sexta-feira, 2 de setembro de 2011

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O saque às margens do Paraíba do Sul
Pelo Código Florestal, o rio que corta trechos de SP e do Rio deveria correr entre faixas de 100 metros de vegetação, mas suas barrancas já perderam 80% da cobertura de Mata Atlântica


José Maria Tomazela LORENA - O Estado de S.Paulo


Terra arada até a linha do horizonte, nenhuma árvore à vista. É difícil acreditar que nesse cenário árido corre um dos rios mais importantes do Sudeste. Entre Guaratinguetá e Lorena, o Paraíba do Sul parece um grande canal de irrigação. Tubos e mangueiras saem da água e serpenteiam pela terra nua revolvida à espera do plantio do arroz. Numa extensão de 10 quilômetros, não sobrou nada da vegetação. E não é só lá. Cerca de 80% da Mata Atlântica que cobria as margens ao longo dos 1.120 km do Paraíba foi destruída.

Por lei, o rio deveria correr entre árvores. A legislação atual, que deve ser mantida pelo Congresso no novo Código Florestal, prevê que rios com mais de 50 metros de largura, como o Paraíba, precisam ter nas margens ao menos 100 m de mata. Para isso, será preciso remover agricultores, bois, bombas e drenos. Mas o que fazer com indústrias, casas e cidades inteiras erguidas nas barrancas? "Temos de começar por algum lugar. Se o foco é proteger água, vamos começar pelos mananciais usados para abastecimento", diz o coordenador do Comitê de Bacia Hidrográfica do Paraíba Paulista, Edilson Andrade.

O Paraíba tem uma trajetória inusitada. Surge da confluência dos Rios Paraibuna e Paraitinga, nos contrafortes da Serra do Mar, quase divisa com o Rio, e segue em direção à Grande São Paulo. Mas faz uma curva de 180 graus e corta todo o vale formado pela Serra da Mantiqueira. Chega a São João da Barra (RJ), para desaguar na Praia de Atafona. Só no Rio corta 37 municípios, alguns densamente industrializados, como Resende, Barra Mansa e Volta Redonda. Em São Paulo, passa por cidades como Jacareí, São José dos Campos e Taubaté. Recebe esgoto, despejos industriais e muito, muito lixo.

Ainda assim tem peixe, diz o autônomo João Bosco, de 63 anos, que nas horas vagas pesca no Paraíba em Guaratinguetá. "Já peguei carpa de 15 quilos", exagera. Ele mostra o barranco erodido. "Não tem raiz para segurar a terra e o rio vai comendo a beirada." No bairro Ponte Nova, Lorena, bois e cabras descem o barranco para matar a sede. Mais abaixo, o fogo queima a vegetação rasteira na margem. O Paraíba já não tem areeiros com dragas, mas segue sem mata ciliar até Cruzeiro, onde Luís Roberto da Silva tenta arrendar seu sítio de 22 hectares (o hectare equivale a um campo de futebol) para uma reflorestadora de eucalipto. "A lei me obriga a replantar o mato, mas não tenho recurso."

É quase impossível enxergar as margens do Paraíba na área urbana de Cruzeiro, onde o amontoado de casas praticamente se debruça sobre o rio. O manancial que fez surgir a cidade em meados do século 19 hoje serve para escoar todo o esgoto produzido pelos 80 mil moradores. De algumas casas dependuradas nas margens, o rio também recebe lixo e outros dejetos. De acordo com o secretário do Meio Ambiente, Oscar Buturi, a prefeitura tem pronto um projeto para tratar todo o esgoto coletado e lançado in natura no Paraíba, mas não tem verba. "É uma obra de R$ 40 milhões, muito cara para um orçamento anual de R$ 100 milhões."

De Lavrinhas a Queluz, o rio se espreme entre pedras, morros rasgados e árvores caídas. São as obras de duas pequenas hidrelétricas, da empresa Alupar Investimentos. Segundo Andrade, as obras têm licenciamento ambiental e a empresa precisará cumprir um programa de compensação ambiental.

No Rio, o Paraíba volta a respirar na passagem pelo Parque Nacional de Itatiaia. Mas em Resende, onde se alternam áreas industriais e pastagens, a mata ciliar volta a sumir. Na beira do rio há confinamentos para engorda de bois e fábricas potencialmente poluidoras. Em fins de 2008, um vazamento de inseticida causou o mais recente desastre ambiental do Paraíba, matando 100 toneladas de peixes. "Tirar a mata da margem foi um erro", admite o presidente do Sindicato Rural de Resende, Gilmar Moreira. "Onde houve degradação, os barrancos estão caindo."
Jornal O Estado de S. Paulo

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