sábado, 16 de abril de 2011

Biotecnologia e desenvolvimento sustentável


Ana Clara Guerrini Schenberg
professora no NAP-Biotecnologia, Instituto de Ciências Biomédicas, USP. @ –acgschen@usp.br


Introdução

OS PRINCÍPIOS inicialmente definidos em 1987, no Relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Nações Unidas, 1987) e reafirmados durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), no programa de ação da Agenda 21 (Nações Unidas, 1992) e, mais recentemente, nas Metas do Milênio, estabelecidas em 2000 (Nações Unidas, 2000), identificaram como prioritária para o futuro da humanidade a adoção de um novo paradigma de desenvolvimento, dito sustentável, de modo a garantir o progresso e ao mesmo tempo a preservação do meio ambiente. Para atingir as metas de desenvolvimento sustentável, é indispensável o manejo racional dos recursos naturais, o que exigirá o emprego de novas tecnologias. Entre as tecnologias que apresentam potencial para contribuir para o desenvolvimento sustentável, a biotecnologia tem muito a oferecer, especialmente nos campos da produção de alimentos, geração de energia, prevenção da poluição ambiental e biorremediação.

Neste artigo, descreveremos algumas das possíveis rotas biotecnológicas relevantes para o desenvolvimento sustentável, com exemplos de trabalhos realizados pelo nosso grupo de pesquisas.



Geração de energia: aumento da produtividade de etanol por meio do melhoramento genético da levedura

Atualmente, os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural) suprem aproximadamente 80% das necessidades mundiais de energia primária. A projeção que se faz, porém, é de que a demanda mundial de energia aumente 49% até 2035, ao mesmo tempo que a produção de petróleo, embora seja um produto não renovável, ainda tenda a aumentar nos próximos 25-30 anos (Energy, 2010). Mesmo que o consumo futuro de combustíveis fósseis fique limitado às reservas comprovadas hoje, a queima desses combustíveis resultaria na liberação de mais do dobro do carbono que já foi emitido na atmosfera até hoje, agravando o efeito estufa. De fato, o uso de combustíveis fósseis é uma das principais causas de liberação de gases do efeito estufa, principais responsáveis pelas mudanças climáticas que estamos vivendo. Assim, a substituição da gasolina por biocombustíveis, como o etanol, apresenta-se como uma solução biotecnológica para evitar futuros problemas de carência de energia e de graves alterações ambientais (Um futuro..., 2010).

A produção de etanol por via fermentativa é, por definição, um processo biotecnológico, uma vez que o responsável pela transformação do açúcar em álcool é um ser vivo, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Essa levedura vem sendo utilizada pelo homem, há pelo menos oito mil anos, para a produção de alimentos e bebidas, entre outros produtos de considerável importância econômica.

Até hoje, S. cerevisiae continua sendo o micro-organismo mais empregado para a produção industrial de etanol, pois apresenta alta seletividade na produção de álcool, elevada velocidade de crescimento e fermentação, elevado rendimento na conversão a etanol, elevada tolerância a glicose, a etanol, a pressão osmótica e a condições estressantes, baixo pH ótimo de fermentação e alta temperatura ótima de fermentação (Amorim & Leão, 2005).

Entre os diferentes fatores que influem sobre o desempenho da levedura no processo de produção de etanol, destaca-se a contaminação do meio de fermentação por bactérias, responsável por perdas importantes na produtividade das destilarias. Além de competir com a levedura pela sacarose e outros nutrientes do mosto, as bactérias introduzem produtos indesejáveis do seu metabolismo, que causam alterações prejudiciais ao processo de fermentação da levedura (Andrietta et al., 2007). As medidas atualmente utilizadas para o controle dessas contaminações consistem na acidificação do mosto e no emprego de antibióticos. Para a acidificação, adiciona-se ácido sulfúrico no preparo do mosto, o que reduz consideravelmente as contaminações bacterianas, porém o uso repetido da acidificação ocasiona uma diminuição da viabilidade da levedura.

Outra prática, bastante difundida nas usinas alcooleiras, consiste em adicionar antibióticos ao mosto, o que, entretanto, onera significativamente o processo, além de impactar negativamente o meio ambiente. A utilização contínua de antibióticos, contudo, acarreta a seleção de bactérias resistentes, com o consequente surgimento de nova população de contaminantes, fazendo que seja necessário empregar novos antibióticos ou até misturas de vários antibióticos (Amorim & Leão, 2005).

Visando encontrar uma solução alternativa para o combate às contaminações bacterianas do processo industrial de produção de etanol, foi iniciada há vários anos no nosso laboratório uma linha de pesquisa para desenvolver uma linhagem da levedura Saccharomyces que, conservando todas as suas ótimas qualidades fermentativas, fosse capaz, ao mesmo tempo, de produzir e excretar para o meio de fermentação uma substância bactericida.

Dentre as proteínas com ação bactericida, destaca-se a lisozima, para a qual não há relatos de desenvolvimento de mecanismo de resistência entre as espécies de bactérias isoladas do processo de fermentação. Assim, se a própria levedura pudesse excretar lisozima para o meio de fermentação, obter-se-ia uma nova maneira de combater a contaminação bacteriana no processo industrial, mais simples, menos onerosa e menos prejudicial ao meio ambiente.

A lisozima (EC 3.2.1.17) é uma enzima que catalisa especificamente a hidrólise da ligação β-(1,4)-glicosídica entre o ácido N-acetilmurâmico e a N-acetilglicosamina do peptidoglicano, principal constituinte da parede das células bacterianas. Trata-se de uma enzima amplamente distribuída entre os seres vivos (porém ausente na levedura), sendo extremamente eficiente na defesa contra infecções bacterianas (Kirby, 2001). Essa enzima é particularmente eficiente contra bactérias gram-positivas, que predominam nas destilarias do Brasil, representando 98,5% dos contaminantes (Gallo, 1989). Por sua vez, a lisozima D, produzida por Drosophila melanogaster (a mosca-da-fruta), apresenta características que permitem o seu pleno funcionamento durante o processo da fermentação, quais sejam, ótima atividade enzimática em ambiente ácido (o seu pH ótimo é 3,5), resistência a proteólise e termorresistência (Kylsten, 1992).

Tomando por base essas informações, foi construído no nosso laboratório um cassete de expressão-excreção do cDNA da lisozima D de D. melanogaster, sob o comando do promotor do gene da álcool-desidrogenase I de S. cerevisiae (Grael, 1998, 2010). A seguir, esse cassete de expressão-excreção foi integrado no cromossomo V de S. cerevisiae, o que conferiu total estabilidade da informação clonada na levedura, sem perda de produtividade. Essa metodologia possibilitou a transformação de linhagens de laboratório e também de linhagens utilizadas na indústria. As linhagens transformantes produzem lisozima ativa, que é excretada para o meio desde o início da fermentação, sendo capazes de hidrolisar parede de Micrococcus lysodeikticus e inibir o crescimento de Bacillus coagulans e de Lactobacillus fermentum, principais bactérias contaminantes da fermentação alcoólica (Gallo, 1989). Além disso, os transformantes apresentam 100% de estabilidade, o que é um aspecto altamente relevante para o processo industrial (Silveira, 2003; Silveira et al., 2003).

Uma vantagem adicional do sistema que desenvolvemos é de que a lisozima produzida durante o processo fermentativo pode ser purificada do sobrenadante, para utilização na preservação de alimentos e na composição de medicamentos (Proctor & Cunningham, 1988), o que agregaria valor ao processo de produção de etanol.

Essa linha de pesquisas originou dois pedidos de patente, uma das quais já outorgada (Grael, 2010).



Prevenção da poluição ambiental: produção de biopolímeros a partir de recursos renováveis

Para resolver a questão do lixo urbano e industrial, a substituição de plásticos de origem petroquímica por plásticos produzidos por micro-organismos seria altamente desejável, uma vez que os biopolímeros são materiais biocompatíveis e totalmente biodegradáveis. A estimativa é de que os rejeitos plásticos lançados em aterros aumentam em 404% o peso total do lixo, e o problema é agravado pelo fato de que os materiais plásticos atualmente produzidos são de difícil decomposição, permanecendo no meio ambiente por várias centenas de anos. Entretanto, o preço dos biopolímeros ainda não é capaz de competir com o dos plásticos convencionais, sendo necessário otimizar as linhagens microbianas, bem como os processos de recuperação e extração, mas, especialmente, reduzir os custos com a matéria-prima (Choi & Lee, 1999). É possível, entretanto, prever que a situação atual se modifique, à medida que o petróleo se torne escasso, tornando os produtos obtidos a partir de matérias-primas renováveis de menor custo que os produtos da indústria petroquímica.



Construção de novas bactérias para a produção de biopolímeros a partir de sacarose

Poli-hidroxialcanoatos (PHA) são polímeros produzidos por muitas bactérias como material de reserva, sob a forma de grânulos, quando há abundância de fonte de carbono. Os PHA apresentam propriedades termoplásticas comparáveis às dos plásticos de origem petroquímica, além de serem totalmente biodegradáveis (Madison & Huisman, 1999). Essa propriedade confere aos PHA grande relevância no que concerne à preservação ambiental, e, além disso, a utilização de PHA contribuiria para o desenvolvimento sustentável, considerando que são produzidos pelos micro-organismos a partir de recursos naturais renováveis. Entretanto, para que a utilização de PHA em substituição aos plásticos de origem petroquímica seja economicamente viável, é necessária uma matéria-prima abundante e de baixo custo, sobre a qual possam ser cultivadas as bactérias produtoras de PHA. No Brasil, a cana-de-açúcar preenche esses requisitos para ser empregada como matéria-prima. Entretanto, a bactéria Cupriavidus necator (anteriormente denominada Alcaligenes eutrophus, Ralstonia eutropha, Wautersia eutropha), uma excelente produtora de PHA (Reinecke & Steinbüchel, 2009), é incapaz de aproveitar a sacarose presente no caldo da cana. O trabalho realizado no nosso grupo de pesquisas consistiu no melhoramento genético de C. necator DSMZ 545, visando capacitá-la a crescer em sacarose como única fonte de carbono. Para atingir esse objetivo, foi adicionado ao genoma dessa linhagem um óperon de cinco genes proveniente do plasmídeo pUR400 de Salmonella typhimurium, que codifica todas as enzimas necessárias para a assimilação da sacarose (Fava, 1997; Vicente et al., 2009). Essa linhagem geneticamente modificada de C. necator foi a seguir mutagenizada para aumentar a sua eficiência em converter o precursor propionato em unidades de hidroxivalerato no copolímero poli-hidroxibutirato-poli-hidroxivalerato (Sartori, 1998; Vicente et al., 1998). De fato, esse copolímero é de grande importância tecnológica por apresentar maior flexibilidade do que o homopolímero, o que aumenta o seu espectro de aplicação na indústria de plásticos (Madison & Huisman, 1999). Esse trabalho deu origem a dois pedidos de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) (Vicente et al., 2009; Vicente, 1998), que já foram licenciados para utilização industrial.



Biorremediação de águas contaminadas por metais tóxicos

Chama-se de biorremediação a utilização de seres vivos para descontaminar ou reduzir o teor de poluentes no meio ambiente. Com efeito, diversas plantas e micro-organismos são capazes de acumular e transformar diferentes poluentes em substâncias com toxicidade reduzida (Atlas & Unterman, 1999). Considerando que as tecnologias convencionais de remediação ambiental são em geral inadequadas para reduzir a níveis aceitáveis as concentrações de metais pesados em efluentes contaminados, a biorremediação se apresenta como uma solução alternativa de grande interesse. Além disso, os métodos biotecnológicos para a detoxificação de efluentes são menos onerosos que as tecnologias convencionais. De fato, no caso de contaminação de águas de superfície por metais pesados, a imobilização in situ dos íons metálicos por ação microbiana, impedindo que eles sejam transferidos para o lençol freático, se apresenta como uma solução economicamente interessante (Gravilescu, 2004). Ultimamente, a ação dos micro-organismos sobre os metais tem sido objeto de numerosos estudos, em virtude do seu potencial de aplicação, tanto para a destoxificação quanto para a recuperação de metais nas atividades da indústria de mineração (biolixiviação).

Além de uma certa concentração, os metais pesados são extremamente tóxicos aos seres vivos, que, consequentemente, desenvolveram, ao longo da evolução, diferentes mecanismos biológicos de defesa. Entre esses mecanismos, alguns podem ser úteis para aproveitamento em processos de biorremediação. Existem micro-organismos que excretam substâncias que provocam a precipitação dos metais sob uma forma insolúvel (biomineralização); outros internalizam os íons metálicos por meio de processos de transporte ativo (bioacumulação); outros ainda adsorvem passivamente os íons metálicos sobre a superfície celular (biossorção) (Barkay & Schaefer, 2001). Esses diferentes processos são válidos para a descontaminação de águas poluídas por metais pesados, embora, nos dias de hoje, a biossorção constitua a abordagem mais largamente utilizada. A biossorção é particularmente eficaz para o tratamento de efluentes, sendo mais limitado o seu uso para a biorremediação de solos (ibidem). Por sua vez, os metais adsorvidos podem ser recuperados por tratamento ácido, com agentes quelantes, ou, ainda, por incineração dos micro-organismos. De fato, bactérias, fungos e leveduras, que constituem rejeitos de fermentações industriais, podem em princípio servir como um material barato para a biorremediação de águas contaminadas por metais.

Há também várias plantas que concentram os metais pesados em proporções importantes de seu peso seco, como Brassica juncea, que é capaz de concentrar mais de 40%. A fitorremediação constitui, portanto, uma alternativa interessante para a limpeza de águas contaminadas por metais e radionuclídeos, e essa estratégia foi empregada para descontaminar a água de Chernobyl, Rússia, após o acidente nuclear. Entretanto, as plantas hiperacumuladoras apresentam crescimento lento e o controle genético dos mecanismos de acumulação ainda não está suficientemente esclarecido (Lasat, 2002). Uma vez que os mecanismos de resistência vegetal aos metais pesados são diferentes daqueles das bactérias, é possível, por meio de técnicas de engenharia genética, empregar genes de plantas para construir novas linhagens bacterianas com capacidades superiores de biorremediação. Com efeito, a clonagem, na bactéria Escherichia coli, de um gene da planta Arabidopsis thaliana, envolvido na resistência aos metais, forneceu resultados muito promissores para melhorar a capacidade da bactéria em acumular cádmio, cobre e também arsênico (Sauge-Merle et al., 2003).

Para responderem à presença de altas concentrações de metais pesados que lhes são tóxicos, os organismos eucarióticos produzem peptídeos ricos em cisteína, como a glutationa (Singhal et al., 1997), as metalotioneínas (MT) (Stillman et al., 1992) e as fitoquelatinas (PC) (Rauser, 1995). Tais moléculas ligam-se aos íons metálicos e os sequestram sob uma forma biologicamente inativa.

As fitoquelatinas são peptídeos curtos, cuja estrutura geral corresponde a (γGlu-Cys)n Gly (n=2-11) (ibidem). As PC apresentam vantagens sobre as MT em razão de suas características estruturais, particularmente a repetição das unidades γ Glu-Cys. As PC são mais estáveis e têm maior capacidade de ligação aos metais do que as MT. Além disso, as PC podem incorporar altos níveis de sulfeto inorgânico, o que resulta num forte aumento da sua capacidade de ligação aos íons Cd2+ (Bae et al., 2000). Entretanto, a produção de PC por engenharia genética ainda não é possível por falta de conhecimento suficiente sobre as enzimas envolvidas na síntese e elongação de tais peptídeos. Foram sintetizados análogos de PC que apresentam, em vez da ligação γ, uma ligação a-peptídica entre Glu e Cys, de tal modo que esses análogos (EC) podem ser produzidos pela maquinaria ribossomal da célula. Além disso, EC de diferentes comprimentos de cadeia (mais longos do que aqueles encontrados nas plantas) podem ser produzidos, apresentando diferentes capacidades de ligação aos metais (Bae & Mehra, 1997).

Bae et al. (2000) clonaram em E. coli genes sintéticos que codificam EC. Esses autores construíram fusões entre EC de diferentes comprimentos e Lpp-OmpA, uma proteína de superfície de E. coli, tendo verificado que uma cadeia de apenas 20 unidades poliméricas de EC apresenta uma capacidade de ligação aos íons Cd2+ 40% maior que as metalotioneínas de mamíferos.

Uma outra abordagem interessante consiste em melhorar geneticamente certos micro-organismos que apresentam alta tolerância natural aos metais pesados. Tal é o caso da bactéria Cupriavidus metallidurans, que é capaz de crescer em presença de concentrações milimolares de metais tóxicos.

A C. metallidurans é encontrada em águas e solos com alto teor de metais pesados e apresenta múltiplas resistências (Zn, Cd, Co, Pb, Cu, Hg, Ni e Cr), graças à presença de dois megaplasmídeos, que contêm os genes envolvidos num mecanismo muito eficiente de efluxo de cátions (Von Rozycki & Nies, 2009). Esse mecanismo de resistência detoxifica o citoplasma da bactéria, mas não se presta para ser empregado em biorremediação. Entretanto, seria possível tirar proveito da alta resistência aos metais que essa bactéria apresenta e fornecer-lhe os genes necessários para a imobilização dos íons metálicos. De fato, foi descrito um aumento de três vezes da capacidade de ligação ao cádmio de R. metallidurans, por meio da clonagem do gene que codifica a metalotioneína I de camundongo, de modo a alvejar essa MT para a superfície da bactéria (Valls et al., 2000). Esses autores mostraram ainda que a inoculação dessa linhagem geneticamente modificada de R. metallidurans em solos contaminados por íons Cd2+ diminui significativamente os efeitos tóxicos do cádmio sobre o crescimento de plantas de tabaco (ibidem).

Considerando a ubiquidade dos micro-organismos capazes de imobilizar metais na natureza e que a sua frequência se encontra geralmente aumentada em solos e águas contaminados, a estimulação da microflora indígena dos locais contaminados é um enfoque que também pode dar bons resultados. Por sua vez, a utilização de micro-organismos com atividades metabólicas especiais, capazes de complementar a microflora indígena, também deve ser considerada. Em qualquer caso, as técnicas de engenharia genética podem ser empregadas para aumentar a eficiência dos micro-organismos para a biorremediação, embora medidas de biossegurança sejam necessárias para a liberação dos organismos recombinantes para processos de biorremediação in situ (Urgun-Demirtas et al., 2006).

No nosso laboratório, está em andamento um projeto cujo objetivo é a construção de diversos micro-organismos recombinantes (bactérias e leveduras), que apresentem capacidade aumentada de acumular metais pesados. Para atingir esse objetivo, optou-se pela estratégia de adicionar ao genoma das diferentes linhagens o gene que codifica uma fitoquelatina sintética, utilizando cassetes de expressão-secreção específicos. Visando à máxima proteção ambiental, será também incorporado a essas linhagens geneticamente melhoradas um gene fortemente regulado, cuja expressão promoverá a sua morte, após terem desempenhado as funções de biorremediação. Em contrapartida, estão sendo construídas linhagens para serem utilizadas como biossensores de diversos íons metálicos.

Um dos subprojetos, já concluído, teve por objetivo capacitar a bactéria Cupriavidus metallidurans CH34 a adsorver íons metálicos na sua superfície. A C. metallidurans CH34 (previamente denominada Alcaligenes eutrophus, Ralstonia eutropha, Ralstonia metallidurans e Wautersia metallidurans) é o organismo mais resistente a íons de metais pesados conhecido até hoje. Trata-se de uma β-proteobactéria, gram-negativa, não patogênica, capaz de crescer em elevadas concentrações de, pelo menos, treze diferentes íons de metais pesados (Von Rozycki & Nies, 2009). Essa linhagem foi isolada em sedimentos de tanques de decantação de zinco em Liège, Bélgica (Mergeay et al., 1978), e possui alta resistência a Ag+2, Bi+3, Cd+2, Co+2, CrO4-2, Cu+2, Hg+2, Mn+2, Ni+2, Pb+2, SeO4-3, Tl+1 e Zn+2, conferida por pelo menos 150 genes de resistência, presentes em seus quatro replicons: o cromossomo (3,9 Mb), um megaplasmídeo (2,6 Mb), além de dois plasmídeos, pMOL30 (234 Kb) e pMOL28 (171Kb) (Von Rozycki & Nies, 2009).

O principal mecanismo de resistência de C. metallidurans CH34 consiste, entretanto, num sistema de efluxo dos cátions, que detoxifica eficientemente o citoplasma da bactéria, porém não o ambiente, e, portanto, essa bactéria não é adequada para biorremediação. Para que essa bactéria pudesse desenvolver plenamente o seu potencial biotecnológico, seria necessário submetê-la a manipulações genéticas que lhe conferissem a capacidade de imobilizar os íons de metais pesados na sua superfície celular, facultando à linhagem a capacidade de servir como agente biorremediador, além de colonizar ambientes contendo metais.

Por meio da utilização de um promotor forte induzido por metais desenvolvido no nosso laboratório (Ribeiro-dos-Santos et al., 2010), construímos uma nova linhagem de C. metallidurans CH34, capaz de remover sete diferentes íons metálicos (Pb+2, Zn+2, Cu+2, Cd+2, Ni+2, Mn+2, Co+2) do meio em que é colocada, em níveis significativamente superiores aos apresentados pela linhagem selvagem, como se pode observar pelos resultados apresentados na Tabela 1.

Para alcançar esse objetivo, foram acrescentadas ao genoma da linhagem original as sequências gênico – necessárias para que a bactéria expressasse, ancorada na sua superfície, uma proteína sintética com alta capacidade de se ligar a metais (fitoquelatina EC20). A nova bactéria funciona como um verdadeiro ímã para metais, ficando totalmente recoberta pelos íons metálicos, além de se manter perfeitamente saudável durante o processo. Assim, ao mesmo tempo que pode ser utilizada para a descontaminação de qualquer efluente contendo metais (biorremediação), essa bactéria pode servir para concentrar e recuperar os metais perdidos durante o processo de extração de minérios (biolixiviação). As vantagens desse tipo de tratamento são os baixos custos e a alta eficiência em comparação aos métodos físico-químicos atualmente empregados. A nova bactéria é particularmente interessante para a indústria de mineração, já que é capaz de aumentar a produtividade de extração de minérios, bem como de reduzir os impactos ambientais dessas atividades e esse projeto foi financiado pela Cia. Vale, com o intuito de utilizar a bactéria em biorreator, para o tratamento de efluentes de mineração. Esse trabalho originou dois depósitos de patente (Schenberg et al., 2008; Biondo et al., 2008).



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