quarta-feira, 15 de abril de 2009

A crise mundial e a logística de transportes no Brasil


Nilder Costa
27/fev/09 (Alerta em Rede) – Há indícios alvissareiros que o governo começa a se mexer para dinamizar os dois modais de transporte que têm sido, historicamente, relegados a segundo plano: o ferroviário e o hidroviário.

Ferrovias
Segundo Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o governo vai promover a maior reforma regulatória no setor desde a privatização após constatar que as atuais concessionárias de ferrovias estão explorando apenas 38% do total de 28,8 mil quilômetros de trilhos administrados pela iniciativa privada. [1]

Fonte: Valor Econômico



A primeira medida em estudo refere-se à mudança nas metas de desempenho, hoje estabelecidas para o conjunto da malha operada pela concessionária, que serão fixadas para cada um dos corredores ferroviários dentro de uma mesma concessão. A percepção da ANTT é que as concessionárias privilegiam regiões de maior demanda e deixam semi-abandonados 62% de seus trilhos, inviabilizando pequenos e médios usuários de escoar sua produção pelas ferrovias. Com as novas metas, todos os trechos deverão ser ativados, ainda que não ofereçam a mesma rentabilidade dos mercados mais nobres da área de concessão. Figueiredo garante que a agência "não vai rasgar contratos".

A segunda medida visa a obrigação de compartilhas as malhas ferroviárias, ou o ‘direito de passagem’, e que pode ser comparado ao que já ocorre no setor de transmissão elétrica Não deixa de ser algo comparável ao que existe no setor elétrico onde grandes consumidores podem tornar-se clientes de fornecedores de energia que estão fora da área de concessão da distribuidora local, bastando pagar pelo uso da rede de distribuição. De fato, o direito de passagem já consta dos contratos de concessão, mas não foi regulamentado. Trata-se de uma medida de grande impacto logístico uma vez que irá colocar em prática uma das grandes vantagens comparativas das ferrovias, que é o transporte de grandes cargas a distâncias superiores a 500 km.
Bernardo Hees, presidente da América Latina Logística (ALL), não vê problemas nas mudanças que a ANTT planeja fazer no modelo de concessões ferroviárias. Hees admite que há locais com menos volume de transporte que o potencial a ser explorado, mas afirma que a empresa está trabalhando para torná-los viáveis economicamente e cita o caso de Antonina, no litoral do Paraná. "Era um trecho de baixa densidade dois anos atrás e hoje é um trecho normal, porque conseguimos viabilizar investimentos e contratos”. [2]

O importante é que as concessionárias estão trabalhando em conjunto com a ANTT. Para Hees, "o que está sendo interessante nesse processo" é que as partes envolvidas estão discutindo formas de trazer mais investimentos e crescimento para as ferrovias:"Isso é música para nós", disse ele acrescentando que a ALL está vivendo um de seus melhores momentos e manterá os planos de investimentos em 2009: "Estamos investindo, contratando e vamos crescer."

Trem-bala
Em outra vertente ferroviária, o governo confirmou que pretende lançar, ainda neste ano, o edital de licitação para o projeto do trem de alta velocidade entre Rio-São Paulo-Campinas (650 km), o chamado trem-bala. Para tanto, o governo resolveu criar uma nova estatal para cuidar de todo o processo de absorção de tecnologia envolvida no projeto. [3]

Segundo o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, o compromisso de transferência de tecnologia será um dos pré-requisitos para entrar na disputa e garantiu que o governo já recebeu a confirmação de que bancos de fomento estrangeiros continuam dispostos a financiar "grande parte" do empreendimento. Grupos franceses (Alstom), alemães (Voith Siemens), italianos (Ansaldo Breda), coreanos (Hyundai) e japoneses (Mitsubishi, Kawasaki, Toshiba e Hitachi) manifestaram interesse em participar do leilão. Passos disse ainda que estão praticamente prontos os projetos de lei para constituir a nova estatal – que deve se chamar Empresa de Pesquisa Ferroviária (EPF) -, e um decreto presidencial regulamentando seu funcionamento.

Igualmente, a China Railway Materials (CRM), estatal chinesa que constrói e opera ferrovias no país, prepara-se para entrar na licitação do primeiro trem de alta velocidade no Brasil. O projeto atraiu o interesse dos asiáticos, que estão construindo uma das maiores obras do gênero atualmente, o Expresso Pequim-Xangai, estimada em US$ 31 bilhões e com extensão de 1.318 quilômetros. De fato, foi a partir de acordos com a Voith Siemens e a Kawasaki que os chineses ingressaram na era dos trens-bala, a partir da virada da última década. , João Vianna, representante da CRM no Brasil, afirma que houve um processo bem-sucedido de absorção de tecnologia estrangeira e agora a China está capacitada a construir seus próprios trens, dispensando fornecedores externos. De acordo com ele, essa tecnologia estará à disposição para transferência aos brasileiros no novo projeto e que a CRM está disposta a instalar uma unidade no Brasil para produzir equipamentos. [4]

O custo do trem de alta velocidade (Rio-São Paulo-Campinas) é estimado em US$ 11 bilhões e Passos reconheceu que o governo precisará subsidiar parte do valor, alegando que a experiência internacional demonstra a necessidade de parceria com o setor público. O secretário explicou que o fornecedor estrangeiro de tecnologia deverá associar-se a empreiteiras nacionais para participar da licitação, sendo que os consórcios deverão ir juntos à concorrência e fazer parte da composição da sociedade de propósito específico (SPE) a ser criada para gerir o trem-bala.

PAC ferroviário
Existem três projetos ferroviários no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): a Transordestina (1.728 km), concessão da CSN; o trecho Palmas (TO)-Estrela do Oeste (SP), da Ferrovia Norte-Sul, da Vale; e o trecho da antiga Ferronorte entre Alto Araguaia-Rondonópolis (MT), 260 km, da Brasil Ferrovias.

A Transnordestina parece que está, finalmente, deslanchando. Já a Norte-Sul vai em bom ritmo e deve chegar a Palmas (TO) ainda este ano, estando já com mais de 460 km concluídos (ver mapa em www.valec.gov.br/tracado.htm ). Já o terceiro projeto foi alvo de críticas da ministra Dilma Roussef que avisou: “Informamos aos donos da Ferronorte (ALL, BNDES e fundos de pensão de empresas estatais) da possibilidade de caducidade da concessão para a construção e exploração da ferrovia entre Alto Araguaia e Rondonópolis, no Mato Grosso, com 260 quilômetros de extensão. Agora, eles estão investindo. A partir de agora, quem tiver uma concessão do governo, em qualquer área, e não explorar vai perdê-la. O objetivo, claro, não é retomar a concessão. O governo vai exigir que haja a exploração”.


A hora das hidrovias
Segundo o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), Luiz Antônio Pagot, o governo está preparando uma espécie de "PAC das hidrovias" com investimentos de até R$ 18 bilhões contemplando a ampliação e instalação de três grandes hidrovias. [5]

A principal obra, avaliada entre R$ 5 bilhões a R$ 8 bilhões, é a ampliação da Hidrovia Tietê-Paraná. A ideia é ampliar o trecho navegável dos atuais 800 quilômetros para 2 mil quilômetros em um prazo de quatro anos. "Para isso, teremos de fazer 12 eclusas e a capacidade de transporte de carga aumentaria de 5 milhões para 30 milhões de toneladas por ano, sem dizer que a hidrovia terminaria a uma distância de 150 quilômetros do Porto de Santos", disse Pagot.

A segunda obra é a ampliação da Hidrovia do Tocantins que será viabilizada com o término – finalmente – da construção da famosa eclusa de Tucuruí. O projeto em estudo prevê a construção de mais três eclusas (custo estimado de R$ 2,1 bilhão), elevando a distância navegável para 2.200 quilômetros.

O terceiro projeto trata da implantação da hidrovia Tapajós-Teles Pires, que demandaria investimentos de R$ 5 bilhões e que ampliaria a navegabilidade do sistema dos atuais 300 quilômetros para 1.500 quilômetros. Essa hidrovia é estratégica para o escoamento da produção agrícola do norte de Mato Grosso pelo porto de Santarém, no Pará.

Conforme Pagot, os estudos e documentos relativos ao “PAC das hidrovias” deverão ser apresentados aos ministros dos Transportes, Alfredo Nascimento, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, até o fim de março. O entusiasmo e confiança com os projetos é de tal ordem que Pagot aproveitou para informar que o Governo Federal pretende transformar 2009 no ano hidroviário nacional.

O processo
De fato, esse processo de dinamização dos modais ferroviário e hidroviário começou em meados de 2007 quando, após quase 20 anos desde o último planejamento de transportes realizado no País, feito pelo extinto Geipot, foi lançado o Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT). Mesmo que em caráter preliminar, o plano, que contempla dois períodos (2008-2015 e 2016-2023), recomenda uma mudança significativa na matriz de transportes brasileiro: a participação do modal rodoviário deverá cair dos atuais 58% para 33%, sendo reforçados os modais ferroviário (passando de 25% para 32%) e o hidroviário (passando de 13 para 29%). [6]

O próximo passo ocorreu em meados de 2008 quando a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 427 que promoveu uma verdadeira revolução no sistema ferroviário brasileiro e no próprio Plano Nacional de Viação (PNV), com a inclusão de novas ferrovias e a alteração e ampliação do traçado de outras já existentes ou em projeto.

A principal alteração foi na EF-151 (Norte-Sul), que agora deverá ligar Belém (PA) até a cidade de Panorama (SP), com nada menos que 3.100 km de extensão. Já a principal inclusão foi a linha que corta o Brasil de leste a oeste e é formada por dois trechos: a EF-334, que liga Ilhéus (BA) a Alvorada (TO) e segue daí pela EF-246, que liga Uruaçu (GO) a Vilhena (RO), somando cerca de 3.000 km. Os estudos ambientais para estas duas ferrovias já foram colocadas em licitação pela Valec. Ressalte-se que uma das mudanças introduzidas na MP foi a que denomina a EF-246 como Transcontinental Brasil-Peru, que recorda um projeto com tal perspectiva proposto na década passada pelo engenheiro brasileiro Vasco Azevedo Neto: a ferrovia Transulamericana, que teria como pontos extremos Salvador (BA) e Puerto Bayovar, Peru. [7]

Se o governo conseguir criar e prover as condições necessárias para concretizar o planejado na logística de transportes, o Brasil não somente enfrentará mais facilmente as conseqüências da atual crise financeira internacional como emergirá dela em condições muito melhores que as atuais para exercer sua influência no cenário mundial.

Notas:
[1]Governo vai alterar regras para ferrovias, Valor, 11/02/2009
[2]ALL não vê problema em mudanças nas concessões, Valor, 13 de fevereiro de 2009
[3]União quer criar estatal para construir e operar trem-bala, Valor, 16/02/2009
[4]Chineses já se preparam para disputar licitação, Valor, 16/02/2009
[5]Governo prepara ''PAC das hidrovias'', O Estado de São Paulo, 19/02/2009
[6]Enfim, um plano estratégico de transporte e logística, Alerta Científico e Ambiental, 21/06/2007
[7]Ferrovias de Norte a Sul e de Leste a Oeste, Alerta Científico e Ambiental, 10/07/2008

Alerta em Rede - http://www.alerta.inf.br/Transporte/1465.html

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