terça-feira, 17 de agosto de 2010

A Holanda e o aquecimento global

Com boa parte de seu território abaixo do nível do mar, os holandeses já se empenham para defender-se da elevação dos oceanos.

Por Eduardo Araia



Trecho de praia em Monster no qual a construção de uma nova duna já está em estágio mais avançado. A areia é extraída do leito do mar a 15 quilômetros de distância da costa e levada até ela por tubulações.

Com boa parte do território abaixo do nível do mar, a Holanda é um dos países vulneráveis à elevação do oceano. Mas seu governo está atento à questão e já começa a implementar projetos para manter suas terras intactas

Na noite de 31 de janeiro para 1º de fevereiro de 1953, ventos e ondas gigantes derivadas de um ciclone no Mar do Norte causaram imensos estragos em países banhados por ele. Na costa leste da Grã- Bretanha, mais de 300 pessoas perderam a vida, 100 mil hectares de terra foram inundados e os prejuízos materiais passaram de R$ 14 bilhões, em valores atualizados. Bélgica, França e Dinamarca também foram bastante afetadas, mas a catástrofe maior ocorreu na Holanda. Naturalmente vulnerável por ter boa parte de seu território abaixo do nível do mar, o país viu 50 de seus diques se romperem, o que permitiu o avanço das águas sobre 200 mil hectares nas províncias meridionais de Zeeland, Noord Brabant e Zuid- Holland. Mais de 1.830 holandeses morreram afogados na ocasião e cerca de 72 mil tiveram de ser evacuados às pressas de suas residências.

Escaldado por essa trágica experiência, o governo da Holanda desenvolveu e implementou um grandioso sistema anti-inundações, elaborado para proteger as desembocaduras dos rios Reno, Meuse e Scheldt. Os trabalhos desse projeto foram concluídos com êxito em 1998, mas a tranquilidade que ele proporcionou até hoje não deixou os holandeses invigilantes. Uma comissão organizada pelo governo para estudar o aquecimento global e suas consequências anunciou em setembro de 2008 que o fenômeno poderia elevar o nível do mar entre 0,65 metro e 1,3 metro até 2100. De olho nessas previsões, o país já está pondo em prática diversas iniciativas para manter intacto o território que conquistou do mar a tão duras penas.

Uma das obras que exemplificam esse esforço contínuo está sendo desenvolvida na praia de Monster, 20 quilômetros ao sul de Haia. Ali, tubulações com várias centenas de metros de extensão expelem areia retirada do fundo do mar, a qual é transformada em dunas por grandes escavadeiras. Iniciada em 2008, a ação deverá estar concluída em 2011, ao custo total de 130 milhões de euros (cerca de US$ 200 milhões). Até lá, mais de 18 milhões de metros cúbicos de areia - suficientes para encher 7.200 piscinas olímpicas - serão despejados na praia a fim de compor as novas dunas litorâneas.

"Como é um delta baixo, a Holanda é muito sensível à mudança climática", declarou à AFP a vice-ministra de Transportes, Obras Públicas e Administração da Água, Tineke Huizinga, em novembro do ano passado. "Se os níveis do mar e dos rios subirem, a Holanda estará ameaçada. Afortunadamente, o litoral é seguro hoje, mas estamos investindo na segurança do povo que viverá aqui nos próximos 50 anos."
A matéria-prima para a montagem dessas defesas anti-inundações vem de um ponto a aproximadamente 15 quilômetros da costa. Ali, a areia é extraída do leito marinho por duas embarcações especializadas nessa atividade, que trabalham em turnos, dia e noite; em seguida, ela é enviada por meio das tubulações para a praia, onde as escavadeiras a amoldam para criar as dunas, alargar a praia e aumentar gradualmente a área do país.

Em princípio, desafiar o mar pode não parecer uma atitude sensata, mas é a única saída vislumbrada pelos holandeses, inclusive por um fortíssimo aspecto socioeconômico: as terras localizadas abaixo do nível do mar servem de moradia para aproximadamente 9 milhões dos 16 milhões de habitantes do país e são responsáveis por 65% do Produto Interno Bruto do país. Michiel van Haersma Buma, chefe de prevenção de inundações da área sob a qual está afeta a obra de Monster, explicou à AFP: "Não temos escolha, a não ser estender o litoral rumo ao mar. Nosso litoral é relativamente estreito. As casas e as estufas estão localizadas justamente além das dunas. Essa área é tão densamente povoada que não tínhamos nenhum espaço para construir mais dunas e diques no território."

As novas dunas - com largura entre 30 e 60 metros e altura de até 10 metros acima do nível do mar - estão sendo erguidas perto de outro grupo de dunas já existente. Para fixá-las ao solo, elas estão recebendo um tipo especial de grama com raízes longas. Uma vez concluida, a obra de Monster será composta por dunas que se estenderão por 20 quilômetros ao longo do litoral e terão 200 metros de largura - atualmente, a largura atinge no máximo 180 metros. "Quanto mais dunas há, menos água do mar pode se infiltrar", afirmou Haersma Buma. Desse modo, segundo o especialista, diminui o risco de contaminação da água doce no interior do país.
"Queremos poder viver e trabalhar em segurança", declarou Tineke Huizinga. "É um grande investimento", reconheceu ela a respeito da obra em Monster. "Mas o custo de proteger essa área é uma fração do custo que uma inundação causaria à economia - e que nem leva em consideração a desordem social e a perda de vidas."

Diante das mudanças climáticas, a epopeia dos holandeses contra o mar promete um sem-número de novas iniciativas. A comissão organizada pelo governo para estudar a questão já havia alertado em 2008 que o país deverá investir mais de 100 bilhões de euros no próximo século para modernizar diques e expandir a costa. As autoridades devem anunciar ainda este ano um novo programa para proteger o país das consequências do aquecimento global relacionadas à água. Custo da encrenca para o Estado, segundo o que a porta-voz do Ministério de Transportes, Obras Públicas e Administração da Água, Marie-Christine Lansen-Reusken, afirmou à AFP: aproximadamente 1 bilhão de euros (US$ 1,5 bilhão) por ano a partir de 2020.

Revista Planeta

Um comentário:

Unknown disse...

Estou certa que esses procedimentos impedirão o avanço do mar nas divergências climáticas.

Já estive na Holanda (terra de meus ancestrais) e fiquei impressionada com o desenvolvimento e a tecnologia usada num país onde a população e a terra propriamente dita fica situada abaixo do nível do mar.

O governo age no tempo certo.

Muito boa, a postagem!

Abraços

Mirze

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