quinta-feira, 24 de abril de 2014

Mercúrio - Em nome do ouro

Às margens do rio e da lei, o garimpo de ouro flerta historicamente com a clandestinidade. Em iniciativa pioneira, Amazonas estabelece normas estaduais para regulamentar o ofício. A decisão, entretanto, incita questionamentos, sobretudo quanto ao uso do mercúrio.

  Henrique Kugler


A recente alta no preço do ouro parece motivar no Brasil uma renovada sede mineradora. As leis que regem a atividade no país são várias, mas não têm dado conta de proteger garimpeiros, meio ambiente e sociedade. (foto: Dieter Hawlan/ iStockphoto)


A saga do garimpeiro já foi enredo de contos, cobiça e violência. De conflitos de terra a pecados ambientais, histórias de garimpagem têm quase sempre um coadjuvante em comum: o mercúrio – um dos metais pesados mais tóxicos para a saúde humana.

Para o cientista, é um elemento químico de 86 prótons. Mas, para o garimpeiro, é mais do que isso: é o líquido prateado responsável pela alquimia da sobrevivência. Explica-se: como agulhas em um palheiro, os minúsculos fragmentos de ouro ficam aleatoriamente espalhados pelo cascalho arenoso que o minerador retira do subsolo ou do leito dos rios. A esse material bruto é adicionado mercúrio. Líquido à temperatura ambiente – é o único metal conhecido com tal propriedade –, ele agrega os pequeníssimos grãos dourados e forma uma liga metálica. Essa mistura é então aquecida; o mercúrio evapora; e assim o ouro puro chega às mãos do minerador. Tecnologia deveras rudimentar.

Mas, onipresente na mineração artesanal de ouro, o mercúrio tem preocupado a comunidade científica desde fins da década de 1960, quando se intensificaram os estudos sobre a toxicologia desse metal. “Danos irreversíveis ao sistema nervoso, inclusive o comprometimento de áreas do cerebelo associadas a funções motoras, auditivas e visuais, são alguns dos males que o mercúrio costuma causar em seres humanos”, diz o biólogo Wanderley Bastos, da Universidade Federal de Rondônia (Unir). “Uma vez lançado no ecossistema, o mercúrio foge totalmente de nosso controle; e ainda não temos tecnologias para frear os processos biogeoquímicos de sua disseminação.”
  
O mercúrio é um dos metais pesados mais tóxicos para a saúde humana. No garimpo do ouro, ele é usado para agregar os grãos dourados que ficam espalhados pelo cascalho arenoso retirado do subsolo ou do leito dos rios. (foto: Flickr/ p.Gordon – CC BY 2.0)
Garimpo revisitado

A relação entre mercúrio e garimpo é tema clássico para polêmicas ambientais. E a última delas – que reavivou um debate adormecido – veio à tona em maio de 2012, quando a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) publicou uma resolução que causou celeuma entre cientistas e legisladores.

Trata-se da Resolução 11/2012. Na contramão da história, o documento regulamenta o uso de mercúrio no garimpo artesanal – quando o mundo todo se movimenta para banir ou impor restrições severas no emprego desse perigoso elemento químico.

Delicado impasse. Pois há na iniciativa da SDS uma boa intenção – pôr ordem na casa e disciplinar o garimpo no estado. Pelos rincões da Amazônia, afinal, a lavra do ouro é uma labuta que historicamente flerta com a clandestinidade. Há gerações o valioso metal dourado é via de sobrevivência para famílias que habitam as remotas paragens da planície amazônica. Mesmo assim, os estados da região jamais se engajaram na tarefa de legislar sobre a atividade. “O garimpo, portanto, acontece há décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”, contextualiza o procurador da República Leonardo Macedo, do Ministério Público Federal (MPF).
Macedo: “O garimpo, portanto, acontece há décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”

Eis que entra em cena a Resolução 11/2012. Com ela, o Amazonas tornou-se o primeiro estado do país a rezar uma legislação específica sobre garimpo. Nada mal, em princípio. Mas o texto desagradou a muitos. A comunidade científica não tardou a se manifestar; a sociedade civil fez-se ouvir; e o próprio MPF não deixou barato.


Lei manca

“Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”, lê-se na carta aberta assinada pelo físico Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia (Musa), em Manaus (AM), e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. “Desejamos alertá-lo, senhor governador, que o mercúrio é um metal extremamente tóxico, fato que não é mencionado na resolução.”

O documento foi acusado de ser permissivo – além de sugerir procedimentos de segurança pouco específicos e de duvidosa eficácia. Em linhas gerais, ele afirma que as regiões de garimpo devem ser previamente sujeitas a estudos de impacto ambiental; a origem do mercúrio deve ser comprovada; as áreas de lavra devem ser monitoradas por técnicos do estado; os rejeitos do mercúrio devem ser encaminhados à sede municipal, onde serão devidamente acondicionados; e o garimpeiro deve, obrigatoriamente, usar um equipamento chamado retorta (ou cadinho).
Candotti: “Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”

É um aparato metálico assemelhado a um forno, que aquece o amálgama e separa o ouro de forma segura, pois, sendo um sistema fechado, evita que o vapor de mercúrio seja emitido à atmosfera ou inalado pelo trabalhador. A retorta permite ainda reaproveitar o mercúrio que seria despejado no solo ou nas águas.

À primeira vista, a resolução soa bem razoável. Mas o preocupante não é o que o texto diz; e sim o que ele não diz. “Pois estão ausentes os mecanismos adequados de controle ambiental”, critica Macedo. Um exemplo: “Apesar de obrigar o garimpeiro a utilizar retorta, o texto ignora o processo de certificação necessário para garantir a eficiência do equipamento”, alerta o procurador.

Além disso, a resolução não proíbe o garimpo em áreas já degradadas ou em territórios onde a presença de mercúrio é naturalmente alta (ver ‘Natural ou antrópico’). “Diante das críticas, o estado do Amazonas abriu-se para o diálogo”, conta o procurador. Semestre agitado para os amazonenses: foram organizados debates, encontros e palestras para discutir o polêmico texto. “Assim conseguimos alterar a Resolução 11/2012 e substituí-la pela Resolução 14/2012”, atualmente em vigor.
Natural ou antrópico
Nos solos e rios amazônicos, que parcela do mercúrio é oriunda de atividades antrópicas e que parcela advém de condições naturais? Questão em aberto. Por suas características físicas, nossa floresta equatorial estoca quantidades naturalmente elevadas do metal – quatro vezes mais do que solos de regiões temperadas, segundo Wanderley Bastos, mesmo em áreas distantes de garimpo ou indústria. Erupções vulcânicas várias, ao longo da história geológica, emitiram mercúrio à atmosfera. Esse material foi se depositando nos solos. E a floresta amazônica, se intacta, estoca enorme quantidade mercurial. Se destruída, porém, o mercúrio ali armazenado é fatalmente carreado aos cursos d’água. “Uma vez no sistema aquático, não mais importa se ele é de origem antrópica ou natural”, diz Bastos. Nos rios ele passará da forma inorgânica para a forma orgânica, contaminando a cadeia alimentar. Sabe-se que, nos últimos 150 anos, a quantidade de mercúrio na atmosfera aumentou em mais de 300%, devido sobretudo às atividades industriais relacionadas à produção de carvão mineral.

Menos pior

O novo texto proíbe garimpo em regiões com altas concentrações de matéria orgânica – caso das áreas banhadas pelo rio Negro, por exemplo. Pois ambientes assim favorecem a reação que transforma o mercúrio metálico (Hg) em metilmercúrio (CH3Hg+) – a forma química mais tóxica do elemento. Uma vez transformado, o mercúrio é rapidamente absorvido pelos organismos vivos e incorporado à cadeia alimentar. “Acumula-se nos tecidos dos peixes e, cedo ou tarde, chega ao homem”, explica Bastos.

O novo texto prevê rigoroso controle do comércio de mercúrio metálico. E exige a certificação das retortas pelo Instituto de Pesos e Medidas (Ipem). Mas há aí um singelo entrave: “Não adianta o garimpeiro simplesmente ter a retorta, ainda que certificada; ele precisa usá-la”, enfatiza Macedo. “Em visitas a regiões de garimpo no Amazonas, averiguamos que várias balsas tinham, sim, esse equipamento. Mas estavam novos, isto é, jamais tinham sido utilizados.”
Forsberg: “A resolução é relativamente boa. Minha dúvida: sua implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”

Se os pessimistas estiverem certos, a Resolução 14/2012 tem tudo para ser uma lei para amazonense ver. Exatamente por isso ela passará por um período de testes. “Serão três anos de avaliação”, prevê Macedo. “Se, ao longo desse período, o MPF entender que danos irreversíveis continuam sendo causados aos ecossistemas, nada impede que trabalhemos para impugnar a resolução.”

Por outro lado, se o novo texto funcionar a contento – o que requer otimismo panglossiano – ele será um marco histórico para o garimpo amazônico. “Pois será a primeira vez que o Brasil logrará êxito na regulamentação de uma atividade historicamente exercida à margem da lei”, diz Macedo, com ceticismo no tom de voz.

“A resolução é relativamente boa”, comenta o ecólogo Bruce Forsberg, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que participou das discussões e da reelaboração do texto. “Minha dúvida: sua implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”


Garimpo na lei?
Enquanto cientistas e legisladores duelam, os afeiçoados pelos aspectos burocráticos do imbróglio certamente se interessarão pelo cenário jurídico em que se insere o debate. Além da legislação estadual recentemente aprovada no Amazonas, o Brasil tem, engavetado, um eclético cardápio de leis sobre garimpo e mineração. Eis as três principais:

Decreto 97.507/1989
Portaria 435/1989, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)

Resolução 237/1997, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) São documentos de abrangência federal que estabelecem diretrizes gerais sobre o trabalho da garimpagem. “Mas a legislação federal é ‘genérica’ e requer regulamentações específicas em âmbito estadual”, explica o procurador da República Leonardo Macedo. Segundo o Decreto 97.507/1989, “é vedado o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, exceto em atividade licenciada pelo órgão ambiental competente”. Em outras palavras, usar mercúrio é proibido – a não ser que o estado defina suas próprias regras. Daí a importância da nova resolução do Amazonas: ela traz especificidades e detalhamentos para complementar o conjunto de leis federais em vigor.

Dados aterradores

Enquanto leis e burocracias duelam, muitas regiões da Amazônia já apresentam quadros preocupantes de contaminação por mercúrio. Ao longo do rio Madeira, que passa por Porto Velho (RO) e deságua no rio Amazonas, a presença desse metal pesado no organismo dos ribeirinhos vem sendo monitorada há décadas.

Os habitantes de São Sebastião do Tapuru (AM) têm em média 62 mg/g de metilmercúrio no organismo – quando o limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de apenas 7 mg/g. De municípios ao longo do curso das mesmas águas não vieram melhores notícias. Em Três Casas (AM), são 33,07 mg/g; Vista Nova (AM), 25,69 mg/g; Carará (AM), 18,13 mg/g; Santa Rosa (RO), 13,99 mg/g; Santo Antônio do Pau Queimado (RO), 14,69 mg/g; e por aí vai.

“A média de concentração mercurial nas populações isoladas do rio Madeira é de 15 partes por milhão, isto é, o dobro do valor considerado normal pela OMS”, preocupa-se Bastos.


Veja os dados completos no mapa interativo
‘Contaminação por mercúrio’


Mercúrio e saúde

Existem duas maneiras de se medir a quantidade de mercúrio no organismo humano. Se o vapor do metal é inalado, sua presença será detectada na urina. Mas, se ingerido a partir de peixes ou demais alimentos contaminados, será aferido em amostras de fio de cabelo.

“São quadros toxicológicos diferentes”, detalha Bastos. O mercúrio inorgânico – isto é, o vapor do metal inalado durante a queima do amálgama para separar o ouro – provoca danos aos rins e ao sistema respiratório. “Apesar de garimpeiros ainda sofrerem desses problemas, eles já foram muito mais comuns nas décadas passadas”, lembra o pesquisador da Unir.
“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de peixe”

Hoje, pesquisadores preocupam-se especialmente com a forma orgânica, o metilmercúrio, que praticamente não é excretada. É um processo lento e cumulativo: o elemento permanece no organismo pelo resto da vida. “Por isso a contaminação por mercúrio é um grave problema de saúde pública há mais de 50 anos”, escreve a bióloga Sandra Hacon, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Retardo mental, paralisia cerebral, surdez, cegueira e disartria em indivíduos expostos ainda no útero materno; e danos sensoriais e motores graves em indivíduos expostos na idade adulta” são alguns exemplos de males elencados pela bióloga da Fiocruz.

“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de peixe”, diz Bastos. No Brasil, a média nacional é de 60 a 90 g diárias. Mas cálculos da equipe da Unir constataram que, em algumas regiões amazônicas, o consumo de pescados per capita chega a 406 g ao dia. “Desconheço alguma população no mundo que apresente uma média tão elevada”, surpreende-se o pesquisador. 
 
O mercúrio ingerido a partir de peixes, consumidos em grande quantidade pelas comunidades amazônicas, permanece no organismo pelo resto da vida, podendo acarretar danos sensoriais e motores graves em indivíduos expostos. (Angela Peres, Secom-Acre/ Flickr – CC BY 2.0)

“Mas há aqui uma interrogação”, comenta Bastos. “Mesmo sendo o mercúrio um elemento neurotóxico, algumas populações não apresentam os efeitos clássicos da toxicologia mercurial”. Pesquisadores acreditam que outros componentes da dieta dos ribeirinhos possam atenuar os danos esperados. “Uma hipótese é que o selênio, presente na castanha-do-pará e frutas locais, evite quadros de contaminação por mercúrio”, arrisca o biólogo da Unir, lembrando que essa é ainda uma questão em aberto.


Mapa da mina

No Brasil, a produção industrial de ouro – a extração em minas de grande porte – concentra-se nos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia. Mas, ao falarmos da extração artesanal, a geografia é outra. Mato Grosso, Pará e Rondônia são os principais estados onde se concentra o garimpo de ouro. Destaque para as bacias dos rios Tapajós e Madeira.

Importante: nas grandes indústrias, a obtenção do ouro não utiliza mercúrio. Mas sim cianeto. Esse composto químico – formado por ligações entre átomos de carbono e nitrogênio – é diluído em uma solução aquosa, que, despejada sobre o minério bruto, provoca reações químicas capazes de diluir os fragmentos de ouro. O metal é então incorporado à solução líquida, e, em seguida, separado por um processo eletrolítico.

Há quem cogite o uso de cianeto – como alternativa ao mercúrio – também no garimpo artesanal. Substituição questionável. “É um processo bastante complexo que, além de exigir cálculos apurados, requer muitos cuidados; e o cianeto também é altamente tóxico”, comenta o cientista político Armin Mathis, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que há tempos dedica-se ao estudo das relações sociais no garimpo. Cenário que nos remete a uma legítima dúvida: quantas pessoas, atualmente, trabalham no garimpo de ouro?

“Não existem dados oficiais sobre o número de pessoas ligadas à mineração de ouro”, informou o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “E os números extraoficiais são bastante divergentes.” O que se sabe é que existem, hoje, 853 registros de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) – documento que permite a extração de ouro em garimpo. E, no momento, o DNPM analisa mais de 16 mil pedidos de permissões desse tipo – solicitadas por empresas ou indivíduos desejosos de tentar a sorte, ou a sobrevivência, na lavra do ouro. 
 
Queima do ouro. De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral, não existem dados oficiais sobre o número de pessoas ligadas à mineração de ouro no Brasil. Pesquisador da UFPA estima que haja atualmente cerca de 20 mil pessoas trabalhando diretamente no garimpo. (foto: Marieke Heemskerk)

“Imagino que existam, hoje, algo em torno de 20 a 30 mil pessoas trabalhando diretamente com o garimpo”, estima Mathis. Sejam quais forem os números, é certo que estão aumentando. A recente e assombrosa alta no preço do ouro parece motivar uma sede mineradora sem precedentes na última década.


Alternativas

“Sou favorável à não utilização de mercúrio em qualquer processo, seja industrial ou artesanal”, defende Wanderley Bastos. “Quanto menos emissões de mercúrio, menos riscos para o ecossistema e os seres humanos.” Para alguns, entretanto, não há alternativas para substituir esse metal. Será? “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil implementação”, comenta o procurador Leonardo Macedo.
Macedo: “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil implementação”

“Existem técnicas gravimétricas”, lembra Bastos. São métodos que permitem ao garimpeiro separar o ouro do sedimento em uma espécie de mesa vibratória, que ao vibrar separa o cascalho, que é leve, do ouro, mais pesado. Impasse: essas mesas funcionam melhor em terrenos estáveis, e não nas balsas usadas para dragar o leito dos rios.

Apesar disso, há casos de sucesso. Em Humaitá (AM), a Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) já usa essa tecnologia em algumas balsas. “Os riscos ambientais são minimizados por se tratar de uma separação mecânica, e não química”, diz Geomário Leitão, gerente da cooperativa. “O governo poderia estimular estudos nessa direção”, sugere o biólogo da Unir. Mas, mesmo assim, problemas como erosão podem continuar.


Mercado e conspiração

A Organização das Nações Unidas (ONU) vem coordenando esforços para reduzir ou até restringir as vendas de mercúrio metálico no mundo. “Mas esses esforços vêm sendo frustrados, em parte, por um lobby bastante forte dos países em desenvolvimento; e o Brasil é um dos que lideram essa pressão”, alfineta Bruce Forsberg, do Inpa. “Mas, como sou gringo, não posso opinar muito”, brinca ele, que é estadunidense.

Forsberg diz que os maiores interessados em restringir uso e produção de mercúrio são os próprios Estados Unidos – que têm um belo estoque desse metal, estratégico para fins militares. “Se as minas de mercúrio ainda em operação, na China, na Rússia e na Espanha, encerrarem suas atividades, será um ótimo negócio para os norte-americanos, que terão domínio sobre esse mercado”, matuta o ecólogo do Inpa. Seriam, pois, os debates sobre mercúrio uma conspiratória estratégia geopolítica? “Depende do quão desconfiado você é”, ri Forsberg.

No território da diplomacia, entretanto, otimistas veem promissoras notícias. “O Brasil vem participando da preparação de um instrumento global juridicamente vinculante sobre mercúrio”, disse Letícia Reis de Carvalho, diretora do Departamento de Qualidade Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em janeiro passado, representantes de 140 países se reuniram em Genebra (Suíça) para finalizar um documento que orientará políticas internacionais acerca da utilização de mercúrio em garimpo. Estamos falando da Convenção de Minamata – que entrará em vigor em outubro deste ano –, da qual o Brasil será provável signatário.
Carvalho: O governo acredita que formalizar a atividade, diminuir drasticamente a emissão e buscar alternativas propiciará resultados contra o uso indiscriminado do mercúrio no garimpo

A convenção fala em “taxas de redução”. Carvalho destaca alguns itens: o texto recomenda ações para eliminar processos de amalgamação de minério e queima a céu aberto; prevê formalização da atividade garimpeira e adoção de estratégias para reduzir a exposição ao mercúrio; e, é claro, incentiva estudos sobre alternativas aos métodos tradicionais da lavra garimpeira.

“Controlar o uso do mercúrio no garimpo artesanal de ouro é um desafio para o Brasil”, afirma Carvalho. “O governo acredita que formalizar a atividade, diminuir drasticamente a emissão e buscar alternativas propiciará resultados contra o uso indiscriminado desse metal no garimpo.” Mas, um momento... O que dizem, afinal, os próprios garimpeiros? “Algum dia o senhor imagina trabalhar sem mercúrio?”, perguntou Leonardo Macedo a um deles. “Não”, respondeu o velho homem. “Sou garimpeiro há 30 anos, e tanto meu pai quanto meu avô sempre usaram mercúrio. Foi sempre assim”

Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ
Sugestões de leitura


S. Hacon e outros. Um panorama dos estudos sobre contaminação por mercúrio na Amazônia legal no período de 1990 a 2005. Geochimica Brasiliensis, v. 23, n° 1, 2009.
V. Moriyama. ‘Vila da ressaca: os restos de um sonho dourado’, O Eco, 14/03/2013.
Revista Ciência Hoje

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