanda por exportações, componente importante para o crescimento de uma economia.
Em segundo lugar, a coincidência do aniversário dos dez anos do euro com os sinais da crise financeira internacional fez arrefecer as celebrações do aniversário de 10 anos uma vez que desde o colapso do banco norte-americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, que transbordou as fronteiras norte-americanas, os países europeus passaram a sofrer com as tempestades financeiras, embora em menor medida do que a economia estadunidense.
A situação de incertezas em que se encontra a União Européia a “divide” em dois grupos nesse momento: de um lado, os Estados fundadores que questionam, cada vez mais, a eficiência do fragmentado sistema comunitário de regulação financeira e, até mesmo, se a associação ao euro realmente vale à pena, tendo em vista os riscos que oferecem as economias orientais. De outro, os países da Europa Central e Oriental, tradicionalmente mais instáveis, em degradante situação macroeconômica, tanto do setor pública, quanto do privado.
O decenário é um momento impar na história do euro pois ao demarcar uma celebração de sucesso atesta o que pode ser considerado o maior desafio desde o seu lançamento: enfrentar a crise internacional e, ao mesmo tempo, balancear necessidades tão distintas dos Estados membros, por meio de uma política monetária comum, semtornar o continente europeu em uma colcha de retalhos.
Patrícia Nasser de Carvalho é Economista e doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (patinasser@yahoo.com.br).
Elói Martins Senhoras é Professor assistente do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima – UFRR (eloi@dri.ufrr.br).
Meridiano 47
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