sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Estado logístico brasileiro e a crise financeira mundial: motivos para otimismo?


Danilo Vergani Machado
A economia internacional apresentou no último trimestre de 2008 números que revelam os efeitos de uma grave crise financeira com dimensões ainda desconhecidas. Embora o ambiente seja de incertezas, analistas concordam que as raízes encontram-se no desempenho dos principais mercados mundiais, sobretudo, nos Estados Unidos. O país que em 2007 já demonstrava claros indícios de recessão, tornou-se o epicentro das agitações no capitalismo global. Não tardou muito e comparações com a Depressão ocorrida na década de 1930 começaram a surgir. Novamente, observamos o debate acerca da necessidade de um Estado forte e atuante frente ao Estado mínimo das últimas décadas. Neste cenário, o paradigma logístico brasileiro busca afirmar no sistema internacional uma agenda de estímulo ao multilateralismo, de maior presença política na economia e combate ao protecionismo como ferramentas eficazes para enfrentar o difícil período que se desvenda.

A crise no setor imobiliário dos Estados Unidos é considerada o início de uma onda de pessimismo global, com drástica redução de investimentos internacionais e fuga de capitais, queda no comércio mundial e na produção de bens, elevação do desemprego, variações cambiais, enfim, um efeito dominó já conhecido pela história econômica em diferentes intensidades. Mas o que faz desta crise um fenômeno especial e comparável aos acontecimentos de 1929 por experientes analistas? De imediato é possível apresentar três pontos: em primeiro lugar que a crise teve início no coração da economia mundial, o mercado norte-americano; em seguida, sua capacidade de gerar rápidos efeitos internacionais, de proporções relativas ao grau de internacionalização das economias nacionais; por fim, o ressurgimento de vozes keynesianas em favor de uma atuação ativa do Estado na economia.

Embora ainda pareça demasiado exagero tal comparação, a preocupação com os rumos que a crise pode tomar é legitima e o olhar histórico sempre recomendado. Como se fosse da noite para o dia, a crise iniciada em 1929 nos Estados Unidos atingiu a Europa ainda em fase de reestruturação econômica pós-Primeira Guerra Mundial. Os anos de 1932 e 1933 foram os piores após o Crash da Bolsa, responsáveis por caracterizar a primeira e talvez ainda única grande depressão do sistema capitalista. O mercado de trabalho foi reduzido aproximadamente em 23% na Grã-Bretanha, 24% na Suécia, 27% nos Estados Unidos, 31% na Noruega e 32% na Dinamarca. Mas nada gerou tanto impacto quando aos 44% da população alemã desempregada. (HOBSBAWM, 2007)

As conseqüências, no entanto, foram ainda mais nefastas. Percebeu-se o aumento do protecionismo comercial ilustrado pela de criação da tarifa Smoot-Hawley Act, a exacerbação dos nacionalismos, o surgimento de regimes não democráticos por todos os continentes e a ascensão de regimes fascistas, principalmente na Alemanha e Itália. O multilateralismo deixou de ser opção para as relações internacionais e, segundo Cervo, generalizou-se a prática de adotar soluções nacionais para problemas internacionais. Desenhou-se assim o ambiente que culminou na Segunda Guerra Mundial. (CERVO, in SARAIVA, 2007)

O economista britânico John Maynard Keynes destacou-se neste período e estruturou um modo de pensar onde economia e política atuavam de forma conjunta. Defendeu o fortalecimento do Estado de forma a possibilitar sua atuação regulatória por meio de políticas de estabilidade fiscal e monetária, que visassem assegurar o pleno emprego, o investimento estatal em setores de infra-estrutura e regimes de segurança social. Não por acaso, Roosevelt iniciou um plano de recuperação da economia norte-america seguindo este pensamento keynesiano. O New Deal foi implantado por meio de ações políticas que estabeleceram agências governamentais para regulamentação de setores, programas de assistência social, além da obsessão pela geração de empregos a partir do investimento público na construção de escolas, rodovias, portos, hospitais, etc. Keynes acreditou que a demanda criada pela renda dos trabalhadores, em ambiente de pleno emprego, seria um passo importante para superar a recessão.

Assim, o debate acerca da presença ou não de um Estado atuante na esfera econômica é estimulado novamente pela crise financeira atual. E isto ficou claro no Seminário Internacional sobre Desenvolvimento promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, realizado em Brasília no mês de março. Nele, a economista Maria da Conceição Tavares salientou a necessidade de atuação mais intensa por parte do Estado e promoção do multilateralismo como única forma de diálogo possível neste período de crise. Especificamente sobre o Brasil, Tavares observou que o governo possui fôlego para incentivar a demanda e o investimento em quatro vertentes. Em primeiro lugar as políticas sociais como o “Bolsa Família” e “Luz para Todos”; em segundo uma política habitacional; terceiro salientou as obras que serão executadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com o intuído de alavancar a economia e corrigir as desigualdades da infra-estrutura regional; por fim, políticas sobre produção de energia, como o fortalecimento e investimento na Petrobrás e fontes alternativas.

O consenso nos debates aponta para a presença do Estado numa possível “medida certa” na esfera econômica, sem os extremismos de ausência total na regulação do mercado nem substituindo o papel das empresas. O paradigma do Estado logístico, apresentado por Amado Cervo auxilia na compreensão de uma postura mais estratégica adotada pelo Estado aos desafios do mundo globalizado.

Este paradigma tem por definição o fortalecimento da nação, pois transfere a responsabilidade do papel empreendedor à sociedade, auxilia nas operações externas e busca inserção equilibrada no sistema internacional, tendo sempre em seu horizonte o desenvolvimento do país. No Brasil, os dois períodos em que Fernando Henrique Cardoso exerceu a presidência possibilitou a observação de um tímido ensaio do paradigma logístico. (CERVO, 2002) Embora estigmatizado pela adoção de uma postura neoliberal acrítica, ajudou a consolidar a democracia, a estabilização monetária e a promoção de responsabilidade fiscal no governo. Mesmo assim, os números referentes ao desenvolvimento não foram satisfatórios. Todavia, o ambiente interno mais estável possibilitou o governo Lula avançar no paradigma logístico de forma operacional e corrigir algumas distorções neoliberais anteriores. O multilateralismo voltou a ser opção primordial nas relações internacionais e recuperou-se a autonomia decisória da política externa. No âmbito do desenvolvimento econômico, o Estado logístico passou a atuar de forma a diminuir a dependência tecnológica e financeira e ampliou políticas sociais com o intuito de reduzir as disparidades sócio-econômicas regionais. (CERVO, 2008).

O Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, apresentou ao seminário realizado pelo CDES dados sobre a economia e desenvolvimento nacional que ilustram os resultados obtidos por meio do paradigma logístico. Em relação ao PIB, o Brasil teve um desempenho médio de crescimento de 1,9% entre os anos de 1999 e 2003, enquanto no período de 2004 e 2008 este número subiu para 5,0%. A inflação que em 2003 estava aproximadamente em 15%, atingiu em janeiro de 2009 a cifra de 5,84%. A dívida pública caiu de 56% do PIB em 2002 para aproximadamente 37% do PIB em 2009. Em relação à criação de empregos, os números também são expressivos já que entre 1995 e 1999 ocorreu uma média negativa de -323 mil empregos; em 2000 e 2003 houve inversão e ocorreu a criação média de 664 mil empregos; por fim, o espaço entre 2004 e 2008 observou um crescimento médio de 1.415 mil novos empregos. O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, sustenta seu otimismo em relação a uma posição privilegiada diante da crise em virtude de fatores como: solidez fiscal, investimentos do PAC, inflação controlada, fortalecimento do mercado interno, reservas de 200 bilhões de dólares, maior regulamentação do setor financeiro e autonomia energética.

Em tese, estes fatores impedem que o Brasil seja atingido com os efeitos imediatos gerados pela crise. Entretanto, o economista James Galbraith, que integra a equipe de conselheiros de Barack Obama, participou do seminário referido anteriormente e salientou a necessidade de se fazer investimentos públicos de forma a manter o crescimento econômico. A previsão de crescimento médio do PIB mundial de acordo com o mercado financeiro para 2009 é de -0,5%, enquanto o Brasil tem expectativa crescimento de 0,6%, já para o governo a estimativa é de 2%. O economista acredita que o conceito de intervenção estatal é debatido de forma errada por muitos atores. Ressalta que o Estado é parte da economia e sem a devida regulação, funciona com grande desequilíbrio, sendo que a diferença básica de um país desenvolvido para aquele em processo de desenvolvimento é a eficiência neste setor de regulamentação e não apenas a capacidade tecnológica.

Referências
CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo (2002). História da Política Exterior do Brasil. 2ª. ed. Brasília: UnB, 525 p.

CERVO, Amado Luiz (2008). Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 297 p.

CERVO, Amado Luiz (2007). A instabilidade internacional (1919-1939). In: SARAIVA, José F. S. História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade internacional do século XIX à era da globalização. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 347 p.

Folha de São Paulo. Acessado em 20/03/2009. Disponível em:.

HOBSBAWM, Eric J. (2007) Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 598 p.

Seminário Internacional sobre Desenvolvimento, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Brasília, 5 e 6 de março de 2009.

Danilo Vergani é Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília - UnB (verganidanilo@gmail.com).

Meridiano 47

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