quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A geografia do carnaval carioca

Estudo relaciona o surgimento das escolas de samba à urbanização da cidade
 Catarina Chagas

Não é só em fevereiro que a Sapucaí atrai atenções: o geógrafo Marcelo Pereira Matos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), respira carnaval o ano inteiro. Há cinco anos, ele estuda as relações entre o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro e a proliferação das escolas de samba. Para isso, determinou três períodos distintos da história dos desfiles: 1932-1942, 1943-1983 e 1984-2001.


Carnaval popular na avenida Rio Branco, em 1969 (fotos: Arquivo Nacional)

Quando as escolas começaram a surgir, eram atrações secundárias em relação às grandes manifestações do carnaval da época . Cerca de 100 integrantes desfilavam na Praça Onze, numa passarela formada entre arquibancadas desmontáveis. O primeiro desfile formal, em 1932, foi realizado com o patrocínio do Jornal Mundo Sportivo . A prefeitura oficializou o evento em 1935.

Durante o período inicial das apresentações, grande parte da população de baixa renda morava na área central do Rio e as escolas, como a Deixa-Falar (a primeira da cidade), se concentravam sobretudo no núcleo metropolitano. O contexto político do Estado Novo influenciou decisivamente as agremiações, que eram obrigadas a apresentar em seus enredos temas nacionalistas e sofriam forte repressão policial.


No início do século, havia, além das escolas de samba, desfilavam também as chamadas grandes sociedades. Essas associações de elite se apresentavam em carros puxados por burros. A foto acima retrata a Sociedade Pierrot da Caverna

A partir de 1943, o desenvolvimento levou à reestruturação do centro e provocou alterações fundamentais na estrutura urbana. As obras forçaram sucessivas mudanças na localização da folia, que passou pelas avenidas Rio Branco e Presidente Antônio Carlos antes de se instalar definitivamente na avenida Marquês de Sapucaí, em 1978.

O segundo período da história das escolas de samba -- considerado seu auge -- foi marcado pelo surgimento de novas agremiações. Apesar da estagnação da área central do Rio como local de moradia, a cidade cresceu muito na periferia e as escolas acompanharam a expansão rumo às zonas Norte e Oeste, direcionada pelo traçado das linhas de trem.

Segundo Matos, o sentimento de comunidade, mais forte na periferia, é fundamental tanto para a criação de uma escola de samba quanto para sua sobrevivência. "Analisando o próprio nome das escolas, podemos observar a referência espacial e a ideologia da união de uma comunidade", explica. O pesquisador reuniu mais de 70 nomes que comprovam essa afirmativa, entre eles agremiações famosas como Unidos da Tijuca ou Acadêmicos do Salgueiro.

Com a inauguração do Sambódromo, em 1984, o desfile passou a obedecer a regras externas (como as exigências feitas pelas emissoras de TV), tornou-se palco da promoção de artistas famosos e minimizou a importância das próprias comunidades.

Apesar disso, comunidades de áreas recentemente ocupadas e novas favelas se organizaram em novas agremiações, como a Renascer de Jacarepaguá. Cresceu também a quantidade de escolas na periferia e em outros municípios da região metropolitana. A distribuição das escolas estendeu-se, enfim, por todos os espaços do Rio de Janeiro. "Afinal, a estrutura urbana constitui, ao mesmo tempo, o território das políticas urbanas e o território das práticas sociais e manifestações culturais", conclui Matos.

História do Carnaval

Até o início do século 20, o carnaval tinha outra cara. Sua primeira manifestação veio com os portugueses no século 17: o entrudo. Essa brincadeira democrática entre escravos e senhores durou três séculos, até que atos de violência levaram à proibição do festejo. Mais tarde, a festa foi retomada com a apresentação dos ranchos (formados pelos baianos que vinham morar na cidade), corsos (desfiles de carros enfeitados) e grandes sociedades (associações de elite que desfilavam em carros alegóricos com mensagens políticas). Nesse contexto, surgiram as escolas de samba, a partir da década de 1930.

Catarina Chagas
Revista Ciência Hoje

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