Ciência e Política em Descompasso
Entre os países emergentes, somente o Brasil poderia fazer a transição para o baixo carbono rapidamente
por Sérgio Abranches
Há uma brecha talvez intransponível no curto prazo entre a ciência e a política global do clima. Ela contrapõe o ritmo em que a ciência diz estar ocorrendo o aquecimento global à velocidade e profundidade das soluções políticas factíveis. O prazo e as metas de redução das emissões de CO2 capazes de nos manter na zona de segurança climática são dados pela ciência, mas dependem da política. O necessário, cientificamente, não parece politicamente viável no curto-médio prazo. O viável politicamente nesse prazo não é suficiente do ponto de vista científico. Nunca foi tão dramática essa distância entre o cálculo da ciência e o cálculo político.
A estrutura econômico-energética e a forte dependência ao carvão de países como China e Índia indicam que a transição para o padrão de baixo carbono, com as tecnologias disponíveis, levará décadas. Só o Brasil, entre os grandes emergentes, poderia fazer essa conversão com mais rapidez. Tem a vantagem da matriz energética. A moratória do desmatamento reduziria signifi cativamente nossas emissões. O necessário investimento na insuficiente e sucateada infraestrutura de transportes poderia ser orientado para uma logística sustentável do ponto de vista do carbono. Isso eliminaria o viés a favor de rodovias no transporte a longa distância e na Amazônia. É caminho sem sacrifícios, com ganhos de governança e qualidade de vida.
A defasagem entre ciência e política do clima significa que a agenda global terá de incluir como item prioritário pesado investimento em adaptação, sem abandonar o esforço de mitigação máxima possível das emissões. O princípio da precaução manda continuar buscando modos de manter o aquecimento médio global em 2ºC até o final do século e atenção ao alerta de cientistas de que esse aquecimento pode resultar em mudanças climáticas significativas, com efeitos violentos em várias partes do planeta. Mais, recomenda considerar a eventualidade de ultrapassarmos esse limite. Mesmo que seja possível manter esse limite, o volume de investimento em adaptação necessário será de grande magnitude. E aumentará quanto mais nos afastarmos desse teto de 2ºC.
O governo Obama iniciou uma nova ofensiva na política global do clima, após a frustrada conclusão do G8+5 em L’Aquila, na Itália. Intensificou negociações bilaterais com o objetivo de obter o melhor acordo possível em Copenhague e para o futuro imediato. Por isso liderou o recuo em relação à menção explícita a metas quantitativas, vetada pela China, Índia e Brasil. Quis manter o ambiente propício ao entendimento. Difi cilmente esses países serão persuadidos a mudar de posição e assumir metas cientificamente recomendadas de redução de emissões, até dezembro. Obama certamente está informado disso. Provavelmente está apostando em um avanço mais gradual, investindo para quebrar o impasse em Copenhague, mas esperando progressos mais signifi cativos em 2010 e 2011. Se for esse, realmente, o caso, é uma estratégia diplomática realista, em sintonia com esse risco de contrariedade entre a ciência e a política do clima.
Nos encontros bilaterais que o governo americano tem promovido, um dos temas centrais tem sido a parceria tecnológica. Na China, as negociações estão em andamento. O secretário de Energia americano, Steven Chu, em viagem recente e posterior à de Hillary Clinton a Pequim, anunciou que os dois países lançarão conjuntamente um Centro de Pesquisa sobre Energia Limpa, com o objetivo de promover P&D em efi ciência energética, sequestro de carbono e veículos de baixa emissão. Na Índia, a visita da secretária de Estado, não teve resultados concretos, mas há indicações de que os dois países podem vir a negociar parceria semelhante. O encontro entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil ficou por último. Há sinais de que a parceria tecnológica pode ser também o melhor resultado dessas conversações.
Acordos bilaterais e “negociações em clube” têm melhores chances de pavimentar o caminho rumo a um pacto climático global mais efetivo. Chamo “negociações em clube” entendimentos políticos e diplomáticos formais, em pequeno grupo, reunindo os maiores emissores e detentores de recursos estratégicos, como florestas tropicais.
Dois pontos que não avançaram na agenda de discussões e que contribuem para o veto a metas de emissões são a transferência de tecnologia e os investimentos em adaptação. Claramente, parcerias reais em pesquisa e desenvolvimento fazem mais sentido para países como China, Índia e Brasil que a surrada ideia de transferência de tecnologia. Um sério e significativo arranjo que viabilize ações concretas e eficazes de adaptação nos países mais pobres e nas economias emergentes é também questão prioritária. É preciso reduzir essa brecha entre ciência e política no enfrentamento do aquecimento global. O processo na Natureza não vai mudar. A política terá de se ajustar ao ritmo recomendado pela ciência o mais rapidamente possível. Esse é o objetivo estratégico.
Sérgio Abranches é mestre em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB); M.A. e Ph.D. em ciência política pela Cornell University. Diretor e colunista de O Eco (www.oeco.com.br); comentarista de ecopolítica da rádio CBN
Scientific American Brasil
Entre os países emergentes, somente o Brasil poderia fazer a transição para o baixo carbono rapidamente
por Sérgio Abranches
Há uma brecha talvez intransponível no curto prazo entre a ciência e a política global do clima. Ela contrapõe o ritmo em que a ciência diz estar ocorrendo o aquecimento global à velocidade e profundidade das soluções políticas factíveis. O prazo e as metas de redução das emissões de CO2 capazes de nos manter na zona de segurança climática são dados pela ciência, mas dependem da política. O necessário, cientificamente, não parece politicamente viável no curto-médio prazo. O viável politicamente nesse prazo não é suficiente do ponto de vista científico. Nunca foi tão dramática essa distância entre o cálculo da ciência e o cálculo político.
A estrutura econômico-energética e a forte dependência ao carvão de países como China e Índia indicam que a transição para o padrão de baixo carbono, com as tecnologias disponíveis, levará décadas. Só o Brasil, entre os grandes emergentes, poderia fazer essa conversão com mais rapidez. Tem a vantagem da matriz energética. A moratória do desmatamento reduziria signifi cativamente nossas emissões. O necessário investimento na insuficiente e sucateada infraestrutura de transportes poderia ser orientado para uma logística sustentável do ponto de vista do carbono. Isso eliminaria o viés a favor de rodovias no transporte a longa distância e na Amazônia. É caminho sem sacrifícios, com ganhos de governança e qualidade de vida.
A defasagem entre ciência e política do clima significa que a agenda global terá de incluir como item prioritário pesado investimento em adaptação, sem abandonar o esforço de mitigação máxima possível das emissões. O princípio da precaução manda continuar buscando modos de manter o aquecimento médio global em 2ºC até o final do século e atenção ao alerta de cientistas de que esse aquecimento pode resultar em mudanças climáticas significativas, com efeitos violentos em várias partes do planeta. Mais, recomenda considerar a eventualidade de ultrapassarmos esse limite. Mesmo que seja possível manter esse limite, o volume de investimento em adaptação necessário será de grande magnitude. E aumentará quanto mais nos afastarmos desse teto de 2ºC.
O governo Obama iniciou uma nova ofensiva na política global do clima, após a frustrada conclusão do G8+5 em L’Aquila, na Itália. Intensificou negociações bilaterais com o objetivo de obter o melhor acordo possível em Copenhague e para o futuro imediato. Por isso liderou o recuo em relação à menção explícita a metas quantitativas, vetada pela China, Índia e Brasil. Quis manter o ambiente propício ao entendimento. Difi cilmente esses países serão persuadidos a mudar de posição e assumir metas cientificamente recomendadas de redução de emissões, até dezembro. Obama certamente está informado disso. Provavelmente está apostando em um avanço mais gradual, investindo para quebrar o impasse em Copenhague, mas esperando progressos mais signifi cativos em 2010 e 2011. Se for esse, realmente, o caso, é uma estratégia diplomática realista, em sintonia com esse risco de contrariedade entre a ciência e a política do clima.
Nos encontros bilaterais que o governo americano tem promovido, um dos temas centrais tem sido a parceria tecnológica. Na China, as negociações estão em andamento. O secretário de Energia americano, Steven Chu, em viagem recente e posterior à de Hillary Clinton a Pequim, anunciou que os dois países lançarão conjuntamente um Centro de Pesquisa sobre Energia Limpa, com o objetivo de promover P&D em efi ciência energética, sequestro de carbono e veículos de baixa emissão. Na Índia, a visita da secretária de Estado, não teve resultados concretos, mas há indicações de que os dois países podem vir a negociar parceria semelhante. O encontro entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil ficou por último. Há sinais de que a parceria tecnológica pode ser também o melhor resultado dessas conversações.
Acordos bilaterais e “negociações em clube” têm melhores chances de pavimentar o caminho rumo a um pacto climático global mais efetivo. Chamo “negociações em clube” entendimentos políticos e diplomáticos formais, em pequeno grupo, reunindo os maiores emissores e detentores de recursos estratégicos, como florestas tropicais.
Dois pontos que não avançaram na agenda de discussões e que contribuem para o veto a metas de emissões são a transferência de tecnologia e os investimentos em adaptação. Claramente, parcerias reais em pesquisa e desenvolvimento fazem mais sentido para países como China, Índia e Brasil que a surrada ideia de transferência de tecnologia. Um sério e significativo arranjo que viabilize ações concretas e eficazes de adaptação nos países mais pobres e nas economias emergentes é também questão prioritária. É preciso reduzir essa brecha entre ciência e política no enfrentamento do aquecimento global. O processo na Natureza não vai mudar. A política terá de se ajustar ao ritmo recomendado pela ciência o mais rapidamente possível. Esse é o objetivo estratégico.
Sérgio Abranches é mestre em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB); M.A. e Ph.D. em ciência política pela Cornell University. Diretor e colunista de O Eco (www.oeco.com.br); comentarista de ecopolítica da rádio CBN
Scientific American Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário