quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A água e seus diferentes domínios


A água e seus diferentes domínios
Gestão dos recursos hídricos no Brasil exige mudanças fundamentais
por Wilson José Figueiredo Alves Junior
Bem físico quase sempre em movimento, a água pode assumir, em momentos distintos, domínios diferentes dentro de uma mesma bacia hidrográfica, o que explica a dificuldade enfrentada pelo gestor público para conciliar os interesses conflitantes de diferentes esferas de poder. Ao estabelecer dois diferentes domínios dos recursos hídricos no Brasil, a Constituição Federal de 1988 criou um modelo que cria dificuldades para a gestão do uso das águas de mananciais do país centrado na bacia hidrográfica.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) veio para atender ao desafio constitucional de fazer o gerenciamento dos recursos hídricos – processo que ainda requer mudanças, pois a lei não considerou a estrutura federativa e a União não pode ser considerada como o estado grande, que engloba outros estados menores.

Se um aquífero transcende os limites estaduais, isso basta para ser considerado de domínio federal. Além disso, eventuais contaminações que podem ocorrer no meio hídrico não ficam restritas ao local do dano, o que é conseqüência da própria dinâmica das águas. Assim, a poluição de um rio pode atingir as águas subterrâneas interestaduais ou internacionais.

A principal dificuldade no aspecto da gestão dos recursos hídricos no Brasil é o fato de que a extensão dos aquíferos não coincide estruturalmente com a delimitação das bacias hidrográficas superficiais, pois onde termina a formação estrutural de um recurso começa a do outro, o que leva ao desconhecimento da ocorrência e do potencial dos aquíferos.

Em outro ponto, é impossível o gerenciamento de bacia interestadual ou federal sem a participação dos estados, já que sobre o território da bacia hidrográfica incidem também as leis estaduais e municipais, o que demanda a mobilização das forças políticas, institucionais, administrativas, técnicas e financeiras desses entes federativos.

Certamente, a dependência interespacial da água, um quadro legal ineficiente, sobreposição e lacunas institucionais contribuíram para a confusão de situações técnicas e jurídicas, tal como fez a Constituição Federal ao proteger a água superficial como bem da União, atribuindo aos estados e ao Distrito Federal as águas superficiais e subterrâneas.

Com o objetivo de reformular a titularidade das águas subterrâneas no Brasil foi proposta ao Senado a Emenda à Constituição (EC) no 43 de 2000, visando atribuir à União as águas subterrâneas, de lagos, rios e correntes de águas em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (artigo 20).

Entretanto, é visível que a redação original da EC-43 ainda precisa de alterações, defendendo- se, portanto, a submissão de todas as águas subterrâneas ao domínio e titularidade da União. Assim, a nova proposta passaria a ter a seguinte redação: Art. 20 – São bens da União: III – Os lagos, rios, quaisquer correntes de águas superficiais e as águas subterrâneas, em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro, ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. Podem parecer mínimas as alterações previstas, mas elas transferem a dominialidade das águas subterrâneas dos estados para a União Federal, a qual exerceria sua soberania sobre todos os aquíferos, inclusive os interestaduais.

Assim, torna-se claro que a gestão dos recursos hídricos no Brasil exige mudanças. No caso, é necessária uma modificação na Constituição Federal por meio de um novo arranjo constitucional, pois, além de recente a discussão, esta oferece sustentação em suas eventuais mudanças.

Ao seguir um sistema calcado na bacia hidrográfica, o Brasil aderiu a um modelo ultrapassado e não compatível com as características territoriais, sociais e econômicas do país. Além disso, é evidente que o atual modelo passa por crises, o que claramente abre oportunidades para mudanças, que se refl etem em novas alternativas de gestão dos recursos hídricos, com a finalidade do melhor aproveitamento possível deles.

O Aquífero Guarani, grande reservatório que abrange os quatro países do Mercosul, por exemplo, assume enorme importância socioeconômico-estratégica por causa da falta de disponibilidade hídrica superficial, tanto quantitativa como qualitativa.
Dessa forma, a EC-43 se constitui como o grande desafio da proteção jurídica das águas subterrâneas, já que o posicionamento adotado na Constituição, ao atribuir a dominialidade das águas subterrâneas aos estados e ao Distrito Federal, impede que providências imediatas sejam adotadas em relação à proteção das águas do aquífero, que percorrem o subsolo de oito estados brasileiros e mais três países.

A partir disso, a identificação das novas tendências de gestão, relacionadas com os objetivos dessa proposta (mudança constitucional e gestão compartilhada das bacias hidrográficas e hidrogeológicas), apresentase mais condizente com a realidade de um aquífero transfronteiriço, como o caso do Sistema Aquífero Guarani.

Wilson José Figueiredo Alves Junior Wilson José Figueiredo Alves Junior é assessor jurídico do Ministério Público Federal. Doutor e mestre do Departamento de Geologia e Recursos Naturais da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (wilson@ige.unicamp.br)

Scientific American Brasil

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