Cratera com lava no Parque Nacional dos Vulcões, no Havaí.
A sociedade tem grande interesse nos progressos feitos pelos cientistas no estudo do interior da Terra. A expectativa se explica: há necessidades urgentes de fornecimento de água, recursos minerais, proteção contra desastres naturais e controle ambiental. A área teve enormes avanços nos últimos 15 anos, particularmente em termos de técnicas de visualização remota, mas ainda é preciso ir além.
De qualquer modo, o que foi obtido nos últimos anos merece destaque. Nesse período, os geólogos começaram a compreender a geosfera em termos mais mensuráveis (quantitativos). Técnicas sísmicas mais avançadas levaram a um melhor conhecimento da estrutura tridimensional do manto (camada de rochas em estado sólido ou pastoso que representa 80% do interior do planeta, entre a crosta e o núcleo da Terra) e da litosfera (a região mais exterior da Terra, composta pela crosta terrestre e pela camada de placas tectônicas do manto). Pode-se descrever, em termos numéricos, como funcionam as profundezas do sistema Terra; ao mesmo tempo, a análise quantitativa de bacias em que os sedimentos se acumulam permitiu ligar o interior do planeta ao registro das alterações gravadas nesses sedimentos ao longo do tempo.
Formas melhores de "ver" através da rocha possibilitaram aos geocientistas compreender a estrutura da litosfera e de que modo a pressão exercida pelos movimentos das placas tectônicas a leva a deformar-se. Progressos recentes na datação permitiram descobrir a velocidade desses processos, com a precisão necessária para distinguir entre as diferentes forças que moldam a paisagem.
A modelagem da forma como o relevo muda ao longo das eras atingiu um estágio em que se podem reunir, no tempo e no espaço, estudos relativos à deposição de sedimentos e à sua erosão. Numa escala muito menor, técnicas de detecção que utilizam ondas sísmicas ou eletromagnéticas possibilitam o exame de problemas de arquitetura sedimentar (a maneira como diferentes sedimentos se estruturam).
A maneira como as rochas são erodidas em certas áreas da crosta terrestre e redepositadas em outras - e, ainda, como o interior plástico da Terra reage às correspondentes mudanças de pressão - recebe o nome de transferência de massa. Esse tópico se apresenta como uma nova fronteira nas atuais Ciências da Terra - ou seja, a tentativa de compreender quantitativamente tais processos.

Esse estudo passará por alguns temas-chave, apresentados a seguir.
Relevo - O relevo terrestre resulta da interação entre os processos que ocorrem no interior, na superfície e na atmosfera. Ele influencia a sociedade, não apenas em termos dos processos lentos da mudança da paisagem, mas também através do clima. Sua evolução (mudanças de nível nos continentes, na água doce e no mar) pode afetar seriamente a vida humana, animal e vegetal. Quando há uma subida dos níveis de água doce ou do mar, ou quando o continente sofre subsidência (afundamento abrupto ou gradativo da superfície), aumenta o risco de cheias, afetando diretamente ecossistemas locais e aglomerados humanos. Por outro lado, a queda dos níveis de água doce e o levantamento do continente podem levar a um maior risco de erosão ou mesmo de desertificação.
Essas alterações provêm tanto de processos naturais como de atividades humanas, embora a contribuição absoluta e relativa de cada fator ainda seja mal compreendida. O estado atual e o comportamento do Sistema Terra na superfície são consequência de processos que ocorrem em escalas de tempo bem abrangentes. Eles incluem:
>>Efeitos tectônicos a longo prazo no levantamento, na subsidência e nos sistemas fluviais;
>>Efeitos residuais das épocas glaciais nos movimentos da crosta terrestre (o peso do gelo acumulado pressiona a crosta, que leva milhares de anos para recuperar-se depois do degelo);
>>Alterações climáticas e ambientais ao longo dos últimos milênios;
>>Os poderosos impactos antropogênicos do século 20.
Compreender o atual estado do Sistema Terra, tanto para predizer o futuro quanto para programar o uso sustentável dele, implica entender melhor esse espectro de processos (operando simultaneamente, mas em diferentes escalas de tempo). O desafio para as Ciências da Terra é descrever o estado do sistema, monitorar suas alterações, prever sua evolução e, em parceria com outras ciências, avaliar diferentes modelos para seu uso sustentável por parte dos seres humanos.
A investigação deverá concentrar-se na interação entre a tectônica ativa, a evolução do relevo e as alterações do nível do mar a elas relacionadas, assim como o desenvolvimento do padrão de drenagem dos rios. Isso significa desenvolver uma estratégia integrada de observação e análise que enfatize as mudanças em grande escala em zonas vulneráveis do globo.


Geoprevisão - A crescente pressão que estamos fazendo sobre o ambiente nos torna cada vez mais vulneráveis. Temos necessidade urgente de "sistemas de geoprevisão" cientificamente avançados que possam, de forma precisa, localizar recursos no subsolo e prever a altura e a magnitude de terremotos, erupções vulcânicas e a subsidência de terrenos. A concepção desses sistemas coloca um desafio científico multidisciplinar bem grande. A previsão dos processos que ocorrem na Terra também condiciona a previsão em outras ciências, como as oceanográficas e as atmosféricas.
Prever o comportamento dos sistemas geológicos requer um amplo entendimento dos processos e dados de alta qualidade. Espera-se que ocorra progresso nas previsões quantitativas relativas à interface entre a modelagem e a observação. É aqui que as hipóteses científicas são confrontadas com a realidade observável. Na sua versão mais avançada, a sequência integrada "observação, modelagem, quantificação dos processos, otimização e previsão" é levada a cabo de forma periódica (tanto no espaço como no tempo) e os resultados obtidos são vitais para a criação de novos desenvolvimentos conceituais.
Observar o presente - A informação sobre a atual estrutura do subsolo e do interior da Terra é um aspecto fundamental da ciência relativa à geosfera. Esse aspecto diz respeito ao estudo dos processos ativos e dos que já terminaram, mas que podem ter contribuído para as estruturas atuais. O estudo dos processos ativos é importante porque as observações a eles relacionadas (que envolvem, por exemplo, a atividade sísmica, a deformação superficial e o campo gravitacional da Terra) podem ser realizadas (e utilizadas) como condicionantes da modelagem desses processos. A compreensão relativa aos processos adquirida com esses exercícios é muito valiosa, pois permite guiar a reconstrução de processos passados.
Reconstruir o passado - Embora tenha mudado continuamente ao longo do tempo, a geosfera ainda possui vestígios da sua evolução inicial. Revelar os papéis desempenhados pelos processos litosféricos internos e externos no controle das taxas de erosão e da sedimentação representa um grande desafio.
A cobertura sedimentar da litosfera fornece um registro em alta resolução das mudanças ambientais, assim como da deformação e da transferência de massa à superfície e a diferentes profundidades da crosta, da litosfera e do manto. Nas últimas décadas, a análise sedimentar de bacias tem estado na vanguarda na integração dos componentes sedimentares e litosféricos dos campos (anteriormente separados) da geologia e da geofísica.
Um grande objetivo é integrar a tectônica ativa, os processos superficiais e a dinâmica da litosfera na reconstrução do antigo relevo das bacias e de suas áreas circundantes. Uma abordagem integrada é igualmente importante, considerando-se o papel social que essas bacias desempenham na localização de recursos, como hidrocarbonetos. Além disso, uma vez que a maioria das pessoas mora atualmente dentro ou perto de bacias sedimentares (em zonas costeiras e deltas), tanto as populações como os aglomerados onde elas vivem permanecem vulneráveis a riscos geológicos colocados pela atividade do sistema Terra.

Deformação da litosfera - A forma como as rochas do manto terrestre "fluem" exerce controle sobre a espessura e a resistência das placas litosféricas, a extensão do acoplamento entre os movimentos das placas e o fluxo no interior da Terra e o padrão e a taxa de convecção na astenosfera (região de 700 quilômetros de profundidade que fica abaixo da litosfera), assim como sobre processos mais localizados. A fim de compreender o comportamento dinâmico da parte exterior da geosfera, é essencial um conhecimento detalhado da forma como "fluem" diferentes zonas do manto.
Modelagem e validação de processos - A modelagem dos processos da geosfera é um estágio transitório entre a modelagem cinemática (relativa aos movimentos mecânicos no interior do planeta) e a dinâmica. Esse desenvolvimento não pode ocorrer sem a interação com subdisciplinas relativas à estrutura e à cinemática da Terra ou à reconstrução de processos geológicos. A informação estrutural é um pré-requisito para a modelagem dos processos da geosfera. De modo semelhante, a informação sobre movimentos horizontais e verticais, tanto atuais como passados, é utilizada para formular e verificar hipóteses relativas a processos dinâmicos. Inversamente, os resultados obtidos a partir da modelagem motivam e conduzem a pesquisa na observação do presente e na reconstrução do passado.

As movAs movimentações originárias do fundo da Terra trazem à tona substâncias que podem ser fonte de saúde, como a lama desse vulcão colombiano extinto.
Desafios e desenvolvimentos - Apesar do grande sucesso da teoria da tectônica de placas nas Ciências da Terra, ainda existem problemas fundamentais no que diz respeito à evolução dos continentes e a seu papel na dinâmica da litosfera e do manto. O processo de crescimento dos continentes, sua espessura e a associação dinâmica com o manto são tópicos a que uma série de subdisciplinas precisa prestar atenção.
Questões igualmente importantes ainda por resolver se referem ao mecanismo de controle da tectônica continental e a seus efeitos nos movimentos verticais, na dinâmica topográfica e na formação de bacias sedimentares. Nesse aspecto, é vital a dinâmica da separação dos continentes, de que forma as placas mergulham por baixo de outras, como as montanhas se erguem e são desgastadas pela erosão e seus efeitos na evolução da plataforma continental e nos processos de fronteira entre oceanos e continentes. Igualmente importantes são as taxas e as escalas em que esses processos operam.
Para quantificar os processos essenciais envolvidos no estudo da geosfera, é essencial associar forças internas e externas. O trabalho feito sobre as estruturas e os processos da crosta, a dinâmica da topografia e as bacias sedimentares registra progressos em escalas cada vez mais reduzidas.
Um Ano Internacional dedicado ao planeta
A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, proclamou um Ano Internacional do Planeta Terra 2007-2009 com o subtítulo "Ciências da Terra para a Sociedade". Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.
Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).
Pelas diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma "preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos", envolvendo "todos os países (ou a maioria deles), independentemente do sistema econômico e social", e deve "contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais", dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.
Autores: Sierd Cloetingh (ISES, Holanda), com Rolf Emmermann (GFZ, Alemanha), John Ludden (CNRS, França), Hans Thybo (Copenhague, Dinamarca), Mark Zoback (Stanford, EUA) e Frank Horvath (ELTE, Hungria).
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