Rompendo os Limites do Planeta
Desafios do controle populacional e da produção de alimentos precisam ser vencidos de forma conjunta
por Jeffrey Sachs
Estamos nos expulsando de nos so próprio planeta. Recentemente, na edição de setembro de 2009 da revista Nature, Johan Rockström e colegas propuseram os dez “limites planetários”, para definir os níveis seguros da atividade humana (a Scientific American faz parte do Nature Publishing Group). Nesses limites se incluem emissões críticas de gases causadores do efeito estufa; perda de biodiversidade; troca, em todo o mundo, da vegetação natural por plantação; e outros grandes impactos sobre os ecossistemas terrestres. A humanidade já ultrapassou vários desses marcos e caminha para extrapolar a maior parte dos restantes. E a demanda crescente por alimento contribui ainda mais para essas transgressões.
A revolução verde, responsável pelo aumento da produtividade dos grãos, deu à humanidade um certo tempo para respirar, mas o crescimento populacional contínuo e a demanda maior por carne abreviam essa fase. O pai dessa revolução, Norman Borlaug, morto em setembro do ano passado, aos 95 anos, ressaltou em 1970 exatamente essa ideia, ao aceitar o Prêmio Nobel da Paz: “Não haverá progresso duradouro na batalha contra a fome se as agências que lutam pelo aumento da produção alimentar e aquelas pró-controle populacional não unirem forças”.
Porém, essa união de forças é, na melhor das hipóteses, inconsistente e, por vezes, inexistente. Desde 1970, a população saltou de 3,7 bilhões para 6,9 bilhões e continua a crescer a uma
taxa anual de 80 milhões de pessoas. A produção de alimentos por habitante do planeta diminuiu em algumas grandes regiões, especialmente na África subsaariana. Na Índia, a duplicação
populacional absorveu quase totalmente o aumento da produtividade dos grãos.
A produção alimentar é responsável por um terço de toda a emissão de gases do efeito estufa; isso inclui os poluentes gerados pelos combustíveis fósseis utilizados na preparação e transporte dos alimentos, o dióxido de carbono liberado pela aragem da terra para a agricultura e pastagem, o metano produzido pelos arrozais e rebanhos de ruminantes, bem como o óxido nitroso proveniente do uso de fertilizantes.
Por devastar as matas, a produção de alimentos também responde por muito da perda de biodiversidade. Os fertilizantes químicos formam grandes depósitos de nitrogênio e fósforo, que agora destroem esteiros – trecho de rio ou mar que adentra na terra – de centenas de sistemas fluviais e ameaçando a química oceânica. Cerca de 70% do consumo mundial de água é destinado à produção alimentar, causando o esgotamento dos lençóis freáticos e uso ecologicamente predatório de água doce, desde a Califórnia até a planície indo-gangética, passando pela Ásia central e norte da China.
A revolução verde, em suma, não neutralizou os perigosos efeitos colaterais de um boom populacional humano, que se potencializarão ainda mais quando a população ultrapassar os 7 bilhões em 2012 e não parar de crescer, prevendo-se chegar aos 9 bilhões, em 2046. O consumo per capita de carne também aumenta. A carne bovina é uma das maiores ameaças, pois o gado
precisa consumir até 16 kg de grãos para produzir 1 kg de carne e emite grandes quantidades de metano. Além disso, o fertilizante utilizado nas plantações destinadas à alimentação desses animais contribui em muito para a produção de óxido nitroso.
Não basta somente produzir mais alimentos; devemos, ao mesmo tempo, estabilizar a população mundial e reduzir as consequências ecológicas da produção alimentar – um desafio triplo. Uma queda brusca e voluntária nas taxas de fertilidade de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento - proporcionada por um maior acesso ao planejamento familiar, diminuição do índice de mortalidade infantil e educação de meninas – poderiam, em 2050, firmar a população em cerca de 8 bilhões de pessoas.
Incentivos financeiros a comunidades carentes, a fim de impedir o desmatamento, poderiam salvar hábitats de espécies. Sistemas de plantio direto e outros métodos preservariam não só o solo, mas também a biodiversidade. O uso de fertilizantes mais eficientes reduziria o transporte excessivo de nitrogênio e fósforo. Aperfeiçoamentos na irrigação e nas variedades de sementes poupariam água e reduziriam outras premências ecológicas. E uma dieta pobre em carne bovina conservaria os ecossistemas ao mesmo tempo em que melhoraria a saúde humana.
Essas mudanças exigirão um grande empenho (ainda a ser instigado) não só do setor público como do privado. Ao rememorarmos as grandes conquistas de Borlaug, devemos também redobrar nossos esforços para solucionar suas premonições. Está passando a oportunidade de alcançarmos um desenvolvimento sustentável.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).
Scientific American Brasil
Desafios do controle populacional e da produção de alimentos precisam ser vencidos de forma conjunta
por Jeffrey Sachs
Estamos nos expulsando de nos so próprio planeta. Recentemente, na edição de setembro de 2009 da revista Nature, Johan Rockström e colegas propuseram os dez “limites planetários”, para definir os níveis seguros da atividade humana (a Scientific American faz parte do Nature Publishing Group). Nesses limites se incluem emissões críticas de gases causadores do efeito estufa; perda de biodiversidade; troca, em todo o mundo, da vegetação natural por plantação; e outros grandes impactos sobre os ecossistemas terrestres. A humanidade já ultrapassou vários desses marcos e caminha para extrapolar a maior parte dos restantes. E a demanda crescente por alimento contribui ainda mais para essas transgressões.
A revolução verde, responsável pelo aumento da produtividade dos grãos, deu à humanidade um certo tempo para respirar, mas o crescimento populacional contínuo e a demanda maior por carne abreviam essa fase. O pai dessa revolução, Norman Borlaug, morto em setembro do ano passado, aos 95 anos, ressaltou em 1970 exatamente essa ideia, ao aceitar o Prêmio Nobel da Paz: “Não haverá progresso duradouro na batalha contra a fome se as agências que lutam pelo aumento da produção alimentar e aquelas pró-controle populacional não unirem forças”.
Porém, essa união de forças é, na melhor das hipóteses, inconsistente e, por vezes, inexistente. Desde 1970, a população saltou de 3,7 bilhões para 6,9 bilhões e continua a crescer a uma
taxa anual de 80 milhões de pessoas. A produção de alimentos por habitante do planeta diminuiu em algumas grandes regiões, especialmente na África subsaariana. Na Índia, a duplicação
populacional absorveu quase totalmente o aumento da produtividade dos grãos.
A produção alimentar é responsável por um terço de toda a emissão de gases do efeito estufa; isso inclui os poluentes gerados pelos combustíveis fósseis utilizados na preparação e transporte dos alimentos, o dióxido de carbono liberado pela aragem da terra para a agricultura e pastagem, o metano produzido pelos arrozais e rebanhos de ruminantes, bem como o óxido nitroso proveniente do uso de fertilizantes.
Por devastar as matas, a produção de alimentos também responde por muito da perda de biodiversidade. Os fertilizantes químicos formam grandes depósitos de nitrogênio e fósforo, que agora destroem esteiros – trecho de rio ou mar que adentra na terra – de centenas de sistemas fluviais e ameaçando a química oceânica. Cerca de 70% do consumo mundial de água é destinado à produção alimentar, causando o esgotamento dos lençóis freáticos e uso ecologicamente predatório de água doce, desde a Califórnia até a planície indo-gangética, passando pela Ásia central e norte da China.
A revolução verde, em suma, não neutralizou os perigosos efeitos colaterais de um boom populacional humano, que se potencializarão ainda mais quando a população ultrapassar os 7 bilhões em 2012 e não parar de crescer, prevendo-se chegar aos 9 bilhões, em 2046. O consumo per capita de carne também aumenta. A carne bovina é uma das maiores ameaças, pois o gado
precisa consumir até 16 kg de grãos para produzir 1 kg de carne e emite grandes quantidades de metano. Além disso, o fertilizante utilizado nas plantações destinadas à alimentação desses animais contribui em muito para a produção de óxido nitroso.
Não basta somente produzir mais alimentos; devemos, ao mesmo tempo, estabilizar a população mundial e reduzir as consequências ecológicas da produção alimentar – um desafio triplo. Uma queda brusca e voluntária nas taxas de fertilidade de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento - proporcionada por um maior acesso ao planejamento familiar, diminuição do índice de mortalidade infantil e educação de meninas – poderiam, em 2050, firmar a população em cerca de 8 bilhões de pessoas.
Incentivos financeiros a comunidades carentes, a fim de impedir o desmatamento, poderiam salvar hábitats de espécies. Sistemas de plantio direto e outros métodos preservariam não só o solo, mas também a biodiversidade. O uso de fertilizantes mais eficientes reduziria o transporte excessivo de nitrogênio e fósforo. Aperfeiçoamentos na irrigação e nas variedades de sementes poupariam água e reduziriam outras premências ecológicas. E uma dieta pobre em carne bovina conservaria os ecossistemas ao mesmo tempo em que melhoraria a saúde humana.
Essas mudanças exigirão um grande empenho (ainda a ser instigado) não só do setor público como do privado. Ao rememorarmos as grandes conquistas de Borlaug, devemos também redobrar nossos esforços para solucionar suas premonições. Está passando a oportunidade de alcançarmos um desenvolvimento sustentável.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).
Scientific American Brasil
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