“Mudança climática não é ficção científica”
“As mudanças climáticas aumentarão a frequência e a intensidade do de dias quentes e secos, aumentando o risco de incêndios, prejudicando a qualidade do ar especialmente nas grandes cidades”, diz o coordenador Geral do Observatório do Clima, André Ferretti
Por Juliana Guarexick, da Envolverde.
“As mudanças climáticas aumentarão a frequência e a intensidade do de dias quentes e secos, aumentando o risco de incêndios, prejudicando a qualidade do ar especialmente nas grandes cidades”, diz o coordenador Geral do Observatório do Clima, André Ferretti
Por Juliana Guarexick, da Envolverde.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou anteontem (31) o segundo volume do 5º relatório, que avalia a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais diante da mudança climática, assim como as possibilidades de adaptação à elas.
O documento “Mudanças Climáticas 2014: Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, elaborado por 309 autores, 436 colaboradores e 66 revisores técnicos de 70 países é mais um alerta pra que a humanidade reaja. A natureza dá evidências claras de que as mudanças climáticas podem causar impactos graves e irreversíveis.
Desmatamento, aumento das temperaturas, segurança alimentar e hídrica e saúde humana são alguns dos pontos abordados pelo relatório. Em entrevista exclusiva à Envolverde, o coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário e o coordenador Geral do Observatório do Clima, André Ferretti, faz uma análise sobre o documento e aponta caminhos que podem ser tomados para evitar as consequências negativas das mudanças climáticas. Confira:
Envolverde: Entre as principais vertentes levantadas pelo relatório qual você destacaria?
André Ferretti: A adaptação com base em ecossistemas é um tema muito relevante para países como o Brasil, que tem extensas áreas naturais e são muito dependentes dos recursos naturais e do bom funcionamento dos ecossistemas naturais para as atividades agropecuárias e de subsistência, bem como para a produção de energia.
Precisamos conservar, por exemplo, os mananciais que abastecem as populações urbanas, a indústria e também as atividades agropecuárias – responsáveis por 70% da demanda de água e que geram boa parte do PIB.
É preciso ainda manter e ampliar as áreas verdes nas zonas urbanas:
Para melhorar o microclima, reduzindo assim o calor e o número de grandes tempestades;
Ajudar na infiltração de água – nas grandes tempestades temos problemas sérios com inundações;
Absorver o carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis;
Melhorar a qualidade do ar; e tantos outros serviços essenciais.
A manutenção e a restauração de mangues são de essencial importância para a estabilidade dos estuários contra a elevação do nível do mar, onde estão localizados nossos maiores portos, como o de Santos e de Paranaguá, e a maior parte da nossa população, mantendo assim a produtividade marinha, e o meio de vida de inúmeras famílias.
A criação e implementação de Unidades de Conservação também são de grande importância para evitar emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e a manutenção dos serviços ecossistêmicos que aumentarão a resiliência aos impactos das mudanças climáticas, além de serem importantes para disciplinar o uso da terra em determinadas regiões, evitando usos indevidos em áreas de risco e mais sujeitas a desastres naturais.
Foi reduzida a ameaça de ‘savanização’ da Amazônia pelo aumento da temperatura entre 2ºC e 4ºC até 2100. Este dado é positivo no seu ponto de vista?
Muito positivo. A floresta parece hoje ser mais resistente às agressões da humanidade do que imaginávamos antes. Apesar de ter sido identificado um aumento no desmatamento da Amazônia no último ano, a diminuição do risco de savanização deve ser comemorada por todos nós. Porém, o risco ainda existe, e temos que lutar duramente contra a destruição das áreas naturais nesse bioma e nos demais. O desmatamento na Amazônia, inclusive, interfere em um serviço ecossistêmico essencial para a região sul e sudeste da América do Sul: as chuvas, incluindo as áreas de maior produtividade agropecuária do Brasil e do continente (Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia).
O texto afirma que há fortes evidências de uma redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, o que aumentaria disputas pelo uso de bacias hidrográficas. Qual a relação que isto representa com a disputa entre São Paulo e Rio de Janeiro pelo uso da água do Rio Paraíba do Sul para abastecer o Sistema Cantareira? É possível estabelecer comparações?
Isso ilustra muito bem o problema que estamos vivendo agora com a disputa pela água da Bacia do Paraíba do Sul pelos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde estão localizadas nossas maiores metrópoles. Porém, não podemos afirmar que essa estiagem atípica que estamos vivendo agora tenha sido causada pelas mudanças climáticas. O que se pode afirmar é que eventos climáticos extremos como esses serão sim mais intensos e frequentes, o que exige ação imediata visando a proteção e recuperação dos mananciais que abastecem hoje essas regiões metropolitanas, e que vão abastecê-las no futuro. A demanda por água é crescente nessas regiões, tanto para abastecimento público quanto para geração de energia. Boa parte das principais Usinas Hidrelétricas do país está nos estados do Sul e Sudeste. Precisamos de água para gerar energia e abastecer as casas e indústrias. Isso requer investimentos e tem que entrar na conta para poder gerar os recursos necessários para a proteção e recuperação desses mananciais.
Outro destaque é a evidência de que a população pobre, principalmente de países tropicais, como o Brasil, será a mais afetada por situações de seca e inundação, com risco de insegurança alimentar. Quais medidas os governos poderiam tomar para ao menos minimizar estes impactos?
O país precisa urgentemente de um robusto Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas. Com ele identificaremos e mapearemos as maiores vulnerabilidades do país, e definiremos as melhores estratégias para nos adaptarmos ao novo cenário, diminuindo os impactos sociais, econômicos e ambientais. Precisamos retirar a população das áreas de risco, exatamente o oposto do que foi feito com a flexibilização da legislação ambiental e descaracterização do Código Florestal, nesse primeiro mandato da Presidente Dilma. As comunidades mais pobres são as que sofrerão mais com a destruição das áreas naturais e os impactos aos serviços ecossistêmicos. Não apenas suas casas ou plantações, mas o modo de vida dessas pessoas está sendo e será cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas.
Desde 2007 tem um Projeto de Lei no Congresso Nacional sobre a Política Nacional de Serviços Ambientais (PL 792/2007). É um tema essencial para quem vive na e da terra, e garante a conservação desses serviços que são essenciais para toda a sociedade. É preciso mais agilidade, vontade política, e também a coragem de lutar por um patrimônio inestimável dos brasileiros e que está sendo dilapidado para o benefício de poucos e para o prejuízo de toda a população.
O relatório também alerta sobre possíveis danos à produção de alimentos. Como estes dados refletem no caso brasileiro e o que pode ser feito para reduzir as consequências negativas?
Esse é outro ponto intimamente ligado com o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas e com a Política Nacional de Serviços Ambientais que precisamos instituir. O Brasil tem um papel muito relevante na produção global de alimentos, e um potencial enorme para ocupar uma posição ainda mais estratégica. Mas isso precisa ser feito com planejamento e responsabilidade, mantendo e restaurando os serviços ambientais essenciais para a produção agropecuária e para a qualidade de vida de toda a população.
É preciso conhecer as áreas e as culturas agrícolas mais vulneráveis, e investir em pesquisa e adaptação. Isso tem que ser um projeto de país, gerando novos empregos, novos negócios, e oportunidades que serão essenciais para a economia e a sociedade do futuro. Agropecuária e serviços ecossistêmicos andam de mãos dadas e vão beneficiar toda a sociedade com esse casamento.
O aumento das temperaturas piorará a qualidade do ar. Qual é a influência que esta estimativa tem nas cidades, visto que até 2030 dois terços da população global viverá em grandes centros urbanos?
As mudanças climáticas aumentarão a frequência e a intensidade do de dias quentes e secos, aumentando o risco de incêndios, prejudicando a qualidade do ar especialmente nas grandes cidades. Nessas áreas, inclusive, fenômeno da inversão térmica – que dificulta a dispersão de poluentes gerados em grandes centros urbanos no inverno – deverá ser mais recorrente.
Nas grandes cidades, e até nas pequenas e médias, há a formação de ilhas de calor, agravando a sensação e o desconforto devido à elevação da temperatura e à redução da umidade relativa do ar, aumentando a frequência e intensidade de grandes tempestades em áreas urbanas, e agravando as ondas de calor (canículas) com consequências sobre o aumento da mortalidade de idosos e doentes que apresentem redução em sua capacidade de termorregulação corpórea e de percepção da necessidade corpórea de hidratação (idosos e pacientes com doenças mentais ou de mobilidade). Mais informações aqui.
Qual é a sua visão geral sobre o relatório? O que a humanidade aprende com esta avaliação?
A grande importância desse relatório é mostrar os impactos que já estamos sofrendo. O problema não é ficção científica. Precisamos conhecer muito bem os nossos pontos fracos (vulnerabilidades), para estabelecer e implementar rapidamente as estratégias mais adequadas para reduzir os custos sociais, econômicos e ambientais.
O relatório “Mudanças Climáticas 2014: Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, divulgado ontem, 31, fala sobre os impactos que já estão sendo sentidos, e as previsões do que virá até o final desse século (2100). Como nos quatro anteriores, lançados nas últimas duas décadas, este documento aponta que as populações mais podres são as mais vulneráveis às mudanças climáticas, principalmente as que habitam e dependem dos recursos das áreas costeiras – que sofrerão com o aumento do nível dos oceanos – ou as que vivem e dependem de atividades agropecuárias e extrativistas nas regiões semiáridas – que sofrerão com altas temperaturas e secas, ou ainda as que vivem em regiões vulneráveis a enchentes e deslizamentos devido a maior intensidade e concentração das chuvas. Esses impactos também prejudicam diretamente os ecossistemas, as plantas e os animais, afetados pela mudança do clima e também pela ação humana decorrente dessas mudanças de clima (migrações humanas para áreas menos impactadas gerando desmatamentos, poluição, caça etc.).
Esses e outros problemas têm sido vistos no Brasil e no mundo com cada vez mais frequência e intensidade. Agora mesmo tivemos um verão atípico no sul e sudeste, com pouquíssima chuva no período do ano que mais chove na região, e excesso de chuva em parte da região norte. Nos últimos anos o Brasil sofreu com enchentes e deslizamentos em regiões serranas do sul e sudeste, e até mesmo no nordeste que geralmente sofre com falta de água, e secas em regiões que tradicionalmente não vivem esse problema, como na Amazônia e no sul.
Algo a acrescentar?
As mudanças climáticas são um dos maiores problemas da humanidade. Ela afeta a todos, em qualquer lugar do planeta, independe do quanto cada cidadão, comunidade ou nação, contribui para o problema. A solução precisa ser conjunta, e pode gerar novas oportunidades, tecnologias, empregos, e negócios. Precisamos agir o quanto antes fizermos isso menor será o custo, e maior será o potencial de benefícios advindos de uma sociedade descarbonizada e mais sustentável.
O primeiro volume, que avalia os aspectos científicos do sistema climático e de mudança do clima, foi lançado em setembro de 2013. Já o terceiro e último volume, que avalia as opções que permitiriam limitar as emissões de GEE, será lançado ainda em 2014. (Envolverde)
* André Ferretti é coordenador Geral do Observatório do Clima, rede brasileira de articulação sobre as mudanças climáticas, e coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário.
Revista FÓRUM
Um comentário:
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