terça-feira, 10 de setembro de 2013

A hora e a vez do nordeste

Novas indústrias começam a mudar o rosto da Bahia, do Ceará e de Pernambuco
JOSÉ PAULO BORGES

Arte PB


Pobreza extrema; concentração de terras e riquezas nas mãos de uma pequena elite de “coronéis” acostumada ao mando e ao desmando; indicadores sociais medíocres, sempre em descompasso com a média nacional; atraso político crônico. O outro lado da moeda: sol exuberante o ano inteiro e praias paradisíacas a perder de vista. Até bem pouco tempo atrás, essa era a imagem do nordeste projetada por boa parte – senão pela maioria – da população brasileira.

Nas últimas décadas do século passado, contudo, transformações estruturais que permitiram a industrialização nas cidades litorâneas, redução da importância da agricultura no interior, ampliação dos setores de serviços e comércio e a urbanização da maior parte da população deram novas cores àquela realidade. Esse período “virtuoso” não teve o condão imediato de alterar significativamente os principais problemas regionais. Os balizadores sociais, por exemplo, ainda são acabrunhantes. Nos últimos anos, porém, começou a se desenhar um outro cenário, bem mais promissor.

“Há crescimento econômico no nordeste, sim, e com um caráter inclusivo. Ou seja, a economia está obtendo taxas maiores que a média nacional e, em paralelo, há diminuição da pobreza extrema, melhorias na área social e mudanças na política regional”, analisa o professor Cícero Péricles de Carvalho, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Os números que atestam o recente ciclo de crescimento são expressivos. Os investimentos anunciados entre 2008 e 2013 para a região, de acordo com entidades de desenvolvimento como o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), assim como por bancos e consultorias privadas, chegaram a R$ 282 bilhões. São valores acumulados de projetos que passaram por aquelas instituições ou mesmo por órgãos estaduais de desenvolvimento – uma quantia e tanto, pois representa mais do que a soma do PIB de 2010 de sete estados nordestinos: Sergipe, Piauí, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. Mas isso não é tudo. Os investimentos projetados para os próximos anos, até 2020, tangenciam o mesmo valor. Ou seja, nos primeiros 20 anos do século atual a economia nordestina deverá ser irrigada por mais de R$ 550 bilhões. Outro número? Somente nos três maiores polos de desenvolvimento da região (complexo industrial portuário de Suape, em Pernambuco, terminal portuário de Pecém, no Ceará, e polo industrial de Camaçari, na Bahia), os investimentos captados nos últimos cinco anos e projetados até 2015 somam cerca de R$ 98 bilhões.

Na opinião de Péricles de Carvalho, doutor em economia regional, o marco demarcatório do início do atual ciclo de expansão econômica vivido pelo nordeste situa-se no que ele chama de “período Sudene” (1960-2000), em especial em suas três primeiras décadas. Mesmo assim, a pobreza extrema de quase metade da população da região pouco se alterou na época. Já o atual padrão de crescimento nordestino difere dos de décadas passadas pela entrada em cena de um personagem importante: o vetor social como elemento de desenvolvimento. E o destaque, sem dúvida, são as políticas de transferência de renda. O nordeste tem 17 milhões de famílias e uma população de 53 milhões de habitantes. A Previdência Social paga, todos os meses, R$ 6 bilhões a 8,2 milhões de beneficiários (que em geral têm família). O programa Bolsa Família coloca mais R$ 1 bilhão, também mensalmente, nas mãos de 7 milhões de famílias espalhadas pelos nove estados nordestinos. “É um grau de cobertura elevado e um volume grande de renda, criando mercado consumidor em todas as localidades”, afirma o especialista.

O segundo elemento é a elevação do número de trabalhadores formais. Entre 2003 e 2011 foram criados no nordeste 4,1 milhões de postos de trabalho, duplicando o número de assalariados com carteira de trabalho. Simultaneamente, ocorreu a elevação do salário mínimo, que quase dobrou de valor em uma década, causando impactos numa região onde metade dos trabalhadores recebe o piso salarial nacional. Os programas estatais de desenvolvimento econômico, com investimentos produtivos, que têm impacto social forte, como o Pronaf (de estímulo à agricultura familiar), o Crediamigo (de microcrédito), o Agroamigo (de microfinanciamento rural), o Luz para Todos e o Minha Casa, Minha Vida, compõem o terceiro elemento. Em quarto lugar, pesam os grandes investimentos privados e públicos, tanto industriais, agroindustriais e de serviços como de infraestrutura física, que mobilizam recursos e movimentam a economia. Quinto e não menos importante: as políticas permanentes de educação e saúde básicas, que, em que pesem suas limitações e falta de qualidade, vêm carreando aportes financeiros federais elevados no âmbito municipal. Resultado da orquestração desses fatores: entre 2002 e 2009 o número de nordestinos pobres diminuiu em 9 milhões de pessoas e 7 milhões saíram da indigência.

Bom momento

Com a ampliação da renda, criou-se um novo perfil nos segmentos de consumo. Hoje, do litoral ao sertão predomina o público de baixa renda, com mais de 65% dos consumidores localizados nos segmentos C e D. É nessa faixa que se encontram os assalariados pobres e os beneficiários da renda pública: as famílias da chamada “nova classe média”. Nos últimos anos, esse público ávido de consumo foi responsável pela duplicação da frota de automóveis, pela multiplicação por cinco do total de motos e pelo aumento em nove vezes do número de telefones celulares no nordeste.

Não foi por acaso, portanto, que a Fiat decidiu instalar sua nova linha de montagem na cidade pernambucana de Goiana, distante 70 quilômetros de Recife. “Serão modelos para surpreender os consumidores”, deixa entrever, em tom de suspense, o presidente da Fiat/Chrysler para a América Latina, Cledorvino Belini, referindo-se aos veículos que irão sair da nova fábrica da marca. Os investimentos para a construção e instalação da filial nordestina da empresa, que ficará pronta em 2014, bem como para o desenvolvimento de produtos, totalizam R$ 4 bilhões.

Além do promissor mercado local, a opção por Pernambuco, segundo Belini, se deveu ao fato de o estado estar situado na extremidade oriental da costa da América do Sul e ter o maior porto público do país, Suape, que está interligado a mais de 160 portos da África, Europa e América do Norte. “Outro aspecto relevante é o plano consistente de desenvolvimento econômico adotado pelo estado, que está atraindo investidores brasileiros e estrangeiros”, observa Belini. Com 288 mil metros quadrados de área e capacidade de produção de 200 mil a 250 mil veículos por ano, a unidade vai gerar 4,5 mil empregos diretos e 12 mil indiretos.

A atração de empresas do porte da Fiat reflete o bom momento econômico de Pernambuco. O Produto Interno Bruto (PIB) do estado, por exemplo, vem aumentando a taxas superiores às do nordeste e mesmo do Brasil. Entre 2007 e 2012, a terra do frevo cresceu a uma média anual de 4,6%, enquanto o PIB nacional se ampliou 3,6%. No ano passado, mesmo com a perda de fôlego da economia brasileira, a expansão no estado foi de 2,3%, período em que o avanço do país se limitou a 0,9%. Os investimentos em Pernambuco do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também aumentaram, alcançando R$ 2,2 bilhões em 2012.

A Bahia está igualmente se beneficiando. O Estaleiro Enseada do Paraguaçu (EEP), no Recôncavo Baiano, representa, segundo a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, uma “nova fase para a indústria naval brasileira”. Com a matriz ainda sendo erguida, o EEP já soma contratos de US$ 6,5 bilhões, correspondentes a dez megaembarcações destinadas à estatal do petróleo, incluindo seis sondas para o pré-sal. O estaleiro é uma associação entre as construtoras Odebrecht (35%), OAS (17,5%), UTC (17,5%) e a japonesa Kawasaki Heavy Industries (30%), a conhecida fabricante de motos, que também atua há 130 anos no setor naval. O principal contrato (US$ 4,8 bilhões) do EEP, por meio da gestora Sete Brasil, se refere à construção de seis das 28 sondas de perfuração de águas ultraprofundas para o pré-sal. As demais encomendas consistem na transformação de quatro cascos de navios petroleiros em plataformas (P-74, P-75, P-76 e P-77).

Produção de aço

“É um desafio enorme”, resume o presidente do EEP, Fernando Barbosa. “Em 2012, trabalhamos na construção da empresa partindo do zero. Em 2013, o grande desafio é entregar resultados”, acrescenta, repetindo a palavra “desafio”, uma das mais utilizadas por ele. “Nos próximos anos, o grupo quer estar presente em plataformas de produção, de perfuração e em navios especializados. São contratos de, pelo menos, centenas de milhões de dólares”, informa Barbosa, com entusiasmo. Sem dúvida, desafios e tanto.

No Ceará, a expectativa se relaciona à zona de processamento de exportação (ZPE) instalada no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), no município de São Gonçalo do Amarante, a 60 quilômetros de Fortaleza. Aprovada por decreto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em junho de 2010, a ZPE de Pecém foi inaugurada em março de 2013. A Receita Federal já publicou no “Diário Oficial da União” o ato de “alfandegamento”, que permite a redução de impostos sobre produtos fabricados na área e vendidos ao exterior.

A ZPE cearense vai abrigar a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), um empreendimento com investimentos estimados em US$ 8 bilhões, desenvolvido em parceria da Vale com as companhias coreanas Dongkuk e Posco. Será a primeira siderúrgica integrada do nordeste. Sua produção será voltada ao mercado externo e incentivos fiscais federais deverão garantir a rentabilidade do negócio. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, há previsão de que a primeira fase da usina comece a operar em 2015, produzindo 3 milhões de toneladas de placas de aço e gerando 4 mil empregos diretos e 10 mil indiretos. A segunda etapa está prevista para 2017.

A Vale Pecém é outra importante indústria que também se instalará na zona de processamento de exportação, mediante investimentos da ordem de US$ 98 milhões, com planos de beneficiar o minério de ferro a ser utilizado pela CSP (serão processados 5 milhões de toneladas anuais da matéria-prima). Há expectativas, ainda, de que a ZPE receba a instalação de uma refinaria da Petrobras.

Apesar de tudo isso, o “milagre econômico do nordeste” não está isento de críticas. A principal delas se relaciona ao fato de os bons ventos estarem bafejando, praticamente, apenas os três grandes centros industriais dos estados da Bahia, do Ceará e de Pernambuco. Sem infraestrutura, com mercado consumidor pouco relevante e recursos próprios escassos, Alagoas, por exemplo, queixa-se por não conseguir absorver investimentos. Os péssimos indicadores sociais do estado, sobretudo a violência urbana, também assustam os investidores. Altamente concentrada no setor sucroalcooleiro, a economia alagoana amarga desvantagens mesmo nesse setor em relação a seus vizinhos regionais, como Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.

A bem da verdade, nos últimos anos o PIB de Alagoas avançou abaixo da média do nordeste, na esteira do modelo conhecido como “renda sem produção” – ou seja, do consumo estimulado pelo Bolsa Família e pela expansão do crédito –, que não tem energia suficiente para colocar o estado no mesmo ritmo nordestino de geração de empregos. De acordo com o Ministério do Trabalho, entre 2007 e 2011 a criação de vagas formais em Alagoas aumentou 3,1% ao ano, em média. É o pior desempenho da região, que registrou crescimento médio de 6% no período.

Guerra fiscal

Não é de hoje que as três principais economias nordestinas vêm canalizando o interesse dos investidores. Na primeira fase da Sudene – autarquia criada em 1959, desativada em 2001 e reativada em 2007 –, os investimentos industriais foram quase que exclusivamente destinados às regiões metropolitanas de Salvador, Recife e Fortaleza. No final dos anos 1990, passado o período dos empreendimentos estimulados pelo Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor), veio a “guerra fiscal” (disputa mediante a concessão de incentivos com vistas a atrair os investidores), patrocinada, primordialmente, por Bahia, Pernambuco e Ceará, o que significou, outra vez, o direcionamento dos investimentos para as regiões metropolitanas dos três estados. Amainado o período mais intenso dessa batalha, eles se apresentaram como mais competitivos e, portanto, capazes de despertar a atenção das grandes indústrias por concentrarem mais produção e riqueza que os seis estados de economia menor: Alagoas, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. “Dada a dinâmica econômica das regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador, as três cidades acabam se comportando como capitais do nordeste, justificando a influência que mantêm sobre aquela vasta área”, destaca Péricles de Carvalho.

Há, no entanto, duas barreiras reais que podem dificultar um maior crescimento do nordeste: a falta de infraestrutura física na região e a carência de mão de obra qualificada. As deficiências nos portos, aeroportos, estradas, ferrovias e no tocante à oferta de energia e água penalizam os empreendimentos em andamento e complicam a atração de novos investimentos – entraves que os recursos do PAC para a infraestrutura regional estão começando a enfrentar, porém, como esperado, com dificuldades de mão de obra. O nordeste dispõe de uma pequena rede formadora profissional, que serve a uma região atrasada mas não dá conta da demanda por trabalhadores qualificados num ritmo de crescimento econômico anual acima de 3%. Isso fica evidente em setores como construção civil, novas indústrias, hotelaria e serviços médicos hospitalares.

Medidas paliativas, como a formação de pessoal no canteiro da obra, importação de trabalhadores de outras regiões e cursos de treinamento em massa não substituem a formação clássica do trabalhador, que necessita ter, pelo menos, o nível médio completo para atender às demandas do novo mercado e dominar as ferramentas das modernas tecnologias. “Nas duas últimas décadas, o nordeste ampliou o número de matrículas e melhorou seu padrão de ensino, mas ainda está distante de uma resposta efetiva para quem precisa crescer mais rápido que as demais regiões brasileiras”, assinala Péricles.

Avançar mais depressa que o restante do país. Seguramente, esse é o principal tópico da agenda de desenvolvimento do nordeste. No sertão – que abrange 56% do território nordestino e onde está 40% da população, mas que representa apenas 20% do PIB da região –, a pobreza persiste. Embora os habitantes do semiárido vivam majoritariamente (63%) em áreas urbanas, o impacto econômico da seca, com perdas brutais de colheitas e de animais, reduz drasticamente a capacidade produtiva de pequenas comunidades agrícolas. Avanços aconteceram, não há dúvida. A proteção hídrica (açudes, barragens, adutoras, canais, perímetros irrigados, redes de abastecimento urbano e cisternas) foi ampliada e cobre boa parte do sertão. Enquanto isso, no litoral, em que pesem os significativos saltos registrados na área econômica, a defasagem educacional, o número de homicídios entre a população jovem e a insegurança alimentar ainda dão o tom. Decididamente, o nordeste não tem nem um minuto a perder.

 Revista Problemas Brasileiros

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