domingo, 17 de maio de 2009

Obras “imateriais” são para sempre

Saberes antigos, formas de arte e artesanato originais e tradições culturais também devem ser preservados para que sua história não se perca

Samba de Roda do Recôncavo Baiano: é considerado não apenas um gênero musical, mas uma celebração, marcada pela utilização de percurssão e de violas, que virou símbolo nacional. Herança do tempo dos escravos, essa manifestação cultural foi considerada obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial pela Unesco e origem de outras manifestações como o samba e o jongo

Dizem que o segredo da moqueca capixaba é não levar óleo de dendê, ingrediente tradicional na versão concorrente do prato, a baiana. Mas para um grupo de artesãs do bairro de Goiabeiras, em Vitória (ES), o sucesso está nas panelas de barro (usadas no preparo da iguaria), que elas fazem manualmente, seguindo uma tradição que já dura mais de 500 anos. A arte de fazer panelas surgiu provavelmente entre índios que viviam na região antes da chegada dos portugueses, sendo passada ao longo dos séculos de mãe para filha. O ofício das paneleiras de Goiabeiras sustenta hoje 120 famílias, mas como toda a tradição oral, corria o risco de se perder com o tempo. O perigo não existe mais. Em 2002 esse conhecimento foi registrado como patrimônio imaterial pelo Iphan.

Nesse tipo de patrimônio não ocorre um “tombamento” propriamente dito, mas uma espécie de garantia de que haverá continuidade desse saber, explica Márcia Sant’Anna, diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan. Tampouco significa que aquele determinado bem terá de se manter para sempre do mesmo jeito. “É um processo dinâmico. O registro é uma forma de fortalecer os laços sociais e materiais que permitem que este saber continue se reproduzindo.”

Desde 2002, 12 conhecimentos populares e manifestações culturais já foram registrados como patrimônio imaterial pelo Iphan. Outros tantos estão em processo de análise, como o mamulengo (teatro de bonecos do Nordeste), a capoeira e o modo artesanal de fazer queijo em Minas. “Ao longo do diagnóstico, avaliamos as fragilidades desse bem, como a dificuldade em encontrar matéria-prima ou transmitir o conhecimento. Feito isso, montamos, com as comunidades detentoras do saber, um plano de salvaguarda que estabeleça ações que governo e empresas possam tomar para seu fortalecimento e continuidade.” Esse plano, segundo Márcia, é projetado para cinco anos. “A idéia é que adquiram condições para depois continuarem trabalhando sozinhos.”

É o que ocorreu, por exemplo, com a arte dos índios wajãpi (AP), ameaçada de desaparecer por desinteresse das novas gerações, mas que ganhou um ânimo novo com o título de patrimônio imaterial, não só nacional (concedido pelo Iphan em 2002), como da humanidade, decretado pela Unesco em 2003. A idéia era obter o registro desses padrões gráficos e dos saberes associados, para protegê-los do uso comercial indiscriminado”, explica a antropóloga Dominique Gallois, do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo, da USP, que ajudou os índios a organizar o dossiê. Interessava também afirmar a beleza dessas pinturas corporais para rebater a vergonha dos jovens em mostrá-los fora da aldeia.

A arte gráfica conhecida como kusiwa retrata, por meio de padrões básicos, as figuras da mitologia wajãpi e do cotidiano. Segundo Dominique, com o programa de salvaguarda lançado em 2005, houve uma inversão gradual e hoje os jovens estão interessados no seu patrimônio, “redescoberto por um novo viés, mais ‘novo’, ‘moderno’, através da escola, do registro visual etc”.

Revista Horizonte Geografico

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