segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sertão dourado

Nem tudo que reluz é ouro. Pode ser, mas quem já viu o trabalho das artesãs do Jalapão tem suas dúvidas

Texto: Lena Trindade


O Jalapão é originado
De jalapa plantação,
Raiz medicinal
Descoberta há muito tempo
Hoje rara na região.

(...) Jalapão é região
Um vasto campo,
É um mundão,
Que há poucos anos trás
Era esquecido demais.”

Zélia Rodrigues Martins da Silva (extraído do livro “Jalapão, Sertão das Águas” de Miguel Von Behr)

O artesanato do capim dourado fez com que o mundo chegasse às populações nativas do afastado e inóspito Jalapão. Quem vê as peças de longe e com o sol incidindo, tem a impressão de que são feitas de ouro.Bolsas, cestas, pulseiras e chapéus ocupam lugar de destaque nas lojas mais caras de São Paulo e do Rio e são exportadas para mais de uma dezena de países. Mereceram editoriais de moda em revistas como Vogue e Vanity Fair, entre outras. Tanto sucesso chegou rápido, na esteira dos visitantes que descobriram a região, situada no Tocantins, o mais novo estado do Brasil. E já começa a trazer problemas. O capim dourado é matéria-prima frágil que não pode ser cultivada. A exploração sem controle preocupa e pode ameaçar a planta de extinção, sem contar o perigo para o buriti, palmeira utilizada na costura das peças.

Deserto de águas


A palavra deserto se refere à falta de gente e não de água. Aliás, no desértico Jalapão, o que não falta é água. A região da Chapada das Mangabeiras, onde ele está situado, abriga nascentes de rios, como o Rio do Sono e Prata (pág. ao lado) que formam um enorme aquífero subterrâneo. A areia das dunas atua como um filtro no
qual a água da chuva penetra muito fácil até atingir rochas impermeáveis. Curioso é o fenômeno dos fervedouros, nascentes com forte pressão, onde não se afunda.

A região do Jalapão, por suas peculiaridades que a transformaram em novo alvo do ecoturismo, é também o centro de diversos estudos científicos e ações de conservação. Atualmente, os esforços visam a busca de alternativas sustentáveis de utilização dos recursos naturais, de forma a garantir a sobrevivência das comunidades de artesãs. Entre os estudos, está o da germinação de sementes do capim dourado (Shyngonanthus nitens), uma flor do cerrado que cresce naturalmente nas margens dos vários rios que cortam o Jalapão e de poucos outros lugares – sudeste do Tocantins e município de São Domingos, em Goiás. Nos tempos em que o capim dourado era abundante e o artesanato pouco valorizado, os moradores arrancavam a planta pela raiz para aproveitá-la inteira. Descobriram agora que não é fácil cultivá-la.

A unidade do Sebrae em Tocantins, que orienta as quatro associações de artesãs distribuídas pelos municípios de São Félix, Mateiros e Ponte Alta do Tocantins, no Jalapão, agora dá assistência na colheita, programada para os meses de setembro a novembro. Tenta-se evitar assim que, devido ao enorme interesse de produzir e vender cada vez mais, artesãs retirem a matéria-prima antes do tempo, sem a necessária maturidade que confere à palha da planta sua cor singular. O capim dourado também tem sido ameaçado pelas queimadas e pelos avanços da agricultura. Tal situação levou o Instituto Natureza do Tocantins (Naturantins), órgão do governo do estado responsável pela gestão ambiental, a adotar medidas que ordenam a coleta e manejo da planta.


O sucesso das artesãs


É difícil ver uma cesta, bolsa, chapéu ou qualquer das peças feitas com capim dourado e não ficar atraído pela textura da palha e o brilho do ouro. O artesanato gera uma renda mensal de R$ 100 a R$ 600 por artesã, dependendo do tempo dedicado à atividade e o tipo de peça produzida (dir.). Para muitas famílias representa a principal fonte de sustento. A atividade nasceu nas comunidades de Mumbuca (Mateiros) e no povoado de Pratas (esq.), no município de São Félix do Jalapão. Mumbuca é uma comunidade de negros, provavelmente ex-escravos, remanescentes de quilombos, de casas humildes, com telhado de piaçava (acima).

Agora, a extração do capim só é permitida no caso de associações e produtores cadastrados no Naturantins, treinados para práticas de coleta seletiva e manejo. Evita-se desse modo que intermediários e atravessadores, contra os quais os habitantes locais não têm defesa, comprem o capim e transformem a palha em peças de venda garantida depois de passar pelas mãos de artesãs em outros pontos do Brasil. O Sebrae também está atrás de outras espécies de plantas para que as comunidades não dependam apenas do capim como fonte de renda.

O Jalapão, enquanto isso, continua a receber visitantes de outros pontos do Brasil, interessados na sua natureza única. A Chapada das Mangabeiras, onde ele está situado, abriga nascentes de afluentes de rios de três grandes bacias hidrográficas brasileiras: Tocantins, São Francisco e Parnaíba. Ali forma-se um enorme lençol de água subterrâneo e um manancial de rios e córregos surpreendente para uma região, aparentemente tão árida. A grande quantidade de areia das dunas que se estendem por todo lado, permite que a água passe pelo solo e se concentre abaixo da superfície. É essa água que dá vida à biodiversidade do Jalapão.

A água também dá origem a fenômenos curiosos, como o Fervedouro, uma piscina natural de águas cristalinas, com fundo de areia branquíssima, que reflete o verde das bananeiras que a circunda. A pressão, criada por um fenômeno chamado ressurgência, impede que o corpo das pessoas que buscam a frescura de suas águas afunde. Isso acontece porque sob a piscina há um lençol freático e, logo abaixo, rocha impermeável. Sem encontrar vazão pela rocha, a água é jorrada com muita pressão, empurrando para cima a areia e o que houver por cima dela.

Chuva no cerrado


O Jalapão é formado por rochas de arenito muito frágeis, sujeitas à erosão provocada pelo vento e pelas chuvas. A paisagem é caracterizada por platôs com altura média de 800 metros. “É uma bela região, o ar é magnífico, deliciosamente fresco e puro; não há água estagnada, nem vegetação apodrecida, nem pragas de nenhum tipo”, dizia um viajante do século 19.

Com o objetivo de proteger essa região tão curiosa, foram criadas cinco unidades de conservação pelo governo do Tocantins e pelo Ibama, que formam o maior mosaico de diferentes áreas protegidas do cerrado brasileiro, com mais de 1,5 milhão de hectares. São elas: o Parque Estadual do Jalapão, o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, a Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, a Área de Proteção Ambiental Estadual do Jalapão e a Reserva Particular do Patrimônio Natural Minnehaha. Essas unidades também fazem parte do Corredor de Biodiversidade do Jalapão, com o dobro da área, localizado na porção leste do estado, na divisa entre Piauí, Maranhão e Bahia, criado, com o apoio da ONG Conservação Internacional, para proteger a diversidade de ambientes e a alta biodiversidade do cerrado. Pelo menos as jalapas-do-Brasil (Operculina macrocarpa), a planta trepadeira nativa que dá nome à região, usada pelos seus moradores como remédio contra problemas gastrointestinais, está a salvo.


Localizado a leste, no estado do Tocantins, o Jalapão abrange os municípios de Ponte Alta do Tocantins, Mateiros, São Félix do Jalapão, Novo Acordo e Aparecida do Rio Novo. São 34 mil km2 e pouquíssimos habitantes: apenas uma pessoa por quilômetro quadrado. A topografia e vegetação dominantes são características de cerrado, mas os rios são mais abundantes.

Revista Horizonte Geográfico

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